Tratamento

A obesidade têm cura?

Atualizado: 
20/05/2019 - 12:51
A obesidade é uma doença crónica que acomete mais de 600 milhões de pessoas no mundo. É, provavelmente, a doença metabólica mais antiga da qual temos conhecimento existindo provas da sua existência desde a era paleolítica.

É uma doença de instalação lenta, insidiosa, provocando danos muitas vezes irreparáveis a nível físico, psicológico e social. Este conjunto de  consequências condizem a uma diminuição do tempo médio e da qualidade de vida.

Tanto Hipócrates como Galeno, seu discípulo, a descreveram na Grécia Antiga como uma condição doentia, decorrente da falta de disciplina e de carácter. Infelizmente, ainda hoje é vista desta forma por uma larga faixa da população. Esta noção errónea, em conjunto com a imposição de um estereótipo de corpo belo, perfeito e saudável, acarreta muitos desajustes sociais para os portadores de obesidade. Estes são marginalizados, discriminados, estigmatizados e vítimas de preconceito. O componente de exclusão e social da doença obesidade é muito forte.

A obesidade foi “reconhecida como doença” pela Organização Mundial da Saúde em 1997 e definida com recurso ao índice de massa corporal (IMC), no fundo dependente do peso do doente, como fator preditivo do risco de morbimortalidade (tabela 1). Ou seja, o aparecimento de doenças secundárias consequência da obesidade é tanto mais elevado quanto mais alto é o IMC. Nesta classificação, a obesidade de grau III é conhecida como obesidade mórbida.


Tabela 1

Este parâmetro é fácil de usar, basta dividir o peso pelo quadrado da altura, mas não se mostra muitas vezes ajustado. Obesidade consiste na existência de uma quantidade de gordura superior ao normal e o IMC apenas reflete esse outro parâmetro. Para dosear a quantidade de gordura devemos recorrer a um exame chamado análise da composição corporal ou bioimpedância que mede, de forma mais ou menos exigente de acordo com o aparelho usado, a dimensão dos principais compartimentos corporais: a água, a massa magra e a massa gorda.

Resultado disto é que os jogadores de futebol americano apresentam muitas  vezes IMC acima de 40 Kg/m2 e não têm obesidade mas simplesmente uma “enorme” massa  muscular. Em contrapartida as populações asiáticas, cuja composição corporal é diferente e mais rica em gordura, podem ter excesso de gordura e obesidade com um IMC normal.

Em Portugal 57% da população tinha, em 2017, excesso de peso ou obesidade (Retrato da Saúde – Portugal, 2018). A prevalência da obesidade era  de 28,7%, sendo o valor ligeiramente mais elevado (32,1%) nas mulheres. A obesidade  mórbida deverá rondar os 3% da população geral.

O tratamento da obesidade tem uma estrutura piramidal cuja base consiste na modificação de hábitos de vida, implementando uma alimentação mais correta e uma prática de atividade física regular. Este esforço pode ser individual ou enquadrado num acompanhamento especializado por equipas da área do tratamento das doenças metabólicas (obesidade, diabetes, hipertensão arterial, dislipidemia, hiperuricemia, apneia do sono e outras).

No patamar seguinte surge o tratamento farmacológico, ainda no seio dessas equipas. Existem hoje disponíveis no mercado alguns medicamentos que ajudam a perder, ou pelo menos controlar o peso. Também aqui, mais uma vez, o obeso é discriminado pelo próprio estado que reconhece a obesidade mas não comparticipa, e tão pouco regula, o uso dos medicamentos que podem minorar o sofrimento associado à doença. Desta forma e em virtude de preços  acessíveis a muito poucos, os obesos não usam os medicamentos adequados, prescritos por médicos competentes na patologia, recorrendo a uma plêiade de produtos comerciais de custos afinal também elevados e de resultados nulos.

O patamar de tratamento seguinte é a cirurgia de obesidade, consensualmente o melhor tratamento, deve ser igualmente praticada no seio de equipas multidisciplinares que estudam os doentes de forma a definir o melhor plano individual de tratamento e o suportam, durante o processo de pré e pós operatório. São envolvidos nestas equipas endocrinologistas, nutricionistas, psicólogos, fisioterapeutas, fisiologistas e cirurgiões. As cirurgias são feitas por métodos mini-invasiva, com tempo de internamento curto e recuperação rápida para as atividades sociais. São hoje praticadas técnicas mais modernas caracterizadas por serem extremamente seguras e com muito poucas complicações se praticadas por cirurgiões (metabólicos) e equipas também eles necessariamente especializados nessa prática. Elas cumprem a sua função de forma  rápida e muito significativa, sendo a perda de peso e o controle das doenças associadas duráveis no tempo. Estes doentes necessitam monitorização e acompanhamento a longo prazo pela sua mesma equipa em virtude de estarmos perante uma doença crónica.

Cabe aqui ressaltar que a cirurgia é apenas uma ferramenta, que proporcionará a remissão das múltiplas doenças associadas, a melhora da qualidade de vida e a redução de peso corporal. A cirurgia bariátrica e metabólica, não é um tratamento estético, psiquiátrico e psicológico. Dessa forma, a expectativa da equipa e do paciente deve ser a mesma, e os objetivos do tratamento são trabalhados e consensualizados no período pré operatório.

Ainda no pré-operatório são feitas as avaliações pelos profissionais das ciências aliadas, obrigatórias segundo as normas da Direção Geral de Saúde. A partir destas, podemos constatar se a pessoa apresenta condições mínimas e básicas para realizar o todo o processo do tratamento cirúrgico.  Demonstrar consciência, capacidade de reflexão, autodeterminação, compreensão e adesão às regras do tratamento são critérios essenciais.

No fundo o doente com obesidade deve ter suficiente responsabilidade pelo cuidado com a própria vida,  respeitar a sua saúde e defender o seu envolvimento saudável com o tecido social.

O sucesso cirúrgico requer da mesma forma mudanças comportamentais significativas e depende grandemente da capacidade do paciente para implementar mudanças permanentes do seu estilo de vida, assim como a construção de uma nova relação com a alimentação.  É um processo longo, demorado e de difícil aprendizagem.  Sabemos que o padrão alimentar inadequado pode persistir após a cirurgia, ou seja o procedimento cirúrgico reduz a fome fisiológica e a capacidade gástrica para a ingestão dos alimentos, mas é possível que o padrão alimentar prévio permaneça.

Diante do exposto, ressalta a importância do acompanhamento pré e pós operatório com profissionais especialistas na área: cirurgião bariátrico, endocrinologista, nutricionista, psicólogo, fisioterapeuta, fisiologista.

O entendimento mais moderno para o controle da doença passa pela criação das referidas equipas mas com o objetivo mais abrangente de tratar a obesidade nos seus diferentes escalões, usando todos os patamares do tratamento, recorrendo a combinação de técnicas várias sempre que necessário. Uma doença crónica não tem uma solução única e fácil mas uma sequência de cuidados que garantam o alívio do sofrimento com a doença e a diminuição do impacto das doenças associadas e suas sequelas.

A obesidade não têm cura tem tratamento!

Dr. Rui Ribeiro
Coordenador da Unidade de Cirurgia Geral e do Centro Multidisciplinar da Doença Metabólica da CLISA -  Lusíadas
Membro do Comité de Comunicação e Desenvolvimento da IFSO-EC

Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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