Cancro do sangue

Leucemia Mieloide Aguda: anemia e hemorragia são sinais de alerta

Atualizado: 
06/10/2020 - 11:37
A Leucemia Mieloide Aguda (LMA) é um cancro raro e agressivo do sangue e da medula óssea que interfere no desenvolvimento de células sanguíneas saudáveis, afetando, sobretudo, adultos acima dos 65 anos. Apesar de se tratar de uma doença rara, representando apenas 0,8% de todas as neoplasias, há sinais aos quais todos devemos estar atentos.

Segundo a Hospitalar Graduada de Hematologia Clínica do HSAC, CHULC, Paula Sousa e Santos, “a Leucemia Mieloide Aguda (LMA) é uma doença maligna do sangue que resulta da produção excessiva de células imaturas da linhagem mieloide (mieloblastos), que não chegam a células maduras, capazes de desenvolver o seu papel no organismo. Os mieloblastos multiplicam-se muito rapidamente e acumulam-se na medula óssea impedindo a produção de células normais (glóbulos vermelhos, glóbulos brancos, plaquetas)”. Embora existam vários subtipos da doença, que apresentam características específicas, hoje abordamos os traços mais frequentes da doença.

Esta trata-se de uma doença do adulto, sobretudo após os 65 anos, embora possam atingir as crianças. “A sua incidência aumenta sobretudo a partir dos 55 anos, permanecendo estável a partir dos 85 anos”, adianta e especialista em Hematologia Clínica. E embora as causas sejam desconhecidas, estão descritas algumas condições que favorecem o seu desenvolvimento. É o caso de anomalias cromossómicas congénitas como a Síndrome de Down, Síndrome de Klinefelter e síndromes de roturas cromossómicas como o Síndrome de Bloom e a anemia de Fanconi. Por outro lado, a presença de doenças hematológicas consideradas pré-leucémicas, como os Síndromes mielodisplásicos, Síndromes mieloproliferativos crónicos ou Aplasia medular, podem aumentar a probabilidade de desenvolver a doença.

A especialista destaca ainda a exposição a produtos químicos (benzeno, diluentes), a radiações ionizantes, ou o “tratamento prévio com alguns agentes citostáticos devidamente identificados” como fatores de risco.

Estima-se ainda que 4% dos casos tenham uma base hereditária e que surjam por “mutações adquiridas em vários genes”.

Os sintomas da doença também são muito variáveis, podendo o doente apresentar sinais de anemia, cansaço ou fraqueza ou quadros de insuficiência respiratória, e/ou alterações neurológicas, entre outros.

“A acumulação de mieloblastos na medula óssea e o consequente bloqueio a produção de células normais na medula óssea está na origem dos sintomas da doença, ou seja, a anemia por diminuição dos glóbulos vermelhos, o maior risco de infeções por diminuição e alteração funcional dos glóbulos brancos e a maior tendência a hemorragia por diminuição das plaquetas”, começa por explicar Paula Sousa e Santos quanto aos principais sintomas, adiando que, uma vez que os mieloblastos “podem infiltrar outros órgãos do corpo” podem surgir outras complicações.

Deste modo, na presença de sintomas sugestivos da doença, é essencial que sejam “realizadas análises, com destaque para o hemograma com estudo rigoroso do sangue periférico, e perante a suspeita de LMA deve ser realizado o mielograma para avaliação da medula óssea”.

Segundo a especialista, o” diagnóstico é principalmente morfológico (identificação dos mieloblastos ao microscópio), sendo fundamental a presença de >/= 20% de mieloblastos, exceto em determinadas situações bem definidas, em que o diagnóstico deve ser feito com < 20% de mieloblastos”.

“Uma vez identificados os mieloblastos, o estudo tem de ser complementado por outro tipo de técnicas específicas para caracterização do tipo de linhagem mieloide, para identificação de anomalias citogenéticas e de mutações adquiridas mais frequentes, o que além de permitir incluir o doente num determinado subtipo na classificação, permite também a estratificação em grupos de risco com implicações prognósticas e terapêuticas”, acrescenta.

