Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade

Diabetes e obesidade: quais os riscos em tempo de pandemia?

Atualizado: 
21/05/2020 - 11:42
Apesar de não apresentarem uma maior probabilidade de contrair COVID-19, quando comparados com a população em geral, os doentes com diabetes ou obesidade podem apresentar sintomas mais graves e mais complicações relacionadas com a infeção. Neste artigo, com a ajuda da endocrinologista e presidente da Sociedade Portuguesa para o Estudo da Obesidade (SPEO), Paula Freitas, damos resposta às principais dúvidas sobre o tema e deixamos algumas recomendações.

Por que motivo os doentes diabéticos correm maior risco de sofrer complicações em caso de infeção por COVID-19? 

As pessoas com diabetes mellitus assim como as pessoas com hipertensão arterial, doença cardiovascular, obesidade e com idade superior a 65 anos têm um risco maior de morbilidade, hospitalização e mortalidade pelo novo coronavírus – o SARS-CoV-2. Por um lado, as pessoas com diabetes muitas vezes já têm um conjunto de complicações crónicas e de fatores de risco associados como por exemplo, obesidade, hipertensão arterial e doença cardiovascular, mas também existem outras explicações independentemente dos fatores de risco ou complicações já existentes. Existem vários potenciais mecanismos que podem aumentar a suscetibilidade dos doentes com diabetes mellitus à COVID-19: maior afinidade e entrada eficiente do vírus, diminuição da clearance do vírus, diminuição da função das células T, aumento da suscetibilidade à hiperinflamação e síndrome de tempestade de citocinas, entre outros. Por outro lado, a diabetes mellitus, sobretudo se descompensada, inibe a chemotaxia de neutrófilos, a fagocitose e morte intracelular de micróbios, o que favorece a gravidade das infeções. Ou seja, se a diabetes estiver descompensada, aumenta a probabilidade de todas as infeções, sejam bacterianas, víricas, parasitárias ou fúngicas. Isto porque na diabetes podem existir alterações de imunidade adaptativa que podem proporcionar mais infeções ou infeções mais graves. Também não podemos esquecer que no caso da diabetes mellitus tipo 2, 90% dos doentes têm obesidade, o que lhes confere um risco adicional.

Dito de outro modo, considerando a elevada prevalência de doença cardiovascular, obesidade, e hipertensão nos doentes com diabetes mellitus, esta constelação de fatores contribui para este risco aumentado de gravidade da doença COVID- 19 nas pessoas com diabetes. Aliás, níveis plasmáticos elevados de glicose e a diabetes mellitus per se são predictores independentes para morbilidade e mortalidade em doentes COVID-19.

É de realçar que as pessoas com diabetes e obesidade não têm maior probabilidade de contrair COVID-19 do que a população em geral. No entanto, a COVID-19 pode causar sintomas mais graves e mais complicações nas pessoas que vivem com diabetes e obesidade e outras doenças associadas. As pessoas idosas e as pessoas com doenças crónicas, incluindo diabetes, doença cardiovascular e distúrbios pulmonares – doenças comumente associadas à obesidade e à diabetes - apresentam maior risco de sofrer complicações graves. A evidência científica já tinha sugerido que numa gripe sazonal, pessoas com IMC ≥ 40 Kg/m2 tinham um risco aumentado de complicações e o mesmo acontece com a COVID-19.

No âmbito da pandemia, quais os cuidados que devem seguir para além dos tão comentados e que dizem respeito à higiene e etiqueta respiratória? Que hábitos do dia -a -dia devem ser reforçados? 

As pessoas com diabetes devem fazer uma autovigilância mais apertada da glicemia. Idealmente as pessoas com diabetes devem, nesta fase, avaliar os valores da sua glicemia de acordo com as indicações do seu médico assistente. O risco de hiper ou hipoglicemia pode ser maior, especialmente em caso de infeção por COVID-19, pois a doença irá descompensar a diabetes, mesmo que antes estivesse bem controlada. É importante saber tratar-se se surgir descompensação da diabetes e em caso de dúvidas aconselhar-se com o seu médico sobre como proceder nos casos de hiperglicemia nos dias de doença aguda ou como tratar hipoglicemias. Estas últimas podem ser particularmente perigosas já que podem estar associadas a complicações, por exemplo, cardiovasculares e neurológicas. Por vezes, as pessoas com diabetes não sabem identificar os sintomas de hipoglicemia que podem ser mais ligeiros, como visão turva, fadiga, dor de cabeça, hipersudorese, taquicardia, sensação de fome ou mais graves, como perda de consciência.

