Shigelose: saiba o que é

Bactérias que estragam férias

Atualizado: 
28/03/2023 - 09:45
O prazer de viajar é sem dúvida dos mais bem-vindos para todos nós, após os anos de pandemia Covid que nos limitaram tanto. E ensinou-nos quão preciosa é a saúde e a vida. Para manter vivos estes ensinamentos, o respeito pela Água e a sua preservação é essencial e deve estar sempre presente estejamos onde estivermos.

A vida em ilhas pode conter mais desafios neste âmbito, com períodos de escassez em água potável. Com as variações das épocas seca e das chuvas cada vez mais caprichosas, e a falta de saneamento generalizado adequado, podem pôr qualquer paraíso insular de belas praias e pessoas generosas em perigo.

As recentes notícias acerca de casos de diarreia com febre, atribuíveis a bactérias como a Shigella dysenteriae, detetada em Cabo Verde e em pessoas que aí passaram férias, tem preocupado as entidades de vigilância epidemiológica (a OMS, o Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) e o seu congénere CDC americano) com descrição de 258 casos de shigelose em turistas de 12 países desde agosto de 2022. O Reino Unido lidera entre casos suspeitos (95) e Portugal regista 2 casos, segundo dados publicados pelo ECDC em março de 2023.

As autoridades cabo-verdianas mantêm vigilância (Instituto Nacional de Saúde Pública ou INSP) e as recomendações para evitar o contágio: lavar as mãos frequentemente, usar água engarrafada/ fervida para preparar alimentos e lavar os dentes, beber água engarrafada/ fervida de preferência, não colocar gelo nas bebidas (os copos podem ser refrigerados).

Em caso de suspeita de doença, avisar as autoridades de saúde no local ou no país de origem. É importante saber que:

  1. o contágio é por via fecal-oral (daí a importância de alimentos e líquidos seguros e saneamento com esgotos adequados)
  2. o ser humano é o único reservatório
  3. a doença pode ser mais grave em crianças com menos de 2 anos, idosos e pessoas imunocomprometidas (ex.: doentes oncológicos, diabéticos, ou com doenças autoimunes; doentes a fazer terapêutica com corticoide, quimiotáxicos)
  4. a vacina oral está em fase de testes, mas pode não cobrir todos os serotipos
  5. cerca de 2 a 4 dias após contágio, pode surgir dor de barriga tipo cólica, com diarreia líquida que pode tornar-se sanguinolenta (daí ser disenteria hemorrágica, com ulcerações da porção mais distal do intestinal ou sigmoido-rectal). Os vómitos e febre podem ajudar a agravar a desidratação
  6. o diagnóstico é baseado na suspeição clínica e realização de culturas de fezes. A rectosigmoidoscopia pode ser útil em situações mais preocupantes
  7. o tratamento da grande maioria dos casos é de suporte, isto é, hidratação para reposição de água, sais minerais, açucares, proteínas; medicação para evitar os vómitos como metoclopramida pode ser usada com cuidado. Os antidiarreicos não devem ser usados por risco de prolongar a toxicidade das toxinas produzidas pelas bactérias shigella (não usar loperamida ou similares)
  8. os casos moderados a graves devem ser tratados com antibióticos orais como a ciprofloxacina e a azitromicina, ou endovenosos como o ceftriaxone, segundo prescrição médica
  9. Os casos muito graves podem levar ao chamado Síndrome hemolítico-urémico com falência renal e hemorragia intestinal, sendo os cuidados hospitalares necessários
  10. pacientes com genótipo HLA-B27 (espondilite anquilosante) podem desenvolver artrite reativa, conjuntivite, uretrite.

Enfim, devemos estar cientes dos cuidados a ter para prevenção de doenças e alertados para os sintomas que podem apresentar para recorrer a ajuda sempre que necessário. Consultar o boletim disponibilizado pelas entidades de saúde ajuda a decidir a escolha do destino de férias merecidas e que devem ser fonte de bem-estar.

Autor: 
Dra. Ana Afonso - especialista em medicina interna no Hospital Lusíadas Lisboa
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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