Cura depende de vários fatores, inclusive da biologia da doença

A idade e o estado geral do doente, bem como subtipo da doença, são determinantes para o sucesso do tratamento. “São conhecidas anomalias citogenéticas e mutações de genes que se associam a prognóstico favorável ou desfavorável, e a escolha do tratamento a adotar deve ter em conta a estratificação prognóstica, com base nessa informação: LMA de risco favorável (melhor resposta ao tratamento e maior sobrevivência), risco intermédio e risco adverso (pior resposta ao tratamento e menor sobrevivência)”, esclarece a médica, segundo a qual o tratamento pode consistir em ciclos de “quimioterapia intensiva, semi-intensiva (baixa dose) ou melhor terapêutica de suporte”.

Habitualmente, os doentes são divididos em 2 grupos: idade <60-70 anos e idade >60-70 anos. “Os do 1º grupo são candidatos a quimioterapia intensiva, desde que não haja contraindicação formal. Nos do 2º grupo a decisão deve ser feita caso a caso, porque são mais frequentes as comorbilidades com alteração do estado geral, e é maior a probabilidade de se tratar de LMA secundária a neoplasia prévia e associada a terapêutica. É neste grupo que se adotam regimes de baixa intensidade”, refere a especialista.

O regime intensivo, adianta, “é realizado em internamento hospitalar e pode ser necessário mais do que um ciclo para obter a resposta esperada (desaparecimento das células malignas e dos sintomas = remissão da doença)”. Após confirmada a remissão são realizados mais 2 ou 3 ciclos “para a consolidar”, e os doentes com mais de 60 anos prosseguem com tratamento de manutenção. “Entre os vários ciclos existe um intervalo para que o organismo recupere. Nos doentes de risco intermédio e adverso está indicado o transplante de medula óssea logo que obtenham resposta”, esclarece quanto à terapêutica.

“Importa relembrar que há um tipo de LMA, denominada Leucemia Promielocítica Aguda (associada a prognóstico favorável), em que a estratégia terapêutica é diferente da anterior porque requer um derivado da vitamina A (ácido transretinoico ou ATRA) que é administrado por via oral e que ajuda as células a amadurecer, ao qual também se pode associar um derivado do arsénico”, acrescenta Paula Sousa e Santos.

Náuseas e vómitos, falta de apetite, queda de cabelo (alopécia), maior sensibilidade na pele e inflamação ou descamação das mucosas intestina e oral, estão entre os efeitos mais frequentes do tratamento. Por outro lado, os doentes podem apresentar um agravamento da anemia (astenia, adinamia, cansaço, palpitações) com necessidade de transfusão com concentrado eritrocitário, diminuição dos glóbulos brancos, estando mais sensível a infeções) e diminuição de plaquetas, resultando em hemorragias espontâneas, sobretudo na pele e mucosas.

Por outro lado, em doente mais novos, há uma diminuição da fertilidade.

Alguns conselhos durante e após tratamento:

  • Todos os sinais, sintomas e preocupações devem ser sempre comunicados à equipa multidisciplinar de forma a permitir uma rápida atuação, evitando situações mais complicadas.
  • Cuidados nutricionais como evitar alimentos não cozinhados em determinadas fases do tratamento.
  • Cuidados acrescidos com a higiene pessoal.
  • Evitar comportamentos que possam causar traumatismos de qualquer tipo, pelo risco de hemorragia grave.
  • Durante o tratamento e nos meses seguintes é habitualmente administrada medicação anticoncecional oral de forma contínua, para evitar que ocorram perdas menstruais muito abundantes, bem como para evitar uma gravidez dado o elevado risco de malformações fetais. Os doentes do sexo masculino que tenham uma companheira em idade fértil, devem igualmente ter cuidados acrescidos.
  • Estados de depressão reativa e insónias são frequentes e podem ser melhorados com apoio psicológico e eventualmente medicação dirigida.
  • Em ambulatório: contactar a equipa se surgir febre ou alteração inexplicada do estado geral; evitar locais com aglomerados de pessoas; evitar contacto com pessoas com síndrome gripal ou outras infeções; evitar a exposição solar; tratar ativamente infeções fúngicas da pele e unhas com cremes e soluções para o efeito; tentar manter a atividade habitual dentro do possível.
Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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