Opinião

Portugal e o Espelho da Saúde Mundial: O que Podemos Aprender com os Melhores?

Atualizado: 
05/05/2025 - 08:09
Vivemos numa era em que o acesso à saúde é um direito fundamental reconhecido globalmente. No entanto, a forma como cada país estrutura, financia e oferece cuidados de saúde varia dramaticamente, refletindo não apenas opções políticas, mas também valores culturais, prioridades económicas e eficiência administrativa. Portugal orgulha-se de ter um Serviço Nacional de Saúde (SNS) que garante cobertura quase universal, mas enfrenta desafios crónicos como tempos de espera prolongados, subfinanciamento e acesso desigual.

Neste artigo, exploramos comparativamente o sistema de saúde português com outros modelos internacionais, destacando não apenas os conhecidos exemplos do Reino Unido, EUA, Canadá, Alemanha e Brasil, mas também os sistemas mais bem classificados do mundo segundo o Health Consumer Index: Suíça, Dinamarca, Países Baixos, Bélgica, Singapura, Coreia do Sul e Taiwan.

Portugal em Perspetiva Portugal investe cerca de 10,5% do PIB em saúde, com mais de 70% desse investimento vindo do setor público. O SNS cobre praticamente toda a população, mas a participação privada está a crescer, especialmente através de seguros e subsistemas (como a ADSE). Os tempos de espera para consultas hospitalares e cirurgias têm vindo a agravar-se: em 2023, o número de utentes em lista de espera para primeira consulta hospitalar aumentou 46% face a 2022.

Apesar disso, Portugal tem indicadores positivos em diversas áreas: índices de mortalidade infantil abaixo da média europeia, elevada taxa de vacinação e um sistema de medicina familiar que atua como porta de entrada no SNS. No entanto, enfrenta problemas de infraestruturas degradadas, falta de profissionais, e desigualdade de acesso em algumas regiões.

O Reino Unido e o NHS: Um Gigante com Pés de Barro? O National Health Service (NHS) é muitas vezes celebrado como um dos primeiros sistemas de saúde universal do mundo, mas está sob intensa pressão. Segundo um artigo recente do The Economist, 7 milhões de britânicos estão em listas de espera, o equivalente a 11% da população. O Reino Unido apresenta ainda das piores taxas de sobrevivência ao cancro na OCDE.

Dois terços do orçamento são canalizados para hospitais, com incentivos baseados na atividade, o que potencia tratamentos desnecessários. O subfinanciamento crónico e a falta de integração com os cuidados primários tornaram o NHS um modelo a reformar.

EUA: O Sistema Mais Caro e Menos Eficiente Os Estados Unidos são o caso paradigmático de um sistema de saúde altamente privado, fragmentado e desigual. Com um investimento total de 17,6% do PIB, é o mais caro do mundo. Ainda assim, cerca de 8,4% da população não tem qualquer tipo de acesso à saúde. A qualidade dos serviços para quem tem acesso é excelente, mas o sistema é ineficiente, com resultados médios de saúde piores que muitos países europeus.

Canadá e Alemanha: Modelos Intermédios O Canadá tem um sistema público com cobertura universal, mas longos tempos de espera para serviços especializados são um problema recorrente. O financiamento é provincial e os serviços como medicina dentária ou óculos não estão incluídos.

A Alemanha, por outro lado, combina seguro público com oferta privada, sendo um dos sistemas mais abrangentes do mundo: cobre praticamente 100% da população, com baixos tempos de espera e ampla gama de serviços, incluindo reabilitação, dentista e medicamentos. A contribuição é obrigatória mas proporcional ao rendimento.

Brasil: Universalidade com Desigualdades O SUS é um sistema universal e gratuito, mas enfrenta problemas de subfinanciamento crónico, infraestruturas precárias e desigualdades regionais gritantes. A população com melhores rendimentos recorre ao setor privado. Apesar das dificuldades, o SUS é uma referência mundial em programas como vacinação e transplantes.

Os Sistemas de Saúde Melhor Classificados De acordo com o "Health Consumer Index" e outros rankings internacionais, os melhores sistemas de saúde do mundo apresentam características comuns: eficiência administrativa, acesso rápido, integração entre níveis de cuidados, e forte componente preventiva. Destacam-se:

Suíça: Sistema de seguro obrigatório, altamente regulado. Cobre toda a população com qualidade excelente, embora com custos elevados suportados pelo utente.

Países Baixos: Sistema misto com elevada eficiência. Os seguros privados são obrigatórios mas regulados. Elevada satisfação dos utentes e tempos de espera curtos.

Dinamarca: Forte investimento em cuidados primários e digitalização. Modelo público universal com rápido acesso e elevada qualidade.

Bélgica: Sistema misto com liberdade de escolha para o utente. Elevada densidade de médicos e hospitais.

Singapura: Sistema baseado em "poupança obrigatória" (MediSave), com incentivo ao uso racional dos recursos. Elevada eficiência.

Coreia do Sul: Sistema nacional de seguro, com serviços altamente tecnologizados e acessíveis.

Taiwan: Sistema de "pagador único", com cartão eletrónico universal. Alta eficiência e custos controlados.

 

Comparativo com Portugal: O que Podemos Aprender? Portugal encontra-se numa posição intermédia: garante acesso universal, mas com recursos limitados e problemas estruturais. Os sistemas mais bem classificados mostram que:

1. Investir em cuidados primários e prevenção é mais eficiente do que canalizar recursos apenas para hospitais.

2. Integração digital e acesso rápido têm impacto direto na satisfação e nos resultados em saúde.

3. Financiamento adequado e sustentável, com transparência e regulação do setor privado, permite equilíbrio entre qualidade e equidade.

4. Participação dos cidadãos e responsabilização política são essenciais para reformas duradouras.

 

Conclusão: A Hora da Verdade para o SNS A questão colocada por Nigel Lawson sobre o NHS – ser uma "religião nacional" – poderia aplicar-se também ao SNS em Portugal. O carinho e orgulho dos portugueses pelo seu sistema público de saúde contrasta com a sua degradação visível. O momento é crítico: ou reformamos o SNS com base em evidência e boas práticas internacionais, ou continuamos a assistir ao seu desgaste.

Não se trata apenas de gastar mais, mas de gastar melhor. O futuro do SNS passa por investir em proximidade, eficiência, prevenção e dignidade no acesso. Os melhores sistemas do mundo mostram que é possível conciliar qualidade com sustentabilidade.

Portugal pode não ter os recursos da Suíça ou a tecnologia de Singapura, mas tem capital humano, vontade cidadã e uma história de conquistas em saúde pública que o colocam em boa posição para liderar um novo ciclo de reforma.

A questão, como diz o The Economist, é mesmo: "How to fix it". E em Portugal, a resposta começa agora.

Autor: 
António Ricardo Miranda - Engenheiro Electrotécnico e de Computadores de Controlo e Robótica e Pessoa com Deficiência Auditiva e Visual
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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