Entrevista | Dra. Ana Magriço

“Os portugueses preocupam-se com a saúde da visão, mas muitos não cumprem as avaliações recomendadas”

Atualizado: 
13/10/2022 - 14:39
Estima-se que cerca de metade dos casos de deficiência visual diagnosticados, em todo o Mundo, podiam ser evitados. Em entrevista ao Atlas da Saúde, e no âmbito do Dia Mundial da Visão, Ana Magriço, Médica Oftalmologista e Secretária-Geral da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia (SPO), alerta para a importância do diagnóstico atempado dos problemas oculares. “O recomendado é ir uma vez por ano ao médico oftalmologista, caso não haja a manifestação de sintomas ou histórico familiar de alguma condição ocular específica”, revela apontando ainda para os principais cuidados a ter com a visão.

Dados do Relatório Mundial sobre a Visão, publicado em 2019, demonstram que, globalmente, pelo menos, 2,2 mil milhões de pessoas têm uma deficiência visual. Destas, estima-se que cerca de metade vive com uma condição que podia ter sido evitada ou que ainda não foi devidamente tratada. Assim sendo, começo por lhe perguntar, no que diz respeito ao nosso país, se nós, portugueses, estamos devidamente despertos para as doenças ocular e os cuidados com a visão?

Os portugueses preocupam-se com a saúde da visão, mas muitos não cumprem as avaliações recomendadas pelo médico oftalmologista para uma boa saúde ocular. Em causa pode estar o facto de se sentirem bem e também porque quando não se sentem, o acesso aos cuidados de saúde poder ser difícil. Assim, muitas pessoas acabam por se limitar a comprar óculos, perdendo a oportunidade do diagnóstico atempado de muitas doenças oculares. É importante salientar que ter uns bons óculos graduados não significa ter uma boa saúde ocular.

Quais as principais patologias que estão a ameaçar a saúde da visão dos portugueses?

Nas crianças destacamos a ambliopia, vulgarmente conhecida como “olho preguiçoso”. Pode ocorrer se a necessidade do uso de óculos não for diagnosticada atempadamente.

A partir dos 40 anos, as patologias mais comuns são o glaucoma e a retinopatia diabética, duas das principais causas de cegueira evitável (quando diagnosticada e tratada precocemente). Quando falamos em doenças evitáveis, o que pretendemos dizer é que existe forma de prevenir a progressão e evitar que cheguem a um estado avançado, muitas vezes, irreversível.

No caso da retinopatia diabética é uma manifestação ocular da diabetes, na qual é necessário controlar o melhor possível os níveis de açúcar no sangue desde as fases iniciais da doença. Já o glaucoma, provoca a morte acelerada das células do nervo ótico e não apresenta sintomas detetáveis até uma fase muito avançada da doença, sendo diagnosticado apenas em consulta com um médico oftalmologista que avalia as alterações suspeitas do nervo ótico, do olho e a pressão intraocular.

A partir dos 60 anos, é fundamental estar atento aos sinais e sintomas da Degenerescência Macular da Idade (DMI) que causa uma alteração da visão central e às cataratas que provocam uma diminuição da visão inicialmente para longe. Duas doenças oculares relacionadas com a idade que também podem levar à cegueira no seu estadio avançado.

Em que consiste a retinopatia diabética? Quais os sinais de alerta? Tem tratamento?

A retinopatia diabética é uma lesão da retina (estrutura, localizada na parte posterior do olho, que contém as células que recebem as imagens e as transmitem ao cérebro) provocada pela diabetes, sendo uma das principais causas de cegueira. Para evitar a cegueira é fundamental controlar o melhor possível os níveis de açúcar no sangue desde as fases iniciais da doença. Inicialmente, os efeitos na visão podem ser mínimos, mas a visão pode agravar gradualmente. Pode verificar-se visão turva, visão com alterações periódicas (de borrada para clara e vice-versa), visão prejudicada devido a manchas escuras que flutuam na visão…

Relativamente ao tratamento da retinopatia diabética, este é definido conforme o estadio da doença e tem como objetivo retardar a sua progressão e recuperar a visão para proporcionar ao doente uma melhor qualidade de vida. Na fase inicial da doença, o tratamento indicado é a

monitorização regular com um médico oftalmologista e uma articulação importante com o doente e o endocrinologista de forma a alterar estilos de vida e controlar todos os fatores de risco cardiovasculares com o objetivo de controlar os níveis de açúcar no sangue e evitar que outros fatores de risco contribuam para o agravamento da retinopatia.

