Saúde Mental

Compreender os fenómenos específicos de pessoas LGBTQIA+ e a importância da intervenção psicológica

Atualizado: 
17/05/2024 - 10:56
Nos últimos anos tem aumentado o interesse científico e clínico sobre a saúde mental e especificidades de pessoas LGBTQIA+. Historicamente, estas pessoas foram “carimbadas” como cometedoras de pecado e crime e ainda como tendo uma doença mental. Juntamente com o estigma, este percurso invisibilizou as vivências destas pessoas ao nível social, científico e clínico.

O interesse pela saúde mental de pessoas LGBTQIA+ tem aumentado nas últimas décadas acompanhando os avanços e reconhecimentos legais e sociais. As maiores referências internacionais na saúde (Associação Americana de Psicologia e Organização Mundial da Saúde) são perentórias: a orientação sexual e a identidade de género não configuram nenhuma patologia. Neste sentido, as pessoas investigadoras e clínicas têm-se focado nos fenómenos associados às vivências queer.

O que explica que estas pessoas apresentem piores indicadores de saúde quando comparadas com pessoas heterossexuais e cisgénero? Diversos fenómenos já foram identificados, habitualmente descritos como processos de stresse minoritário, que esclarecem os desafios adicionais e específicos que estas pessoas vivenciam. Os modelos de compreensão destes fenómenos mais recentes incluem tanto a perspetiva social como evolucionária.

Se por um lado a violência e a discriminação interpessoal (expressa ou velada) traduzem o estigma social ainda prevalente, outros processos mais internos (cognitivo-emocionais) decorrentes também afetam a saúde mental. Por exemplo, a antecipação do estigma (expetativas de rejeição), maior sensibilidade à rejeição (deteção mais rápida e pouco eficaz de possíveis pistas de rejeição acompanhadas de uma reação/resposta mais intensa), e o estigma internalizado (conhecido por homo/bi/transfobia internalizada). Por outro lado, o reconhecimento de que somos seres sociais e de que, evolucionariamente, precisamos de sentir conexões emocionalmente seguras com as outras pessoas, aceitação e pertença. A constante falta desta sensação – comum em pessoas LGBTQIA+ - também impacta negativamente a saúde mental. Em conjunto, estes processos ajudam a compreender comportamentos de ocultação da orientação sexual e/ou identidade de género e o isolamento social.

As Terapias Cognitivo-Comportamentais são uma abordagem psicológica baseada na evidência que abrange técnicas cognitivas, emocionais e comportamentais e que se adequam aos fenómenos específicos de pessoas LGBTQIA+. As intervenções cognitivo-comportamentais afirmativas têm-se mostrado eficazes na redução da psicopatologia e promoção do bem-estar nesta população. Por exemplo, estratégias baseadas na psicoeducação cognições-emoções-comportamento, na assertividade, na resiliência, na atenção-plena, na aceitação e na autocompaixão continuam a estratégias a considerar na intervenção individual com estas pessoas.

O livro Manual de Intervenção Psicológica com Pessoas LGBTQIA+: Uma perspetiva individual, familiar e comunitária (Coordenação Jorge Gato, Editora PACTOR) detalha estes fenómenos, justifica a adequação das Terapias Cognitivo-Comportamentais, e exemplifica algumas intervenções no capítulo 2 (Modelos de Compreensão e Intervenção Psicológica Individual com Pessoas LGBTQIA+). Reconhecendo a necessidade de intervenção e o reconhecimento da diversidade sexual e de género, os restantes capítulos alargam a abordagem familiar e comunitária.

 
Daniel Seabra
Psicólogo Clínico reconhecido pela Ordem dos Psicólogos Portugueses (C.P.: 21077) e formador nas áreas da Diversidade Sexual e de Género; Participou ainda em alguns projetos relacionados com as pessoas LGBTQIA+ e suas especificidades; Coautor do livro Manual de Intervenção Psicológica com Pessoas LGBTQIA+ (2024). PACTOR

 

Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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