Opinião

Compras Online: Quando o Hábito Vira Vício e Patologia Compulsiva

Atualizado: 
24/11/2025 - 11:13
A internet revolucionou as nossas vidas. A forma de comunicar, aceder a informação e aprender transformaram-se. Entre as muitas mudanças que surgiram, as compras online ocupam um lugar de destaque, sobretudo pós pandemia Covid-19. O que antes exigia sair de casa, procurar lojas e lidar com filas intermináveis, hoje está a um clique de distância. No entanto, se por um lado a facilidade de comprar online trouxe mais conforto e acessibilidade, por outro, aumentou as compras por impulso, o que acarreta vários riscos. Neste artigo, exploraremos o que caracteriza o vício em compras online, como se desenvolve, o seu impacto na saúde mental, como identificá-lo e sobretudo como preveni-lo.

O que é o vício em compras online?

Embora seja comum gostarmos de comprar algo novo de vez em quando, o vício em compras é muito mais do que um ato prazeroso e consciente. Trata-se de uma compulsão incontrolável para comprar, mesmo quando o ato não é necessário e, muitas vezes, quando há prejuízos evidentes para a vida financeira e emocional. Numa compulsão há a perda de controlo, como se uma força maior nos dominasse e não fosse possível contrariar o desejo ou impulso.

No ambiente online, o vício em compras pode intensificar-se devido à facilidade e conveniência que a internet oferece. Com algumas pesquisas e cliques, é possível adquirir produtos que nos chegam diretamente à porta, num ambiente visual apelativo, muitas vezes com ditas promoções e descontos que incentivam ainda mais o comportamento impulsivo.

Como é que o ambiente digital facilita a compulsão em compras? A resposta está em três fatores principais: acessibilidade, anonimato e gratificação instantânea.

  1. Acessibilidade: Qualquer pessoa com um smartphone ou computador pode aceder a lojas online a qualquer momento, em qualquer lugar. A facilidade de pagamento por meio de cartões de crédito, aplicativos de pagamento e plataformas de compras rápidas elimina obstáculos que poderiam dar ao comprador tempo para refletir sobre a real necessidade de determinada compra. Não se vê o dinheiro, simplesmente carregam-se em botões.
  2. Anonimato: No ambiente online, não há a sensação de julgamento ou desconforto que pode ocorrer numa loja física. Não há um vendedor que observa ou o olhar de um desconhecido, o que cria uma sensação de privacidade, permitindo que o comprador se entregue mais facilmente ao impulso.
  3. Gratificação instantânea: As plataformas de compras muitas vezes oferecem entregas rápidas, atualizações constantes sobre o pedido e ofertas na sequência da compra que mantêm o comprador num ciclo de excitação e expectativa, reforçando o comportamento de compra contínuo.

Quando o hábito vira patologia

Para muitas pessoas, comprar online é uma prática inofensiva, ocasional e prática. Para outras pode transformar-se numa patologia chamada oniomania ou compra compulsiva. A compra compulsiva online caracteriza-se pela necessidade de comprar constantemente, sem controlo sobre o comportamento e, muitas vezes, com prejuízo para outras dimensões da vida, como o trabalho, relacionamentos e/ou a saúde financeira.

Há sinais importantes que podem indicar quando o ato de comprar online está a tornar-se um problema patológico:

  • Preocupação excessiva com compras: Pensar constantemente em adquirir novos produtos, navegar por sites de compras mesmo sem intenção concreta de adquirir algo, e sentir-se ansioso(a) ou frustrado(a) quando não é possível comprar.
  • Compras como regulação emocional: A compra online passa a ser uma maneira de lidar com emoções desconfortáveis, como a solidão, a ansiedade ou o tédio. A compra surge como estratégia distratora e de evitamento, que promove um alívio temporário do desconforto experienciado.
  • Culpa e arrependimento: Logo após a compra, pode surgir uma sensação de culpa, vergonha ou arrependimento, mas ainda assim, não se consegue evitar repetir o comportamento.
  • Endividamento: Mesmo sabendo que as compras estão a causar um dano financeiro, a pessoa continua a adquirir produtos, aumentando dívidas no cartão de crédito e compromissos financeiros que não consegue honrar, podendo inclusivamente endividar elementos da família para perpetuar o vício.