Em casos mais graves, pode ser necessário realizar injeções intravítreas (dentro do olho), procedimentos com laser ou cirurgia.

E o glaucoma? Quais as principais causas, manifestações clínicas e tratamento?

O glaucoma é uma doença ocular grave em que a perda de visão é consequência da morte das células do nervo ótico (estrutura que liga o olho ao cérebro occipital e que conduz as imagens da retina até ao cérebro). É, habitualmente, assintomática nas fases iniciais e é considerado uma das principais causas de cegueira irreversível, ou perda grave de visão, quando não é diagnosticado e tratado de forma atempada e adequada. É uma doença que evolui silenciosamente e que, apesar de não apresentar sintomas (ardor, picadas ou outra queixa), pode ter outro tipo de manifestações como quedas sem causa aparente ou o chocar com objetos que não tinha reparado e se encontram no seu espaço visual.

O tratamento permite atrasar ou idealmente impedir a progressão do glaucoma e implica a diminuição da pressão intraocular, muitas vezes aumentada nesta doença. No entanto, o que se perdeu da visão já não se recupera. Para tratar esta patologia pode-se recorrer a colírios, laser ou cirurgia.

Relativamente à degenerescência macular da idade, em que consiste e como pode ser prevenida? Quais os sinais de alerta?

A degenerescência macular relacionada com a idade (DMI) é uma doença que afeta a mácula e, nas suas fases mais avançadas, pode

impedir a pessoa de ler, conduzir, ver televisão, ver as horas ou o rosto das pessoas com quem interage.

Nas suas formas iniciais, a DMI pode passar despercebida, pois os sintomas são muito ténues ou nulos. Alteração na perceção dos contrastes ou das cores que, na maioria das vezes, são quase impercetíveis para o doente. Este é um dos principais motivos pelo qual se aconselha um exame oftalmológico anual a partir dos 50 anos, no qual será possível observar alterações na área macular do olho.

Apesar de ter uma grande carga genética, é possível reduzir o risco de ter a doença e de evitar a perda de visão através da prevenção. Para apostar na prevenção é fundamental seguir alguns cuidados como não fumar, ter uma dieta rica em frutas vegetais e legumes, assim como ir regularmente ao médico oftalmologista. Quando for necessário, o especialista poderá ainda prescrever vitaminas e antioxidantes ao doente.

Sendo uma das causas de redução ou perda de visão, a catarata ocular é uma doença dos olhos muito comum. Mas será que estamos devidamente sensibilizados para esta patologia? O que precisamos saber sobre esta doença? Qual o tratamento? Há forma de prevenir?

As cataratas são muito frequentes na população idosa e representam uma das principais causas de cegueira em todo o mundo. Apesar de as pessoas terem noção de que existe uma doença chamada “catarata”, creio que não estão totalmente consciencializadas das suas consequências e de como o adiamento do diagnóstico e tratamento podem fazer a diferença no prognóstico.

A lente natural interna do nosso olho chama-se cristalino. Quando temos catarata, esta lente que costuma ser transparente torna-se opaca e fica baça, passando a designar-se por catarata. A probabilidade de ter esta patologia aumenta com a idade e podemos afirmar que, a partir dos 70 anos, cerca de 50% da população tem catarata ou já foi operada.

As pessoas com catarata começam por notar perda de nitidez nos pormenores, tendo dificuldades crescentes a ler legendas, avisos ou mesmo identificar pessoas ao longe.

Na ausência de tratamento a doença vai evoluir lentamente para uma lente opaca até ficar branca e causar cegueira, que pode ser reversível com cirurgia.

O único tratamento eficaz é efetivamente a cirurgia que consiste na remoção da lente natural opacificada e na implantação de uma nova lente que a vai substituir.

Que outras patologias é importante dar a conhecer, no âmbito deste tema?