Também de sublinhar que se ficar doente, e muitas vezes com perda de apetite, não deve descurar a hidratação, deve continuar a alimentar-se, fazer monitorização frequente da glicemia capilar a cada 3 a 4 horas. Se tiver hiperglicemia (valores superiores a 250 -300 mg/dL) deve adicionalmente avaliar os corpos cetónicos. Nesta última situação deve manter e nunca parar a administração de insulina ou medicação usual para a diabetes e eventualmente até pode ter de administrar insulina extra, de acordo com os ensinamentos prévios do seu médico e, se necessário contactar o médico.

 De uma forma geral, mesmo não tendo quaisquer sintomas de doença aguda deve prevenir a desidratação. As pessoas com diabetes e obesidade devem manter-se bem hidratadas, bebendo sobretudo água e evitando a ingestão de bebidas alcoólicas e açucaradas, que além de serem muito calóricas, podem contribuir para a desidratação.

Outro aspeto importante é fazer uma alimentação saudável. O tempo passado em casa pode convidar a refeições mais demoradas ou a snacks mais frequentes. É importante que as pessoas com obesidade e diabetes continuem a seguir os conselhos dos seus médicos e nutricionistas assistentes e optem por uma alimentação saudável e equilibrada e não hipercalórica. Outro aspeto também muito importante é a prática de atividade física. O tempo de confinamento não pode ser sinónimo de inatividade. É importante manter ou até iniciar um programa de exercício físico. Não precisa de ser complexo. Coisas simples como descer e subir escadas quando se vai levar o lixo ou levantar-se para mudar o canal de televisão podem ser o primeiro passo para dias mais ativos.

Agora e mais do que nunca o controlo da diabetes é muito importante.

A que sinais devem estes doentes estar atentos? E o que devem fazer em caso de suspeita de infeção COVID 19?

Os doentes com COVID-19 podem ser assintomáticos, ou seja, sem qualquer sintoma, mas com teste positivo e estes doentes, denominados portadores assintomáticos têm taxas de transmissão e carga viral respiratória semelhantes ao sintomáticos, o que parcialmente pode explicar a rápida propagação da SARS-CoV-2. Outros doentes podem ter doença respiratória sintomática ou até pneumonia. Os doentes com doença respiratória aguda podem ter febre, fadiga, sintomas respiratórios (tosse, dispneia - falta de ar) ou sintomas gastrointestinais (náuseas, diarreia, vómitos). Também foi descrito a presença de anósmia (perda ou diminuição do olfato). Nos casos graves com pneumonia e com falência respiratória pode surgir também falência multiórgãos, choque e morte.

Quanto à obesidade, de que forma esta pode condicionar o agravamento da infeção?

Tal como na diabetes, as pessoas com obesidade não têm maior risco de contrair a doença, mas se se infetarem a gravidade da doença aumenta de acordo com o seu IMC (índice de massa corporal), tendo maior risco aqueles com IMC igual ou superior a 35 ou 40 Kg/m2. Alguns estudos mostraram que a necessidade de ventilação mecânica invasiva estava associada com a gravidade da obesidade e era independente da idade, do género, da presença de diabetes ou de hipertensão arterial. Ou seja, a obesidade per se contribuía para a gravidade da doença COVID-19. Mas por outro lado, os doentes de maior risco de COVID-19 são aqueles com doenças prévias como a hipertensão arterial, diabetes mellitus, doença respiratória crónica, doença cardiovascular e cancros. E de facto, todas essas doenças também são mais prevalentes em doentes com obesidade. E adicionalmente, as pessoas com obesidade e sobretudo aquelas com obesidade abdominal, podem ter diminuição de ventilação das bases pulmonares, o que pode resultar numa diminuição ou redução da saturação do oxigénio no sangue. Os doentes com obesidade podem também ter redução da elastância da parede abdominal, redução da compliance do sistema respiratório total ou do volume de reserva expiratória. Também existe uma associação entre obesidade e diminuição da função imune e maior possibilidade de agravamento de eventos trombóticos, o que se relaciona com a gravidade da COVID-19.

Quais as principais recomendações para este grupo de risco?

Além das medidas de distanciamento social, higiene respiratória e das mãos, este período de confinamento pode associar-se a sedentarismo prolongado e a má prática alimentar associada ao stress emocional e um padrão alimentar psicopatológico. Mas, as pessoas com obesidade podem encarar este período como uma oportunidade para iniciar uma mudança para todo o sempre, como uma nova etapa, com o início de adoção de medidas de estilo saudáveis, com técnicas culinárias saudáveis e início de atividade física quer nas tarefas domésticas quer algo mais estruturado. Sugiro uma visita ao site da SPEO – www.speo.pt – e descarregar o “Manual para a Pessoa com Obesidade e Pré-Obesidade” onde podem encontrar dicas sobre alimentação, atividade física e do foro da Psicologia.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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