Entrevista

A Esquizofrenia não tem cura, mas tem tratamento

Atualizado: 
11/12/2020 - 15:35
A Esquizofrenia é uma doença psiquiátrica crónica incapacitante, à qual continua associado um grande estigma. Para o ajudar a entender esta patologia, o Atlas da Saúde esteve à conversa com o psiquiatra Pedro Cintra, do Serviço de Psiquiatria Hospital de Cascais Dr. José de Almeida, que explica que “embora a doença possa ser disruptiva em termos familiares e pessoais, felizmente hoje em dia com o tratamento correto e o seguimento devido, é possível ter uma vida estabilizada”

Estima-se que a Esquizofrenia afete 1% da população mundial e embora esta patologia não seja tão comum como outros transtornos mentais, os sintomas podem ser muito incapacitantes. Neste sentido começo por lhe perguntar em que consiste e quais os principais sintomas?

De todas as síndromes psiquiátricas, a esquizofrenia é talvez a mais difícil de descrever e de definir na sua globalidade.  A esquizofrenia é uma doença psiquiátrica crónica, sendo a perturbação psicótica mais comum e encontra-se entre as dez principais causas de incapacidade no conjunto de doenças de evolução prolongada. É uma doença mental complexa e heterogénea, que reflete alterações a nível do funcionamento cerebral, implicando mudanças a nível do pensamento, cognição, perceção, afeto e comportamento. 

Embora as causas não estejam ainda completamente esclarecidas, há algum consenso na literatura que atribui a esquizofrenia a uma interação de variáveis biológicas, psicológicas e culturais.

Como síndrome heterogénea, a esquizofrenia, tem uma apresentação clínica que envolve várias dimensões, por um lado sintomatologia dita “positiva” (ideias delirantes, alucinações, …) e por outro lado, sintomatologia “negativa” (embotamento afetivo, isolamento social, …). Podem igualmente estar presentes sintomas cognitivos, agressividade e impulsividade.

Os sintomas de esquizofrenia variam assim de pessoa para pessoa e ao longo da evolução da doença, ou seja, nem todas as pessoas com este diagnóstico apresentam os mesmos sintomas.

Qual a sua prevalência e a quais as faixas etárias mais acometidas por esta patologia? A partir de que idade pode ser diagnosticada?

A Esquizofrenia é uma doença de distribuição mundial de baixa incidência (número de novos casos por anos) mas de elevada prevalência (casos numa população num determinado momento).

A maioria dos estudos estima uma prevalência entre 2,7-7,0 por 1000 habitantes e incidências anuais correspondem entre 0,16 a 1 por 1000 habitantes. É mais frequente no sexo masculino com uma relação de 3:1.

Em termos globais pode-se dizer que afeta 1% da população.

A Esquizofrenia pode aparecer em qualquer idade. Contudo, na maioria dos casos, o início ocorre no final da adolescência, entre os 18 e os 25 anos nos homens e no fim da segunda década nas mulheres. Estima-se que até 10% das mulheres pode haver um início mais tardio, após 40 anos de idade, com sintomas mais negativos e menor hipótese de recuperação completa.

Sabendo que existem alguns sintomas precoces associados a esta doença quais os sinais de alerta?

Como referido, os sintomas e o modo de apresentação variam de pessoa para pessoa, sendo muito difícil prever quem vai ter a doença. Alguns sinais inespecíficos, que também podem estar presentes noutras patologias psiquiátricas, como a sensação de estar a ser observado, o isolamento social, comportamento inadequado ou bizarro, deterioração da performance académica ou profissional, descuido no autocuidado, por exemplo, podem ser indicadores precoces.

Sei que existem diferentes tipos de esquizofrenia. Que tipos são estes e como se caracterizam? Qual ou quais as formas mais graves da doença?

A Classificação Internacional de Doenças 10 (CID10) descreve diferentes tipos de esquizofrenia - paranóide, hebefrénica ou desorganizada, catatónica, indiferenciada, residual e simples.

A esquizofrenia paranóide é a mais frequente. Habitualmente cursa com ideação delirante bem sistematizada e de conteúdo persecutório. Comparativamente a outros subtipos o prognóstico é relativamente favorável com preservação da personalidade.

