Entrevista

Artrite Reumatoide: nova classe de medicamentos é solução para os doentes que não respondem à terapêutica convencional

Atualizado: 
11/05/2021 - 11:11
Responsável pela destruição progressiva das articulações e pela perda da sua função, quando não tratada, a Artrite Reumatoide pode conduzir ainda a deformações e perda de mobilidade. Em entrevista ao Atlas da Saúde, Luís Cunha Miranda, Assistente Graduado em Reumatologia do Instituto Português de Reumatologia, ajuda-nos a entender a patologia, reforçando a importância do diagnóstico precoce e do tratamento adequado. “A utilização de fármacos mais simples e com muitos anos de utilização podem só por si controlar a maioria dos doentes desde que utilizados com critério e de forma correta, mas alguns dos doentes irão necessitar de outros medicamentos ajustados a formas graves da doença”, alerta.

Estima-se que, em Portugal a Artrite Reumatoide afete cerca de 70 mil pessoas, sendo as mulheres as mais atingidas. Como se caracteriza esta doença e quais os principais sintomas?

A Artrite Reumatoide (AR) é uma doença reumática sistémica e uma das mais de 200 doenças reumáticas e músculo-esqueléticas. Na artrite Reumatoide (AR) a presença de dores e alterações músculo-esqueléticas como edema das articulações mais frequentemente das pequenas articulações das mãos e pés muitas das vezes envolvendo ambos os lados. Com foco na dor, é importante mencionar que as dores são de características inflamatórias o que quer dizer que são mais de manhã ou ao final da noite, melhorando ao longo do dia, associando-se a uma sensação de rigidez ou de “ferrugem” das articulações que estão perras ou de difícil mobilização pela manhã prolongando-se essa rigidez por mais de 30 minutos.

Mas como doença reumática sistémica pode envolver para além do sistema músculo-esquelético outros órgãos como o pulmão o coração os olhos etc., pelo que temos de estar atentos a estas manifestações.

Quais as causas da Artrite Reumatoide? Podemos falar em fatores de risco?

Não existem causas definidas de artrite reumatoide, mas sabe-se que a genética e a influencia ambiental podem estar implicados como fatores de risco do desenvolvimento da doença. No caso da AR um dos fatores de risco ambientais mais reconhecidos é o tabagismo. Sabe-se hoje que o fumar aumenta cerca de 2 a 4 vezes a possibilidade de se vir a desenvolver uma artrite reumatoide.

Como é feito o diagnóstico? A que sinais de alerta devemos estar atentos?

O diagnóstico precoce é assim fundamental, para salvaguardar o bem-estar do doente e para que este entenda que uma dor que envolva uma ou mais articulações que não tenha uma causa aparente e que se prolongue de dias para semanas não é normal e deve ser investigada. Particularmente, se as articulações estiverem inchadas (com edema calor e vermelhidão) e que apresente outras alterações como a rigidez matinal, fadiga alterações na pele e mucosas. O recurso rápido ao médico de família para enviar à Reumatologia ou diretamente uma consulta de Reumatologia é fundamental para o diagnóstico atempado destas situações. O diagnóstico é clínico, ou seja, feito pela avaliação e pela história clínica, mas alguns exames complementares de diagnóstico podem ajudar a definir-se mais rapidamente o quadro clínico bem como serem úteis no seguimento e avaliação ao longo do tempo da doença. Nas análises a presença de fatores reumatoide pode ser importante para o diagnóstico, contudo 20% das AR não têm a presença destes anticorpos bem como algumas pessoas podem ter os anticorpos e nunca desenvolverem a doença. Assim a avaliação por parte de uma Reumatologista será fundamental no diagnóstico correto e atempado da AR.

Quais os tratamentos indicados para artrite reumatoide? Que novidades têm surgido nesta área? E qual a solução para os doentes que não respondem à terapêutica convencional?

Mais do que tratamentos terá de existir um plano terapêutico alargado, englobando medicação, dieta, exercício, alterações no local de trabalho que deverão ser partilhadas entre o doente e o Reumatologista e que permita atingir objetivos ambiciosos em termos de resposta. Neste momento o que se pretende é a baixa atividade ou a remissão da AR que é possível ser obtida com alguns fármacos modificadores da doença (DMARDs).

