Opinião

Ouvir Bem, Viver Melhor: Porque as Próteses Auditivas Superam os Amplificadores

Atualizado: 
23/06/2025 - 09:45
Ouvir é um acto simultaneamente físico, emocional e social. Reconhecer o riso de uma criança, participar numa conversa espontânea ou simplesmente orientar‑nos pelo som do trânsito são gestos que sustentam a nossa autonomia e definem a nossa ligação ao mundo.

Quando não identificada e tratada precocemente, a hipoacusia pode ter consequências graves. Nas crianças, interfere directamente no desenvolvimento da linguagem, no rendimento escolar e nas competências cognitivas. Nos adultos, pode comprometer a comunicação interpessoal, o desempenho profissional e aumentar o risco de isolamento social. Nos idosos, a perda auditiva não tratada é hoje reconhecida como um factor de risco independente e modificável que contribuiu para o desenvolvimento de demência . (in Ying G, Zhao G, Xu X, Su S, Xie X. Association of age-related hearing loss with cognitive impairment and dementia: an umbrella review. Front Aging Neurosci. 2023 Sep 18;15:1241224. doi: 10.3389/fnagi.2023.1241224. PMID: 37790283; PMCID: PMC10543744.)

Em Portugal, estima‑se que mais de um milhão de pessoas viva com algum grau de perda auditiva, mas apenas uma fracção recorre a apoio especializado. Neste contexto, multiplicaram‑se no mercado dispositivos de amplificação sonora de venda livre, à primeira vista mais baratos e práticos do que as próteses auditivas clínicas clássicas. Contudo, nem sempre o mais rápido ou económico é o mais adequado. As próteses auditivas modernas, adaptadas com base em exames audiológicos e calibradas digitalmente para a perda auditiva de cada indivíduo, não se limitam a aumentar o volume: seleccionam frequências, reduzem ruído e integram‑se, de forma quase invisível, no estilo de vida do utilizador. Ao longo deste artigo iremos comparar, ponto por ponto, as vantagens e limitações de próteses auditivas versus amplificadores, analisando factores como qualidade sonora, personalização, saúde auditiva a longo prazo e custos efectivos. O objectivo é fornecer informação clara e fundamentada para que cada leitor possa tomar uma decisão consciente, assente em evidência e não apenas no apelo de se ouvir «mais alto».

 

A importância da avaliação médica da surdez

A hipoacusia pode surgir em qualquer fase da vida — desde o período neonatal até à idade geriátrica — e as suas causas são múltiplas: factores genéticos, infeções congénitas, otite crónica, traumatismos, exposição acumulada a ruído, ototoxicidade, doenças sistémicas com afetação do ouvido (como algumas doenças auto-imunes), entre outras.

Clinicamente, a perda auditiva pode ser classificada em três grandes tipos: condução, quando a alteração se localiza no ouvido externo ou médio e impede a transmissão adequada do som; neurossensorial, quando o problema se situa no ouvido interno (cóclea) ou no nervo auditivo; e mista, quando coexistem ambos os componentes. Cada uma destas formas tem implicações diagnósticas, terapêuticas e prognósticas distintas.
Adicionalmente, existe a possibilidade de uma dificuldade na percepção auditiva, apesar de limiares auditivos periféricos aparentemente normais — como é o caso da neuropatia auditiva. Nestes quadros, a perturbação ocorre na transmissão sináptica ou na via auditiva central, exigindo avaliação detalhada e orientação por equipas especializadas em Otorrinolaringologia e Audiologia

Importa também destacar que a hipoacusia assimétrica — quando há diferença significativa de audição entre os dois ouvidos — deve ser cuidadosamente investigada por Otorrinolaringologia, especialmente se estiver associada a acufeno unilateral (zumbido num só ouvido).

Por outro lado, certas situações, como otites médias crónicas, otosclerose ou malformações congénitas, requerem vigilância clínica e, por vezes, tratamento cirúrgico, e não devem ser negligenciadas com soluções meramente amplificadoras.

Assim, antes de se iniciar qualquer forma de reabilitação auditiva — seja com aparelhos auditivos, amplificadores ou outro tipo de dispositivo — é imprescindível realizar uma avaliação médica otorrinolaringológica e uma bateria de exames audiológicos completos.