A esquizofrenia desorganizada ou hebefrénica tem normalmente um início mais precoce e pior prognóstico. O pensamento é desorganizado com afrouxamento associativo e os sintomas negativos como o embotamento afetivo e isolamento social, surgem mais precocemente.

A esquizofrenia catatónica é atualmente pouco frequente na Europa e América do Norte e carateriza-se por uma alternância entre a excitação e agitação psicomotora, agressividade e violência, estupor e mutismo.

A esquizofrenia simples tem um início insidioso e prognóstico pobre. Os sintomas negativos desenvolvem-se sem manifestações de sintomatologia “produtiva” evidente e há um marcado comportamento estranho, isolamento social e declínio do funcionamento laboral ou académico. No entanto, neste subtipo de esquizofrenia, os delírios e alucinações são pouco marcados.

Considera-se que existe um quadro de esquizofrenia residual quando a clínica progrediu de 1 ou mais episódios psicóticos para um quadro em que predominam os sintomas negativos. O diagnóstico requer um ano de sintomas negativos sem recorrência de sintomas positivos proeminentes.

Por fim, na esquizofrenia indiferenciada enquadram-se os doentes que não cumprem critérios para os referidos subtipos de esquizofrenia.

Quais os fatores que podem contribuir para o desenvolvimento desta doença?

A Esquizofrenia é uma patologia multifatorial, embora se desconheça a causa exata.

É consensual que os fatores genéticos são importantes, uma vez que há alterações no desenvolvimento de esquizofrenia e história familiar positiva, alterações no neurodesenvolvimento que de alguma forma modifiquem o desequilíbrio da neurotransmissão no cérebro e um papel importante do meio ambiente a que estamos expostos nomeadamente: parto traumático, complicações durante a gravidez e infeções virais.

Outros fatores ambientais como o stress e o abuso de substâncias químicas (em particular alucinogénios e canabinóides), parecem desempenhar igualmente um papel importante.

Sem cura, para que está indicado o tratamento e em que consiste (que medicamentos são utilizados)?

 A Esquizofrenia é uma doença crónica. Não é curável, mas tem tratamento.

O tratamento farmacológico passa pela utilização de psicofármacos, incluindo antipsicóticos – que atuam essencialmente num neurotransmissor (mensageiro químico chamado dopamina), cujo excesso provoca os sintomas positivos como o delírio, alucinações e comportamento desorganizado – levando consequentemente a uma remissão destes sintomas.

A abordagem terapêutica deverá ser multidisciplinar incluindo, por exemplo, para além do tratamento psicofarmacológico, estimulação social, psicoterapêutica e ocupacional.

De que modo a doença condiciona o dia-a-dia do doente? É possível manter uma rotina profissional?

Algumas perturbações psiquiátricas, e esta em particular, pode ser extremamente incapacitante a nível pessoal, familiar e social. Os doentes esquizofrénicos, infelizmente, são expostos a diversas formas de preconceito e têm que enfrentar o estigma associado à sua doença.

Embora possam existir limitações nas capacidades sociais e cognitivas ou dificuldades em manutenção do emprego, a interação social positiva aumenta a capacidade dos indivíduos para se adaptarem e enfrentarem os desafios do quotidiano.

Existem associações e diversas estruturas sociais para apoiar estas pessoas.

Em termos sociais, quais as principais dificuldades / barreiras que se apresentam a estes doentes?

Os doentes com esquizofrenia podem ter um funcionamento social comprometido com dificuldade em manter conversação, expressar necessidades e sentimentos, que se agravam em períodos de descompensação de sintomatologia psicótica, alterando a sua perceção da realidade. As relações interpessoais e o ajustamento a várias situações sociais nomeadamente no trabalho, podem ser afetadas.

Qual o seu peso para as famílias?

Os familiares e amigos podem oferecer suporte emocional, encorajar a ida a consultas e a toma assídua da terapêutica, tendo um papel importante na recuperação dos doentes.

Embora a doença possa ser disruptiva em termos familiares e pessoais, felizmente hoje em dia com o tratamento correto e o seguimento devido, é possível ter uma vida estabilizada.

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Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
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