Das manifestações clínicas ao tratamento

Esquizofrenia: fique a par do essencial sobre a patologia

Atualizado: 
21/05/2021 - 11:36
Mal compreendida, a Esquizofrenia persiste enleada em vários mitos. Com a ajuda do Professor João Marques Teixeira, mostramos-lhe o que precisa saber sobre uma patologia complexa, mas para a qual existe tratamento.

De acordo com o psiquiatra, a Esquizofrenia é “antes de mais, (…) uma doença do neurodesenvolvimento. Isto é, a sua génese no cérebro resulta de um disfuncionamento dos processos que promovem o processo normal de desenvolvimento das estruturas cerebrais”. Assim, “quando esse processo atinge determinado grau de disfunção”, a doença manifesta-se através de “alterações da perceção (isto é, alucinações quer auditivas quer visuais, que são as mais comuns, mas também podem ocorrer alucinações cinestésicas, mais raras, e que têm que ver com alterações da perceção dos movimentos do corpo); alterações da cognição (memória, atenção, entre outras) que normalmente se iniciam antes das alterações da perceção, mas normalmente não são valorizadas ou até diagnosticadas; alterações do sistema do pensamento, normalmente por alterações da forma do pensamento que conduzem à construção de um sistema delirante, em oposição às regras do senso comum e alterações afetivas (sobretudo de tipo depressivo).”

Questionado sobre a presença de sintomas precoces, Marques Teixeira afirma que estes, “considerados «sintomas prodrómicos»”, incluem o “afastamento de atividades sociais ou familiares, isolamento, ansiedade muito elevada, sintomas cognitivos (défice de atenção), desmotivação, dificuldade na tomada de decisões, mudanças das rotinas, alterações nos hábitos de higiene, entre outros”.

Quanto à sua prevalência, o especialista em psiquiatria revela que é necessário “definir que tipo de prevalência estamos a falar”. E explica: “Em termos estatísticos fala-se de prevalência pontual (a proporção de indivíduos que manifestam uma perturbação em torno de um determinado momento), prevalência de período (a proporção de indivíduos que manifestam uma perturbação durante um período específico de tempo - por exemplo, mais de um ano), prevalência ao longo da vida (a proporção de indivíduos na população que alguma vez manifestaram uma doença e que estão vivos num determinado dia), risco mórbido ao longo da vida (a probabilidade de uma pessoa desenvolver uma perturbação durante um período específico de sua vida ou até uma determinada idade - o risco mórbido ao longo da vida difere da prevalência ao longo da vida, pois tenta incluir toda a vida de uma coorte de nascimentos passada e futura e inclui os falecidos no momento da pesquisa)”.

Deste modo, esclarece que tendo em conta um conjunto vasto de estudos sobre o tema, conclui-se que a prevalência mediana da esquizofrenia “é de 4.6/1000 para a prevalência pontual, 3.3/1000 para a prevalência de período, 4.0/1000 prevalência ao longo da vida e 7.2/1000 para o risco mórbido ao longo da vida”. Para além disso, sublinha o psiquiatra, estes estudos não apontam “diferenças significativas entre homens e mulheres, nem entre locais urbanos, rurais ou locais mistos, muito embora os migrantes e os sem-abrigo tenham taxas mais elevadas e, sem surpresa, os países em desenvolvimento têm taxas inferiores”.

Quanto à sua classificação, e embora existam diferentes tipos de esquizofrenia, com evolução ou prognósticos distintos, João Marques Teixeira chama a atenção para um grupo de doentes que apresentam sintomatologia clínica considerada por muitos psiquiatras como neurótica. “Esses doentes não se deterioram e não têm delírios ou alucinações. No entanto, apresentam sintomatologia clínica muito semelhante à observada nos doentes esquizofrénicos. Em estudos de acompanhamento verificou-se que um número considerável desses doentes tem episódios psicóticos curtos ou, posteriormente, tornam-se francamente esquizofrénicos”, alerta acrescentando que “pela dificuldade no diagnóstico e, em consequência pelo tratamento tardio, bem como pela evolução agravada, este grupo deve ser considerado como um dos grupos graves da doença”.

Desde modo, e dada a complexidade da patologia, existem múltiplos fatores, como o diagnóstico tardio, que podem condicionar o bom prognóstico da doença. Além de ser essencial que a doença seja identificada tão cedo quanto possível, é importante que seja garantido um plano de tratamento adequado a cada caso. “Para além disso, um fator essencial de melhor prognóstico é a prevenção do número de recaídas. Isto consegue-se com uma adesão adequada aos tratamentos que, no plano farmacológico, se consegue com a introdução de fármacos depot (tipicamente injeções com periodicidade mensal ou trimestral) e a integração em equipas multidisciplinares para o chamado “tratamento global” do doente”, acrescenta o João Marques Teixeira sublinhando a complexidade deste processo.

O tratamento da esquizofrenia tem uma base farmacológica. “Hoje existem vários fármacos eficazes para o tratamento dos sintomas positivos (delírios e alucinações) e alguns para minorar os sintomas negativos (défices da personalidade associados à doença). Para os sintomas cognitivos a evidência não nos apresenta grandes resultados com fármacos, pelo que os tratamentos cognitivos não farmacológicos (remediação cognitiva) devem fazer parte do plano de tratamento”, esclarece o especialista. No entanto, reforça, é essencial “todo o apoio psicoterapêutico e a reabilitação para minorar as consequências do episódio agudo sobre a personalidade e integrar o doente na vida sociofamiliar e laboral, bem como apoio psicoeducativo aos doentes e suas famílias”.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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