Doença crónica

Enxaqueca: tratamentos recentes obrigam à toma de uma injeção mensal, mas só em casos selecionados

Atualizado: 
11/10/2021 - 10:32
Considerada a patologia neurológica mais frequente, a enxaqueca é a segunda maior causa de anos vividos com incapacidade entre a população portuguesa. Sem cura, o seu “tratamento assenta em três pilares: o tratamento farmacológico da crise aguda de enxaqueca, o tratamento farmacológico preventivo e o tratamento não farmacológico”.

De acordo com a especialista em neurologia, Liliana Pereira, “a enxaqueca é uma doença do sistema nervoso central que pode começar horas a dias antes da dor propriamente dita, com sintomas prodrómicos como depressão, irritabilidade, letargia, sensibilidade exagerada às luzes e aos sons, dificuldade de concentração, bocejo ou outros, bastante variados”. Este conjunto de sintomas prévios pode ser encarado como “uma sensação indefinida e mal caracterizada de que uma crise de enxaqueca está iminente”.

Estima-se ainda que “uma em cada três pessoas com enxaqueca tem também aquilo a que se chama aura, que é um conjunto de sinais neurológicos, como perturbação na visão, formigueiros ou dormência na pele e dificuldade em encontrar ou compreender as palavras, que se instalam gradualmente e duram cerca de cinco a sessenta minutos”.

A dor, tipicamente unilateral, pulsátil, de intensidade moderada a grave e que agrava com a atividade física de rotina – como subir escadas ou caminhar – pode ser acompanhada de “náuseas, os vómitos e a sensibilidade aumentada à luz e aos sons” e durar até 72 horas.

Embora estes sintomas possam “não estar todos presentes no mesmo doente, mas são habitualmente suficientes para distinguir a enxaqueca da cefaleia tipo tensão, uma dor mais frequentemente bilateral, em pressão ou aperto (não pulsátil), de intensidade ligeira a moderada, não agravada pela atividade física de rotina e sem náuseas acompanhantes”, explica a especialista.

A enxaqueca acontece no cérebro, nos nervos que dele partem e nas artérias que lhe fornecem sangue, num circuito chamado sistema trigeminovascular. De acordo com a neurologista, ainda não se sabe ao certo “porque é que este sistema é mais sensível e fica inapropriadamente ativado nalgumas pessoas”. No entanto, revela que “há determinantes genéticos, que explicam a componente hereditária, e determinantes ambientais, que explicam porque é que nalgumas pessoas expostas a hormonas (como os estrogénios nas mulheres), medicamentos, alimentos, bebidas, variação no padrão de sono e estímulos sensoriais como luzes e cheiros, desenvolvem uma crise de enxaqueca”.

Esta doença afeta qualquer pessoa e em qualquer idade. “Os sintomas de enxaqueca em bebés podem ser muito difíceis de aferir por se confundirem com outras doenças e não haver possibilidade do bebé se expressar. Habitualmente quando a criança atinge a idade escolar começa a ser capaz de explicar algumas características da dor de cabeça e dos seus acompanhantes que podem ser pistas importantes para o diagnóstico”, esclarece a especialista chamando a atenção para o facto de os sintomas variarem consoante a idade. Na infância, por exemplo, a dor “é mais vezes bilateral” e esta dura menos tempo. Há ainda “as variantes de enxaqueca – síndroma dos vómitos cíclicos, enxaqueca abdominal, vertigem paroxística e torcicolo paroxístico – em que a dor de cabeça pode não ser o sintoma predominante”.

Não obstante, “por ser tão comum entre a população” a enxaqueca tende a ser desvalorizada e encarada como apenas “mais uma dor de cabeça”. No entanto, a médica deixa o alerta: “sempre que não haja uma resposta completa da crise aguda de dor à medicação de venda livre na farmácia e outras estratégias que a pessoa possa utilizar para obter alívio da dor, e quando o número de vezes que a dor se repete por semana, ou por mês, é suficiente para interferir no dia-a-dia da pessoa e limitar o seu rendimento na escola, produtividade no trabalho e capacidade de aproveitar os tempos livres”, deve consultar o médico. É que, embora a enxaqueca não tenha cura, tem tratamento.

De acordo com Liliana Pereira, o tratamento “assenta em três pilares: o tratamento farmacológico da crise aguda de enxaqueca, o tratamento farmacológico preventivo e o tratamento não farmacológico”.

“O tratamento da crise aguda tem como objetivo aliviar rapidamente a dor e os sintomas acompanhantes, que, se forem ligeiros, respondem habitualmente à medicação analgésica e anti-inflamatória disponível em venda livre na farmácia”, começa por explicar sublinhando, no entanto, que caso estes fármacos não sejam suficientes pode ser necessário introduzir doses mais altas, “apenas disponíveis com receita médica, ou o uso de medicação específica para a enxaqueca, que se chamam triptanos”.

“Nos casos em que as náuseas são um sintoma importante pode ser também necessário utilizar medicação específica para este sintoma, ou usar supositórios em vez de comprimidos para evitar que se perca o efeito da medicação”, acrescenta.

Para a neurologista é importante reforçar que “quanto mais rapidamente a medicação for tomada depois do início da crise maior será a probabilidade de fazer efeito, no entanto, há que ter cuidado e não tratar crises muito frequentes sem aconselhamento médico porque há o risco de ao tomar muitas vezes a medicação para a dor vir a causar mais dores de cabeça no futuro”.

Nos casos em que a enxaqueca é recorrente, recorre-se ao tratamento preventivo. Este “ajuda a reduzir o número de crises de enxaqueca por mês, a reduzir a sua intensidade e a melhorar a resposta aos medicamentos analgésicos”.

Este tipo de tratamento, também conhecido por tratamento profilático, destina-se a pessoas que, pela frequência com que experienciam crises de enxaqueca, sobretudo se forem muito intensas ou com muitos sintomas acompanhantes, notem um impacto negativo nas suas atividades habituais. “Este número de dias afetados é variável de pessoa para pessoa, e consoante a resposta aos tratamentos para a crise aguda, mas geralmente considera-se esta possibilidade de tratamento se existem mais de quatro a seis dias por mês com enxaqueca, ou até um número menor se as crises forem muito incapacitantes”, explica a médica.  O tratamento é habitualmente iniciado com medicação em comprimidos, “que se tem de tomar diariamente ao longo de três a seis meses, pois não faz efeito imediato”.

“Os tratamentos mais recentes obrigam à toma de uma injeção mensal e só podem ser usados em casos selecionados”, acrescenta.

No que diz respeito às medidas não farmacológicas, a especialista em neurologia explica que estas “são adequadas a todas as pessoas com enxaqueca e implicam mudanças de estilo de vida como ter um horário regular de sono com o número de horas suficiente, ter uma alimentação saudável e boa hidratação ao longo do dia, e praticar exercício físico de forma regular, principalmente exercício aeróbico”.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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