Entre Rituais e Silêncios: A Verdade Sobre a Perturbação Obsessiva-Compulsiva

Alguma vez te perguntaste quantas pessoas à tua volta vivem presas a pensamentos que não escolheram — e, ainda assim, sentem que não podem escapar?
Quantas vezes já ouvimos, com um sorriso banalizador, frases como “sou mesmo maníaco por organização” ou “sou tão obsessivo que nem durmo”?
Mas... será isso mesmo POC?
Vivemos numa época em que se fala muito de saúde mental — e, no entanto, continuamos a silenciar sofrimentos profundos com rótulos rápidos e julgamentos apressados. Recordemos o recente caso trágico envolvendo um jovem e a sua mãe que chocou o país. No meio das manchetes e das acusações, surgiu uma palavra: obsessivo-compulsivo.
Mas o que significa, de verdade, viver com esta perturbação?
O que é, então, a Perturbação Obsessiva-Compulsiva (POC)?
Antes de mais, um breve esclarecimento: o termo mais correto, é Perturbação Obsessiva-Compulsiva, e não “transtorno”. Pode parecer apenas semântica, mas a linguagem molda a forma como vemos o outro — e aqui, ver com clareza é amar com profundidade.
Ora, a POC caracteriza-se por pensamentos obsessivos, intrusivos, persistentes e indesejados, e por compulsões — comportamentos repetitivos que a pessoa sente que tem de realizar para aliviar a ansiedade causada por esses pensamentos.
Na maioria dos casos, estes pensamentos não refletem desejos reais. São fantasmas que assombram. E quanto mais se luta contra eles, mais força parecem ganhar.
Estudos indicam que a prevalência da POC pode atingir até 4,1 % da população mundial (University of Groningen, 2022), o que sugere que milhares de pessoas em Portugal possam estar a viver com este sofrimento, muitas vezes sem diagnóstico.
Mas como se manifesta na vida real?
Já chegaste tarde a um compromisso porque “tiveste de verificar se a porta estava mesmo trancada”? Agora imagina esse impulso transformado numa necessidade diária, repetitiva, exaustiva. Ou pensamentos indesejados que surgem do nada, como imagens violentas ou ideias absurdas, que causam um profundo mal-estar.
Será que são mesmo “manias”? Ou serão pedidos de ajuda do inconsciente? A verdade é que a POC interfere com a vida social, o trabalho, as relações familiares e a autoestima. A pessoa sente vergonha, culpa, medo de ser julgada — e por isso, muitas vezes, sofre em silêncio.
E quanto ao caso mediático do jovem que matou a mãe?
É aqui que precisamos de grande responsabilidade no discurso público. A POC, por si só, raramente conduz a comportamentos violentos. O risco só aumenta quando existem outros fatores associados: impulsividade, perturbações psicóticas, abuso de substâncias, trauma, negligência emocional ou acesso a armas.
Fazer uma associação direta entre a POC e a violência é não só cientificamente incorreto, como profundamente injusto para milhares de pessoas que vivem com esta perturbação e nunca fizeram mal a ninguém (Clinical Practice & Epidemiology in Mental Health, 2023).
Importa dizer que existe tratamento, ha esperança. A POC não é uma sentença perpétua. Uma abordagem muito eficaz é a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), especialmente na sua forma mais profunda: a Terapia dos Esquemas de Young, que ajuda a identificar padrões emocionais que sustentam as obsessões e compulsões.
Mas há mais caminhos. A Hipnoterapia, por exemplo, tem mostrado resultados muito promissores: ao facilitar o acesso ao inconsciente – descobre a origens dos pensamentos ruminantes, e ajuda a reduzir rapidamente a ansiedade e a identificar as causas emocionais dos pensamentos intrusivos— que muitas vezes estão na base do ciclo obsessivo.
E sim, por vezes também a medicação é necessária, sobretudo os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS) — mas deve ser sempre integrada num plano terapêutico mais amplo, onde o coração da pessoa seja escutado e não apenas “controlado”.
Gostaria de deixar algumas dicas, qual Plano de Ação, como os familiares podem ajudar.
Plano de Ação para quem ama alguém com POC:
- Escutar sem julgamento: não minimizes o sofrimento com frases como “isso é só uma mania”. Mostra que estás disponível para ouvir, mesmo que não compreendas tudo.
- Evitar reforçar os rituais: não participes ou alimentes as compulsões, mesmo que pareçam inofensivas.
- Incentivar a procura de ajuda profissional: oferecer ajuda para marcar consultas, acompanhar à terapia ou simplesmente perguntar “queres falar com alguém?” já faz toda a diferença.
- Informar-te: quanto mais souberes sobre a POC, mais empatia vais desenvolver.
- Cuidar de ti também: apoiar alguém com POC pode ser exigente. Não te esqueças de ti — só podemos cuidar do outro se estivermos minimamente inteiros.
Falar de Perturbação Obsessiva-Compulsiva (POC) exige mais do que julgamento: exige escuta, empatia e responsabilidade. Porque, muitas vezes, o que está em jogo não é apenas um diagnóstico — é a vida inteira de alguém a tentar sobreviver dentro de si. Nesse sentido, será que já pensaste quantas vidas se podem transformar, ou salvar, com um diagnóstico certo, uma escuta atenta, uma palavra de acolhimento?
Quando a dor é silenciada, o sofrimento cresce nas sombras. Mas quando falamos com verdade, empatia e conhecimento, abrimos espaço para a cura.
Não deixemos que o medo ou o estigma falem mais alto que o amor.
Porque compreender a POC é, acima de tudo, um ato de humanidade.
