Dor crónica como principal sintoma

Espondilartrite Axial: referenciação adequada e atempada à consulta de Reumatologia é a chave para o diagnóstico precoce

Atualizado: 
21/07/2021 - 11:02
A Espondilartrite Axial (EspAx) é uma doença reumática inflamatória crónica que se caracteriza pelo envolvimento da coluna vertebral, podendo afetar também outras localizações articulares e extra-articulares. A lombalgia crónica (duração superior a 3 meses) e de ritmo inflamatório é a principal manifestação clínica desta patologia. A Espondilartrite Axial Radiográfica, classicamente conhecida por Espondilite Anquilosante, ocorre mais frequentemente nos homens e é tipicamente diagnosticada em pessoas com menos de 45 anos.

De acordo com Pedro Carvalho, reumatologista no Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA) e Hospital Particular do Algarve (HPA), trata-se de uma doença sem cura, cujos sintomas têm, habitualmente, início em idades bastantes jovens, entre os 20 e os 40 anos. À dor, “presente logo de manhã, ainda antes de existir qualquer esforço físico” e que não melhora com repouso, junta-se a rigidez matinal prolongada. “A associação com outros sinais e sintomas periféricos como artrite, entesite e dactilite é também característico. Os doentes apresentam níveis de fadiga, perda de capacidade funcional para as suas atividades de vida diária e prejuízo da sua atividade laboral bastante importantes, mesmo em fases muito precoces da doença”, refere o especialista quanto às suas manifestações clínicas. A perda de mobilidade da coluna vertebral e das articulações afetadas é frequente na doença avançada, tendo um enorme impacto na qualidade de vida do doente.

Assim, e tratando-se esta de uma doença que afeta indivíduos jovens – sendo raros os casos em os primeiros sintomas surgem após os 45 anos -, é particularmente importante que esteja atento aos sinais. “Em particular destaque estão os doentes que apresentem ainda outros fatores de risco para esta doença, nomeadamente lombalgia de ritmo inflamatório, artrite, entesite, dactilite e antecedentes pessoais ou familiares de outras doenças associadas a EspAx (doença inflamatória intestinal, psoríase e uveíte)”, acrescenta o especialista em reumatologia.

Segundo Pedro Carvalho, o diagnóstico desta patologia é sempre feito com base na identificação pelo Reumatologista de achados clínicos sugestivos de Espondilartrite Axial. “Nos doentes em que o médico considere que diagnóstico seja possível ou provável devem ser então solicitados exames complementares que permitirão estabelecer um diagnóstico definitivo. Assim, para basear um diagnóstico clínico é necessária a positividade de pelo menos um desses exames, que poderão ser laboratoriais (presença do gene HLA-B27) ou imagiológicos (radiografia ou ressonância magnética que documentem inflamação ou alterações estruturais sugestivas desta patologia)”.

No entanto, dada a prevalência da lombalgia na população portuguesa – um estudo recente estimou que 26% da população sofre de dor lombar -, onde apenas uma percentagem muito pequena (1,6%) corresponde ao diagnóstico de Espondilartrite Axial, torna possível que os clínicos, expostos a repetidas situações de dor comuns, desvalorizem os sintomas. “Apesar desta situação poder levar a uma dessensibilização do clínico para este problema, este deve permanecer atento para os sinais de alarme que os doentes possam apresentar, de forma a investir em termos diagnósticos naqueles que poderão ter uma doença reumática crónica subjacente à sua dor. Este facto aliado à falta de disponibilidade da ressonância magnética, muitas vezes indispensável para estabelecer este diagnóstico, poderá condicionar um subdiagnóstico destes doentes”, aponta o reumatologista.

Quanto ao tratamento, este deve ser individualizado e está assente em dois grandes pilares: o tratamento farmacológico e o não farmacológico.

“O primeiro consiste essencialmente no uso de fármacos anti-inflamatórios que felizmente são eficazes na maioria dos doentes. É possível inclusivamente que induzam períodos de remissão prolongados em alguns deles. Estes fármacos já demostraram inclusivamente terem efeito benéfico na diminuição da progressão da doença”, refere acrescentando que, quando “estas terapêuticas mais convencionais não proporcionam resposta satisfatória, causam efeitos secundários ou se apresentam como contraindicadas passa a ser necessário recorrer a fármacos biotecnológicos”. Segundo Pedro Carvalho, esta opção abre novos horizontes para esta população uma vez que tem a “capacidade de poder mudar significativamente a evolução da doença, melhorando sobremaneira a qualidade de vida destes doentes”.