A utilização de fármacos mais simples e com muitos anos de utilização podem só por si controlar a maioria dos doentes desde que utilizados com critério e de forma correta, mas alguns dos doentes irão necessitar de outros medicamentos ajustados a formas graves da doença e felizmente nos últimos anos a AR e outras doenças reumáticas inflamatórias têm tido um grande número de fármacos inovadores para controle de formas mais agressivas da doença. Atualmente temos muitas opções para atingir objetivos ambiciosos de obter a remissão ou a baixa atividade da doença. Medicamentos biológicos ou biotecnológicos ou os mais recentes inibidores do JAK podem caso se falhe medicamentos mais simples fazer uma extraordinária diferença na vida mesmo de casos mais graves de artrite Reumatoide.

Tal significa termos um quadro clínico que apesar de crónico, e, portanto, para toda a vida, possa devolver a vida o mais plena possível ao doente com o menor impacto possível da doença

Que fatores podem condicionar o agravamento da doença?

O agravamento da doença está intimamente relacionado com um diagnóstico tardio ou o não seguimento em consulta de Reumatologia. Mas igualmente a manutenção do tabaco e o não cumprimento da medicação por parte do doente e um seguimento irregular poderá associar-se ao agravamento e a um mau prognóstico da doença a médio e longo prazo.

De um modo geral, quais as principais complicações associadas a esta patologia? De que forma a doença impacta vida do doente?

A artrite reumatoide é como um tsunami na vida de um doente. Todos nós já sentimos ao longo da nossa vida de dor em uma ou mais articulações. Agora imaginemos múltiplas articulações de forma contínua atingindo mãos e pés com limitação da sua vida de forma abrupta. Altera de forma imediata a sua vida e tudo aquilo que podemos fazer no dia a dia. E é de vida que falamos, da capacidade de tomar conta de si e os seus filhos, de poder ir trabalhar e estar disponível para tal, o de poder dormir e descansar o de andar sem dores ou de poder voltar a fazer o que todos nós tomamos como adquirido.

Em termos socioeconómicos, qual o impacto da Artrite Reumatoide?

Sabemos que em Portugal as doenças reumáticas são responsáveis por custos anuais de 1000 milhões de euros por ano em reformas antecipadas, absentismo laboral ou por preseenteísmo. Este define-se como a perda de capacidade de trabalhar como antes, o ir trabalhar, mas pelas dores ou pelas alterações nas articulações não se consegue trabalhar da mesma forma. A artrite contribui com muito deste impacto. Os doentes com artrite têm um nível de reforma por incapacidade muito superior a outras doenças reumáticas o que poderia ser claramente invertido se no SNS houvesse um melhor acesso á Reumatologia. No SNS não existe Reumatologia em cerca de 50% dos hospitais não por não haver especialistas a querer ir para esses hospitais, mas sim por uma desorganização e mau planeamento, mas sobretudo por uma desvalorização social destas doenças e doentes que correspondem em Portugal a 53% da população.

Que conselhos/recomendações deixaria para aqueles doentes quem têm pouca esperança no tratamento?

Os doentes devem procurar rapidamente a consulta do médico de família ou do reumatologista se tiverem dores articulares persistentes (que durem semanas a meses) sem razão aparente, que tenham articulações com edema e com limitação das articulações. Devem ser enviados para consulta de Reumatologia e não devem estas doenças reumáticas graves ser seguidas por médicos não especialistas e devem os doentes ter a certeza de que quem os segue pela sua doença reumática é especialista em Reumatologia.

A maior esperança que podemos dar ao doente é que nestes últimos anos é que a artrite reumatoide, pela melhoria da assistência e ligação aos reumatologistas e de novas estratégias e de novos medicamentos inovadores, passou de uma doença incapacitante e muitas das vezes devastadora para uma doença em que podemos atingir a remissão ou pelo menos uma baixa atividade. Os doentes seguidos e orientados pela Reumatologia deixaram de viver para a doença para viverem quase normalmente apesar da doença.

Temos hoje a capacidade de devolver a qualidade de vida e uma vida a mais plena possível, mas para isso temos de intervir rapidamente e ter no doente um parceiro e na relação médico doente a maior arma contra esta e todas as mais de 200 doenças reumáticas.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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