Doença com origem no cérebro

“A distonia teve um impacto avassalador na minha vida”

Atualizado: 
25/09/2020 - 15:06
Não sendo frequente e com sintomas que muitas vezes podem passar despercebidos, estima-se que a Distonia, uma doença do movimento caracterizada pela contração muscular involuntária, afete cerca de 5 mil portugueses de todas as idades. Luís Xavier partilha, hoje, o seu testemunho para que possa compreender uma patologia que, embora pouco conhecida, tem um grande impacto na vida dos doentes.

Incluída no grupo de doenças chamadas Doenças do Movimento, a Distonia caracteriza-se por contrações musculares involuntárias e/ou por torção de uma parte do corpo. “É uma doença com origem no cérebro. Pode ser primária, e sem causa subjacente, ou ser secundária a outras doenças”, podendo surgir, por exemplo, na Doença de Parkinson em doentes jovens ou ser secundária a certos tratamentos.

De acordo com Anabela Valadas, neurologista do Campus Neurológico Sénior, este distúrbio pode apresentar diferentes manifestações clínicas, tendo em conta a idade de início. “Nas crianças é habitualmente uma doença que afeta todo o corpo, ou seja, é generalizada; nos adultos afeta geralmente uma parte do corpo, como por exemplo, as pálpebras, região oromandibular ou pescoço. Pode também surgir quando o doente executa apenas uma atividade muito específica, como escrever ou nos músicos quando tocam o instrumento musical”, explica a especialista, acrescentando que estas distonias específicas de tarefa estão muitas vezes associadas a uma incapacidade significativa “pois contribuem para que o doente não seja capaz de executar essa tarefa de forma satisfatória”.  Por outro lado, Anabela Valadas admite que o seu impacto na vida do doente seja semelhante ao de doenças neurodegenerativas, como a doença de Alzheimer ou Parkinson, estando os doentes suscetíveis ao desenvolvimento de depressão. No caso deste distúrbio atingir a região cervical, os doentes podem apresentar dor moderada a severa, condicionando a sua qualidade de vida.

Luís Xavier sofre de uma distonia cervical, cujos sintomas começaram a surgir quando tinha 51 anos de idade. “A distonia consiste em contrações involuntárias do corpo e a nível muscular, no meu caso, no pescoço. Provoca dores e há uma certa desorientação até ao diagnóstico”, começa por explicar acrescentado que “é como se vivesse com um torcicolo permanente.

Conta que, embora os sintomas sejam de difícil interpretação, - “não é como se tivéssemos uma constipação que se deteta logo” – na altura do seu diagnóstico pode contar com o apoio da Associação Portuguesa de Distonia. “Foi a mesma que me indicou o caminho e as pessoas certas, e estou profundamente convencido que se aos dias de hoje ainda existisse, pouparia a muitos muita dor e sofrimento!”, sublinha Luís Xavier.

Para este doente, “a pertinência de uma associação para a distonia vai além do diagnóstico e passa pela compreensão entre pares, é uma união e apoio que não foca só a consulta e tratamento, mas sim uma troca de experiências o que poderá ser muito útil”.

Quanto ao seu impacto, Luís admite que a distonia “teve um impacto avassalador” na sua vida. “É uma patologia que não tem cura e o máximo que podemos fazer é garantir que não há uma progressão dos sintomas, algo que depende de doente para doente. Eu era músico na PSP e, como era de esperar, profissionalmente também fui impactado. Contudo, tive comigo as pessoas certas, ainda hoje tenho, o que muito agradeço”, afirma realçando a importância do apoio da família e/ou cuidados no decurso desta doença.

De acordo com Anabela Valadas, o diagnóstico é clínico, ou seja, pela observação dos sintomas. “Geralmente, é a Neurologia a especialidade mais habilitada para diagnosticar esta doença”, acrescenta esclarecendo que “não existem exames complementares de diagnóstico em que venha especificado que o doente tem distonia”. “Os exames, são muitas vezes requisitados para se excluírem causas subjacentes que podem estar associadas à distonia”, explica.

É por isso tão importante sensibilizar a população em geral e a comunidade médica para um problema que pode ser tão limitador, a fim de que os doentes possam ser corretamente encaminhados para que o tratamento se dê início o mais cedo possível.

Segundo a neurologista, o tratamento da distonia pode ser realizado com medicamentos orais, sobretudo nas formas generalizadas e em doentes mais jovens. “Nas formas focais, é indicado o uso de injeções de toxina botulínica nos músculos dos segmentos do corpo mais afetados, como por exemplo, pálpebras, pescoço, membros. Nos casos mais graves, ou que não respondem de forma satisfatória aos tratamentos anteriores, os doentes podem ter indicação para a cirurgia de estimulação cerebral profunda, semelhante à realizada na doença de Parkinson” e que  consiste na colocação de dois pequenos elétrodos, “um de cada lado do cérebro, numa zona muito especifica e de pequenas dimensões, ligados a um neuro-estimulador colocado na região subclavicular, semelhante a um pacemaker cardíaco”.

No seu caso, Luís fez uso de medicação oral, recebendo ainda tratamentos com toxina botulínica, “espaçados, entre três a quatro meses”. “Tive muito apoio e a recomendação para aquele que seria o tratamento mais adequado para mim”, revela aliviado. “No meu caso tive uma progressão positiva, graças à ciência, mas cada caso é um caso!”, conclui apelando a que se fale mais sobre o tema, para que outros doentes possam, como ele, e apesar da alterações que teve de realizar no seu dia a dia, tenham alguma qualidade de vida. Uma opinião partilhada pela médica neurologista, segundo a qual é “importante promover o conhecimento médico e da sociedade sobre a distonia, para permitir o diagnóstico atempado e orientação terapêutica adequada aos doentes e cuidadores”.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Luís Xavier