Já o tratamento não farmacológico, diz, deve ser transversal a todos os doentes. “A recomendação para hábitos de vida saudável, nomeadamente a evicção tabágica, alimentação equilibrada e a prática regular de exercício são de extrema relevância. Deve ser dada preferência aos exercícios que reforcem a musculatura da coluna e que promovam uma maior mobilidade articular”, explica.

Entre as principais complicações associadas, Pedro Carvalho, enumera: osteoporose (13%) e a úlcera gastroduodenal (11%). “Esta população apresenta também uma prevalência importante de fatores de risco cardiovascular, nomeadamente hipertensão arterial, tabagismo e dislipidemia”, sublinha.

“Aos 14 anos tive a minha primeira grande crise”

Marciano Amaral começou a apresentar queixas muito cedo: “os primeiros sintomas da doença surgiram algures aos 8 anos de idade, com sintomatologia dolorosa no joelho esquerdo, que se prolongavam por algum tempo e reaparecia mais tarde”.

“Eventualmente por essa altura já haveria comprometimento da articulação sacroilíaca, pois recorda-me de um episódio de dor paralisante nessa região, após estar sentado num degrau muito baixo”, acrescenta revelando que foi aos 14 anos que teve a sua primeira grande crise afetando várias articulações – “pés, joelhos e dedos das mãos”.

“Considerando toda a sintomatologia da altura o diagnóstico foi de Artrite Reumatoide, o diagnóstico definitivo de Espondilite Anquilosante surgiu pelos 20 anos, quando já havia bastante anquilose a nível da coluna vertebral”, recorda admitindo que nunca tinha ouvido falar nesta doença.

“Embora fosse seguido por reumatologia desde os 16 anos, só pelos 20 anos um reumatologista que me seguia em tratamento termal, perante a evolução das limitações articulares levantou a suspeita de Espondilite Anquilosante, o que se veio a confirmar com a realização de vários exames”, acrescenta.

Nesta altura, se por um lado surgiram muitas dúvidas quanto à evolução da doença e como esta poderia condicionar a sua qualidade de vida, foi também o momento em que surgiu uma nova abordagem no tratamento “que para além da medicação anti-inflamatória, passou a incluir tratamentos esporádicos de hidroterapia, que só pecaram exatamente por serem esporádicos”.

Limitado pela sua condição socioeconómica da altura, Marciano admite que as mudanças nos hábitos de vida foram algo limitadas, sendo que as únicas mudanças que fez se deveram às limitações físicas “que se foram instalando de forma irreversível”.

Atualmente, com 63 anos de idade, e embora “faça uma vida independente, careço de algumas ajudas técnicas para o vestir e calçar”.

“As atividades físicas são muito limitadas pelas limitações articulares em diversas articulações. Tenho prótese nas duas ancas, com fraco resultado funcional, devido ao demasiado tempo de espera nas primeiras intervenções em que se instalaram atrofias musculares e tendinosas irreversíveis”, justifica.

Para evitar chegar a casos como este, Pedro Carvalho, sublinha a importância de sensibilizar médico e população para o problema. “A referenciação adequada e atempada à consulta de Reumatologia é a chave para o diagnóstico precoce e tratamento adequado destes doentes. Quanto mais célere for o processo diagnóstico, maior a probabilidade de a terapêutica contribuir significativamente para a melhoria da incapacidade destes doentes”, explica.

“Os doentes são frequentemente pessoas em idade laboral e que, de forma gradual, ficam condicionados significativamente na sua vida profissional, social e pessoal. Numa fase inicial, grande parte desse condicionamento advém da dor, rigidez matinal, fadiga e distúrbios do sono a ela associados. Com a evolução da doença surge o dano estrutural e a consecutiva perda de mobilidade, sinalizando muitas vezes a irreversibilidade das lesões já instituídas nessas fases mais avançadas. Esses estadios mais tardios em que a doença evoluiu sem tratamento adequado representam a perda de oportunidade de prevenção do dano estrutural, e condicionam níveis de incapacidade ainda mais importantes”, conclui.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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