O impacto psicológico e emocional do vício em compras online

O vício em compras online pode ter efeitos devastadores na vida pessoal e financeira, além de impactar profundamente a saúde mental. A oniomania está frequentemente associada a outros transtornos, como ansiedade, depressão e distúrbios de controlo de impulso. Muitas das pessoas com compras compulsivas relatam sentir-se presas num ciclo vicioso: compram para aliviar emoções desconfortáveis, mas as consequências dessas compras geram ainda mais stress e ansiedade, com o agravamento da culpa e vergonha.

Este ciclo de comportamento pode ser comparado a outras formas de dependência, como a de substâncias ou o vício em jogos. O prazer imediato da compra é seguido por sentimentos desagradáveis, que alimentam a necessidade de comprar novamente para obter um alívio. Com o tempo, o comportamento compulsivo pode gerar isolamento social, danos na dimensão profissional, perda de controlo financeiro e crises conjugais e familiares, uma vez que o comprador compulsivo muitas vezes oculta as suas compras e dívidas dos mais próximos.

A neurociência por trás das compras compulsivas

Quando compramos algo, especialmente online, o nosso cérebro liberta dopamina, um neurotransmissor associado à sensação de prazer e recompensa. Essa libertação cria uma sensação momentânea de satisfação. No entanto, em pessoas propensas à compra compulsiva, essa recompensa temporária pode levar a um comportamento repetitivo, como se o cérebro estivesse constantemente à procura de mais dopamina.

Além disso, muitos sites de e-commerce utilizam estratégias psicológicas para manter os consumidores interessados. Notificações constantes, ofertas limitadas no tempo, descontos exclusivos e gratificação instantânea são apenas alguns dos mecanismos que reforçam o comportamento compulsivo.

Como identificar e superar o vício em compras online

Identificar um comportamento compulsivo de compra é o primeiro passo para superá-lo. Aqui estão algumas estratégias práticas para quem se vê numa espiral de compras ou conhece alguém com este padrão de comportamento:

  1. Procura ajuda profissional: Qualquer tipo de adição e doença psicológica necessita de apoio psicoterapêutico, complementado em casos moderados e severos com medicação. É um erro achar-se que é possível ultrapassar este padrão patológico de comportamento sem ajuda especializada. Felizmente existem várias abordagens eficazes, quer a nível de intervenção individual quer com intervenção em grupo.
  2. Autoconsciência: Manter um registo das compras feitas online, com anotações sobre o motivo da compra, o estado emocional no momento e o impacto financeiro pode ajudar a identificar padrões de comportamento impulsivo.
  3. Limitar o acesso: Desinstalar aplicativos de lojas online, cancelar subscrições a newsletters promocionais e definir limites de gasto mensais são maneiras de reduzir a tentação de comprar.
  4. Substituir o comportamento: Devem encontrar-se outras formas saudáveis de lidar com as emoções, como o exercício físico, hobbies e psicoterapia, para que as emoções mais intensas ou desagradáveis deixem de constituir um gatilho.
  5. Rotinas que fomentem equilíbrio: Se o nosso cérebro gosta de serotonina e dopamina, então vamos ajudar a produzir estes neurotransmissores de formas mais saudáveis seja com um sono de qualidade, uma alimentação nutricionalmente completa, atividade física moderada, socialização prazerosa e uma atividade profissional que nos concretize.

Conclusão

As compras online são uma das grandes facilidades da era digital, mas, para algumas pessoas, podem transformar-se num problema sério de saúde mental. É fundamental compreender que o vício em compras online não é uma questão de fraqueza de caráter ou falta de autocontrolo, mas sim uma condição de saúde complexa que exige tratamento especializado. Para quem sofre com o problema, há soluções e caminhos para recuperar o controlo perdido. Reconhecer o problema, procurar apoio e adotar novas formas de lidar com as emoções e de organizar o dia-a-dia são passos essenciais para superar a compulsão e viver de uma forma mais equilibrada e saudável.

 

Autor: 
Filipa Jardim da Silva Psicóloga Clínica | Autora e Fundadora da Academia Transformar
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.