Insuficiência cardíaca é uma complicação frequente da Diabetes
A prevalência da Diabetes e da Insuficiência Cardíaca continuam a aumentar e sabe-se que ambas estão fortemente associadas. Os dados demonstram, aliás, que os doentes diabéticos correm um risco até 8 vezes maior de sofrerem de IC quando comparados com a população geral. O que explica esta relação?
A Insuficiência cardíaca é uma complicação frequente da Diabetes, com uma prevalência até 22%, sendo 2-5 vezes mais frequente nos doentes com diabetes do que nos doentes sem diabetes. Pode desenvolver-se nos doentes diabéticos, mesmo na ausência de outros fatores de risco para IC, como a hipertensão arterial ou doença coronária. É, portanto, uma complicação grave na população diabética.
A insuficiência cardíaca desenvolve-se no doente diabético por um mecanismo complexo, que envolve lesão nas artérias do coração (coronárias), com enfarte de miocárdio e lesão de pequenos vasos originando miocardiopatia.
Para quem ainda desconhece, o que é a Insuficiência Cardíaca? Quais os sintomas ou sinais de alerta aos quais devemos estar atentos?
A Insuficiência cardíaca é uma doença grave e crónica, que ocorre quando o coração é incapaz de suprir as necessidades, de nutrientes e oxigénio, para que o organismo funcione normalmente. Pode ser devido ao coração não conseguir bombear o sangue na quantidade necessária ou à existência de alteração no relaxamento do coração, levando à acumulação de líquido nos pulmões e noutras partes do corpo, como nas pernas e no abdómen.
As causas mais frequentes da Insuficiência cardíaca são a doença das artérias coronárias (lesão grave após Enfarte de Miocárdio/ataque cardíaco) e a Hipertensão arterial não controlada e de longa duração, que leva primeiro a uma hipertrofia do músculo do ventrículo esquerdo e que, posteriormente, se dilata com deficiente capacidade de contração.
Existem, ainda, outros fatores de risco, tais como colesterol elevado, tabagismo, diabetes, obesidade, sedentarismo, alcoolismo, história familiar de doença cardíaca ou mutações genéticas.
Os principais sintomas são fadiga; cansaço extremo; falta de ar (dificuldade em respirar); inchaço (edema) dos membros inferiores e abdómen e taquicardia (pulso rápido).
Relativamente aos fatores de risco associados, para além da diabetes, que outros fatores podem precipitar o desenvolvimento da Insuficiência Cardíaca?
Os fatores de risco do doente diabético para o desenvolvimento da insuficiência cardíaca incluem o tempo de duração da diabetes e um mau controlo da glicemia; hipertensão arterial não controlada; valores elevados dos lípidos (colesterol e triglicéridos); excesso de peso/obesidade; doença isquémica cardíaca; alteração da função renal; e doença vascular periférica. O tabagismo, assim como o alcoolismo, são também fatores de risco.
Como se trata a insuficiência Cardíaca?
A adoção de estilos de vida saudáveis, tal como a prevenção dos fatores de risco, são fundamentais. Atualmente, existem medicamentos que, além de melhorarem os sintomas de IC com uma melhor qualidade de vida, também modificam o prognóstico da doença, com maior sobrevivência. Além da medicação, alguns doentes com IC têm indicação para implantação de dispositivos cardíacos (pacemakers, alguns com possibilidade de fazerem ressincronização e desfibrilhadores implantáveis), que também melhoram os sintomas e aumentam a sobrevivência dos doentes com IC.
E como é controlada a diabetes num doente com IC? A medicação pode interferir com a evolução/prognóstico da doença, por exemplo? Quais os cuidados a ter quanto à terapêutica?
Quanto melhor o doente diabético controlar a diabetes, menos complicações poderá vir a ter, relacionadas tanto com a diabetes como com a insuficiência cardíaca.
Atualmente, existem fármacos que simultaneamente melhoram o controlo da diabetes e da insuficiência cardíaca. A não adesão à terapêutica é uma das principais causas de internamento destes doentes.
