Entrevista

A “dor é individual, subjetiva. Cada um tem a sua e não é reprodutível para os outros”

Atualizado: 
22/02/2022 - 11:05
A dor crónica é uma doença silenciosa, grave e complexa, com grandes repercussões sociais e económicas, que se estima que afete um em cada três portugueses. Em entrevista ao Atlas da Saúde, Filipe Antunes, vice-presidente da APED - Associação Portuguesa Para o Estudo da Dor, sublinha a importância da comunicação entre o médico e o doente, sobretudo ao nível dos cuidados de saúde primários, para a sua correta identificação, prevenção e tratamento: “sendo os profissionais de saúde dos cuidados primários a porta de entrada no sistema de saúde, significa que deve ser aí a aposta na abordagem da dor”.

Em Portugal, a dor é o principal sintoma que leva o doente a procurar o médico e os cuidados de saúde, estimando-se aliás que mais de 30% dos indivíduos acompanhados em unidades de Cuidados de Saúde Primários vivem com dor crónica. Para entendermos a complexidade deste problema, como se caracteriza a dor crónica?

A Dor crónica é uma síndroma ou doença e não só um sintoma (na dor aguda). Resulta da experiência passada e caracteriza-se por todo um conjunto de sinais e sintomas que prevalece para além do tempo expectável de resolução desses sinais e sintomas. Estabelece-se e torna-se crónica ao longo do tempo, afetando o individuo em múltiplos aspetos da sua vida quotidiana.

Quais as principais causas ou fatores de risco associados à dor crónica? E neste sentido, quais as populações mais vulneráveis?

Desde logo e do ponto de vista físico, o envelhecimento e as suas implicações nos órgãos e estruturas do corpo humano; depois os hábitos de cada individuo, nomeadamente a alimentação o sedentarismo, mas também as condições sociais e económicas (acesso a cuidados de saúde preventivos ou as condições de trabalho em termos posturais ou de carga de trabalho). Do ponto de vista psicológico, a experiência de vida da pessoa ao longo do tempo, particularmente em termos de vivências emocionais e que moldam a sua personalidade (resiliência, depressão, otimismo, pessimismo...).

Como é feito o seu diagnóstico? De que forma é possível quantificar a dor, tendo em conta que é algo tão subjetivo?

O diagnostico é clínico e assente na história clínica. Isto é, no que cada individuo conta ou expressa. Depois confirma-se com o exame físico da pessoa e se mais for preciso, com os meios complementares de diagnóstico, que são ferramentas para isso mesmo, para complementar a hipótese de diagnostico que se equaciona no momento. Quantificar algo subjetivo é sempre difícil, mas importante para tentar perceber quão significativa é a dor para o individuo. Usam-se diferentes escalas métricas, sendo as mais frequentes a escala quantitativa, variando de 0 a 10 ou a qualitativa que varia entre estar sem dor e ter a dor máxima imaginável.

A dor pode ser prevenida? Quais os cuidados a ter?

Se tivermos hábitos de higiene corporal e de vida saudável nas suas diferentes dimensões (física, psicológica e social), a probabilidade de ter dor crónica é menor.

Tratando-se de uma entidade clínica complexa, em que consiste o seu tratamento?

Tratar é acima de tudo cuidar. Cuidar é estar atento e propor todas e quaisquer estratégias que atenuem ou eliminem a dor, quer sejam físicas (como o exercício físico), químicas (como os medicamentos) ou psicológicas (como a motivação, por exemplo). Não existe uma receita universal, mas apenas a grande máxima sempre presente, de que cada caso é um caso, pelo que o tratamento é sempre individualizado para cada pessoa.

De que forma pode a dor condicionar a vida do doente? Quais as repercussões sociais e económicas da dor?

Atualmente, é comum falar-se no conceito de dor total, dadas as repercussões que a dor crónica tem na pessoa. Pensamos nas repercussões físicas, psicológicas ou socioeconómicas. Se pensarmos que a dor nos faz recolher em nós próprios, no “nosso canto”, na nossa individualidade, percebemos facilmente que isso implica depois deixar de estar ativo profissionalmente e deixar de ter capacidade económica. Implicará mais isolamento, mais depressão e consequentemente mais dor. É um círculo vicioso, difícil de ultrapassar e que atinge o individuo na sua totalidade.

Na sua opinião, por que motivo continua a ser tão difícil entender e valorizar a dor? Qual o papel dos profissionais de saúde, sobretudo os profissionais associados aos cuidados de saúde primários, neste âmbito?

É difícil entender porque a dor é individual, subjetiva. Cada um tem a sua e não é reprodutível para os outros. Deve necessariamente ser valorizada para poder ser entendida e tentar ser ultrapassada. Isso significa necessariamente para o profissional de saúde estar atento, cuidar. Sendo os profissionais de saúde dos cuidados primários a porta de entrada no sistema de saúde, significa que deve ser aí a aposta na abordagem da dor. Travar a sua progressão ao longo do tempo. Evitar que a dor se torne crónica; evitar que seja necessário tratá-la, prevenindo-a.

Por fim, no âmbito desta temática, que mensagens chave devemos reter?

A dor crónica é uma doença com repercussões no individuo a todos os níveis. Como dizemos e bem, “mais vale prevenir, do que remediar”. Devemos cultivar um estilo de vida saudável, com exercício físico regular, evitar excessos alimentares e procurar estar bem connosco próprios. Será meio caminho andado para estarmos com os outros, com quem sociabilizamos e que nos deixem e façam felizes. Se o conseguirmos, vamos seguramente vencer a dor!

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
APED