Opinião

Formação Especializada em Emergência Pré-Hospitalar

Atualizado: 
19/01/2022 - 10:28
A formação é um bem que deve estar disponível a todos, sem dúvida nenhuma, mas a mesma deve ser encarada de uma forma séria e honesta. Importa referir também, que existem vários níveis de formação e quem pode aceder à mesma, tendo em conta alguns pré-requisitos.

Haver entidades que forneçam estes produtos, acho muito bem, é salutar, até porque a capacidade de formar pessoas ser maior, e até pela escolha que cada um poderá fazer onde quiser ser formado.

Ora bem, no que concerne à formação especifica na área da saúde, nomeadamente no transporte e ou socorro a vítimas, independente da situação clínica ou etiologia da situação, importa referir que é de extrema importância, que cada um ao seu nível possa desempenhar de uma forma profissional o que lhe está cometido nas suas competências especificas, com base no sabe r- saber, no saber ser e no saber fazer.

Todos saberão e identificarão com segurança todos os níveis de formação nesta área, todos em consciência entenderão que a massificação de formação por parte das entidades acreditadas para o efeito, tem colocado para segundo plano aquilo que é a qualidade formativa em detrimento da quantidade. Tenho consciência absoluta que nas várias entidades que prestam este serviço existem muito bons formadores, mas também o inverso é verdade, o que por vezes traduz-se numa inversão da tão desejada qualidade dos formandos.

A título de exemplo, um médico leva em média 6 anos da sua vida para se formar e depois mais uns tantos para fazer a especialidade a que se propôs. Da mesma forma, quando nos propomos para condutores, temos em primeiro, as aulas teóricas, após conclusão destas vamos á prática de condução, depois ainda temos aulas de preparação para o exame, e no dia do exame lá vamos nós aplicar tudo direitinho como nos ensinaram para passarmos.

Ficámos uns excelentes condutores? Claro que não, temos o básico, aprendemos todas as regras, mas é depois na condução diária que vamos tendo treino e experiência. Mas é importante agora ressalvar aqui um aspeto importante, quando quebramos estas regras estamos sujeitos a contraordenações por parte das entidades reguladoras, ou seja, os agentes da autoridade em primeira instância.

Então regressemos à formação! A área da emergência pré-hospitalar! Será lícito alguém que pouca ou nenhuma experiência de terreno, depois de frequentar um curso de meia dúzia de horas o prepara para ser formador de quem anda no terreno há muitos e muitos anos? Qual a experiência no saber fazer? Não duvido que tenha capacidades no saber - saber, mas falta aqui toda experiência de base intrínseca e necessária.
Então deixemos de tapar o sol com a peneira e sejamos realistas, a formação nesta área, desde o básico, ao transporte e ao socorro está banalizada, desde os conteúdos programáticos desajustados de cada nível, e sem que exista uma efetiva avaliação no saber fazer, cingindo-se praticamente ao saber - saber de um teste teórico com base em manuais desprovidos de conteúdo cientifico, onde formadores que dominam o saber - saber, mas em pouco ou nada dominam o saber ser e saber fazer, com construções de cenários ao melhor estilo hollywoodesco que depois não conseguem sequer soluciona-los.
Talvez fosse um bom propósito, quer entidades, quer os próprios intervenientes colocassem a mão na cabeça e em consciência entenderem que não vale de tudo para se ganhar euros, estamos a falar de salvar vidas humanas, é disto que se trata e não do vale tudo.

Aos que querem formação, e bem, também têm a sua quota parte, a atualização é necessária e não devem ter receio de qualquer avaliação, só assim se cresce e melhora a nossa prestação, talvez fosse bom pensarem que neste país nem todos podem ser doutores ou engenheiros, como na emergência médica pré-hospitalar, nem todos poderão ser tripulantes/técnicos/formadores, isto exige tempo, dedicação e acima de tudo estudo científico.

Talvez num futuro próximo tenhamos pessoas com competência em emergência médica pré-hospitalar que possam aferir como são prestados os cuidados de transporte/emergência pré-hospitalar a todos os níveis, só assim se conseguirá evoluir e ter a qualidade necessária no transporte e socorro que dentro do nosso país se faz. Para isso é preciso acabar com esta impunidade que grassa nesta área, as pessoas têm que começar a serem chamadas à responsabilidade e punidas.

É um desabafo de alguém que já cá anda há algum tempo e que tem visto regredir a olhos vistos, quer a formação, quer a intervenção no terreno, um dia podemos ser nós, e tenho certeza que qualquer um de vocês vão querer ter o melhor socorro, com a qualidade desejada, por alguém que saiba o que faz e não de como está o seu estado de espírito no momento.


 

Autor: 
Vitor R. Matos - Presidente da Sociedade Portuguesa de Emergência Pré-Hospitalar (SPEPH)
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
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