Sendo diabético, que cuidados dever o doente ter para prevenir a Insuficiência Cardíaca?
A resistência à Insulina é mais prevalente no doente com insuficiência cardíaca, pelo que é necessário um controlo rigoroso da glicemia, que se associa a uma redução das complicações, designadamente na incidência de insuficiência cardíaca.
É fundamental também o controlo da hipertensão arterial, do colesterol e do peso. Fazer uma alimentação saudável e adequada à diabetes, bem como combater o sedentarismo são medidas fundamentais para diminuir as complicações.
E no caso de já coexistirem ambas as patologias, como pode o doente melhorar a sua qualidade de vida?
É fundamental que tenha um estilo de vida saudável, tanto na alimentação como no exercício físico. Mesmo com insuficiência cardíaca, deve sempre fazer exercício de acordo com as indicações médicas, sendo o caminhar diariamente o mais exequível.
Nunca esquecer o cumprimento rigoroso da medicação, assim como o controlo da glicemia.
Quais as complicações associadas a estas patologias?
Existem complicações associadas à diabetes relacionadas com os pequenos vasos (microvasculares) que lesam as artérias da retina, dos rins e dos nervos periféricos. Mas as mais graves são as lesões das artérias do coração (coronárias) que podem causar enfarte de miocárdio, do cérebro com acidente vascular cerebral e doença arterial periférica.
Relativamente a dados concretos, qual a prevalência da Insuficiência Cardíaca no nosso país e quais as estimativas para o futuro?
A prevalência da insuficiência cardíaca em Portugal baseia-se no estudo EPICA, que já tem mais de 20 anos. De acordo com o estudo, calcula-se que existam cerca de 400 mil portugueses com IC. Aguardemos os resultados do estudo PORTHOS, que nos dará um número atualizado ao último censo e em que foram utilizados critérios de diagnóstico da IC de acordo com as mais recentes Guidelines Europeias.
A prevalência da IC no futuro terá um aumento significativo devido ao envelhecimento da população portuguesa, à maior sobrevivência do Enfarte de Miocárdio e ao progressivo desenvolvimento de novas terapêuticas da própria IC, que levam a uma maior sobrevida destes doentes.
Sabendo que IC é a terceira causa mais comum de hospitalização em Portugal, qual impacto económico estimado desta patologia no país?
De acordo com um estudo de M. Gouveia publicado em 2019, a Insuficiência cardíaca tem um importante impacto económico atual, atingindo 2,6% do total das despesas públicas em saúde, em que os internamentos hospitalares contribuem em 39% desses gastos. A Insuficiência cardíaca é uma das principais causas de internamento na população com mais de 65 anos de idade.
Para fazer face ao aumento estimado da prevalência da IC nos próximos anos, os responsáveis pelas políticas de saúde terão que estabelecer estratégias de prevenção, diagnóstico precoce da IC a ser efetuado nos Cuidados Primários e ao aumento do número de Clínicas de IC hospitalares com apoio de Hospital de Dia.
Neste contexto, o diagnóstico precoce é fundamental, em que a realização de uma simples análise sanguínea (BNP/NT-proBNP) pode desempenhar um papel importante. Contudo, o que verificamos atualmente é que os médicos de família, em Portugal, ainda não têm acesso à sua prescrição, embora a utilização deste biomarcador já seja recomendada há mais de 10 anos pelas guidelines da Sociedade Europeia de Cardiologia. Aliás, a sua não comparticipação poderá ser um dos motivos do diagnóstico tardio da IC em Portugal. Um estudo econométrico concluiu também que a utilização do BNP/NT-proBNP possa gerar até 3 milhões de euros de poupança para o SNS caso possa ser disponibilizado nos Cuidados de Saúde Primários.
No âmbito desta temática, que mensagem gostaria de deixar?
- O enfoque na prevenção de fatores de risco para as doenças cardiovasculares e para a diabetes.
- A adoção de estilos de vida saudáveis, alimentação e exercício físico, não esquecendo o combate ao consumo excessivo de álcool e ao tabagismo.
- A melhoria da Literacia em saúde para a população em geral, em particular nos jovens.