Além das patologias mais graves, existem outras não menos importantes e que é essencial conhecer também. Por exemplo, a presbiopia, muito conhecida por “vista cansada”. A vista cansada é um problema natural que um dia vai afetar toda a população. Tal acontece devido à potência variável da lente interna do nosso olho que vai diminuindo ao longo dos anos e, habitualmente, entre os 40 e os 50 anos deixa de ser suficiente para podermos ver bem letras pequenas a curtas distâncias. Esta é uma fase de eleição para ir regularmente ao médico oftalmologista, uma vez que existem diversas causas de diminuição da visão e este especialista tem o conhecimento adequado para tratar e receitar óculos indicados para a compensação da presbiopia.

É importante reforçar que apesar de o uso de óculos melhorar a visão, tal não significa que não possam surgir outros riscos ou problemas, pelo que se recomenda a avaliação e acompanhamento regular de um médico oftalmologista.

De um modo geral, quando devemos consultar um médico oftalmologista?

O recomendado é ir uma vez por ano ao médico oftalmologista, caso não haja a manifestação de sintomas ou histórico familiar de alguma condição ocular específica. Essa recomendação aplica-se desde a adolescência e permanece até a velhice.

Em casos de bebés recém-nascidos é importante fazer a avaliação visual, pois permite a prevenção precoce de doenças e problemas permanentes da visão, tais como estrabismo, glaucoma e até mesmo o retinoblastoma, que, embora seja um cancro ocular raro, é mais comum em recém-nascidos.

Em crianças até aos 12 anos, o ideal é ir às consultas de oftalmologia uma vez por ano para detetar possíveis problemas da visão e evitar que estes interfiram no desempenho escolar.

Já em pessoas idosas, com doenças oculares ou grupos de risco, pode ser recomendado ir a consultas mais vezes ao ano. Em causa está o facto de ser necessário um maior acompanhamento do caso para que o doente tenha mais qualidade de vida e possa prevenir a progressão das doenças oculares que tenha.

Em matéria de prevenção, que cuidados devemos todos ter – tenhamos ou não uma boa visão – para a manutenção de uma boa saúde visual?

Existem vários cuidados que devemos ter para manter uma boa saúde visual e que garantem mais qualidade e conforto para a nossa visão, tais como:

  1. Dormir no mínimo oito horas por dia – o sono e o cansaço influenciam quer o nosso corpo, quer os nossos olhos. Dormir menos horas do que as necessárias pode causar vermelhidão, vista cansada e inchaços.
  2. Evitar o consumo de bebidas alcoólicas – As bebidas alcoólicas produzem resíduos tóxicos que favorecem o envelhecimento precoce das células oculares. Além disso, o álcool causa desidratação, afetando também os olhos.
  3. Ter uma alimentação rica em vegetais e frutas – A ingestão de vegetais verdes escuros é indicada, uma vez que estes fornecem vitaminas benéficas para a retina.
  4. Proteger os olhos da radiação UV – É importante utilizar óculos com 100% de proteção UV para prevenir o envelhecimento precoce das células da retina e diminuir o risco de desenvolvimento de cancros oculares e palpebrais, de doenças degenerativas da retina ou catarata.
  5. Usar colírios lubrificantes, comummente designados por “lágrimas artificiais” – A hidratação dos nossos olhos é fundamental para evitar irritação, ardor e vermelhidão ocular.
  6. Se precisar de óculos graduados, deve usá-los como indicado pelo médico oftalmologista e prevenir sintomas que afetam a sua rotina e qualidade de vida, como diminuição da visão, dores de cabeça e cansaço ocular.
  7. Ir regularmente às consultas de oftalmologia - O médico oftalmologista irá avaliar a qualidade da visão e a saúde ocular, além de atualizar os óculos, quando necessário.

No âmbito do dia Mundial da Visão e da campanha #AdoroOsMeusOlhos, que mensagens ou ideias-chave gostaria de deixar?

A campanha #AdoroOsMeusOlhos tem como principal objetivo contribuir para dar a conhecer melhor algumas das doenças oftalmológicas mais frequentes, empoderar a sociedade civil a ser mais interventiva e ajudar a mudar o paradigma das doenças oculares e visuais em Portugal.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.