 

Reabilitação auditiva

A perda auditiva pode impactar negativamente o desenvolvimento infantil e o bem-estar do adulto, afetando a vida escolar, profissional, social e familiar. Quando não há tratamento médico ou cirúrgico, a reabilitação auditiva, por meio de próteses, é essencial.

Historicamente, os aparelhos auditivos evoluíram desde as cornetas acústicas até dispositivos modernos. As próteses passaram de modelos de bolso para tipos mais discretos e confortáveis, como os de uso intra-auricular. Além disso, houve avanços importantes na qualidade sonora com o uso de tecnologias digitais, que adaptam a amplificação às necessidades do utilizador, filtrando ruídos e prevenindo sons excessivamente altos.

Os aparelhos ou próteses auditivas são dispositivos médicos personalizados compostos por um microfone e um amplificador. Captam o som externo, convertem-no em sinal elétrico, amplificam-no e transformam-no novamente em som, adaptado à perda auditiva do utilizador. Esses aparelhos são ajustados por audiologistas, que realizam uma avaliação audiológica completa e programam o dispositivo para amplificar apenas as frequências afetadas, com controle da intensidade para proteger a audição residual e evitar danos.

Recursos como múltiplos microfones que permitem melhorar a captação do som e a relação sinal/ruído, gestão de feedback, comunicação wireless entre os aparelhos, conectividade Bluetooth e proteção contra humidade melhoraram significativamente a sua utilização.

Também houve avanços em sistemas implantáveis, como implantes cocleares, de ouvido médio e osteointegrados, que proporcionam audição mais natural, conforto e redução de riscos de infeções.

Com esses avanços, a qualidade de vida de pessoas com deficiência auditiva tem melhorado, e o papel do audiologista é fundamental na reabilitação auditiva e na inclusão social destes.

Em contraste, os amplificadores auditivos amplificam todos os sons igualmente, sem considerar o perfil auditivo da pessoa. Não possuem regulação por frequência, podendo causar sobre amplificação e prejudicar a audição, não sendo indicados para pessoas com perda auditiva.

Os aparelhos auditivos são considerados Dispositivos Médicos conforme o Regulamento (UE) 2017/745, sendo sua comercialização sujeita a registo no Infarmed.

A adaptação técnica desses aparelhos é regulamentada a nível europeu e nacional (Decretos-Lei n.º 261/93 e 320/99, Norma ISO 21388:2020), estando restrita a profissionais de saúde qualificados, como os Audiologistas.

A seleção e adaptação dos aparelhos insere-se no contexto da reabilitação auditiva e deve ocorrer em estabelecimentos de saúde regulados pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS), conforme o Decreto-Lei n.º 126/2014.

 

Conclusão

Concluir que as próteses auditivas são, na maioria dos casos, a opção mais vantajosa não é uma questão de marketing, mas de qualidade de vida. Enquanto os amplificadores auditivos podem oferecer um alívio imediato em situações pontuais, fá-lo-ão de forma indiscriminada, ampliando ruídos de fundo, distorcendo frequências e, por vezes, agravando a perda auditiva preexistente. As próteses, pelo contrário, resultam de um processo clínico: começam com uma avaliação médica e audiológica, seguem para uma prescrição individualizada e culminam numa adaptação progressiva, acompanhada por profissionais que ajustam parâmetros conforme a evolução do utilizador.

Esta abordagem holística traduz-se numa audição mais natural, numa melhor compreensão da fala e numa integração social efectiva, reduzindo o risco de isolamento, depressão e deterioração cognitiva associada à perda auditiva não tratada ou reabilitada. Além disso, quando analisamos o custo total de posse—que inclui manutenção, durabilidade, ganho funcional e, sobretudo, bem-estar — verificamos que o investimento inicial numa prótese auditiva se dilui ao longo dos anos, compensando amplamente a despesa. Em suma, ouvir não é apenas medir decibéis; é preservar a capacidade de sentir, comunicar e participar.

Optar por uma solução auditiva clínica é optar por viver plenamente, com a certeza de que cada som nos chega com a fidelidade que a nossa história merece.

 

Autor: 
António Ricardo Miranda - Engenheiro Electrotécnico e de Computadores de Controlo e Robótica e Pessoa com Deficiência Auditiva e Visual
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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