Entrevista

APCL: do apoio ao doente à investigação na área das doenças hemato-oncológicas

Atualizado: 
01/03/2021 - 15:42
Criada em janeiro de 2002 com o objetivo primordial de apoiar doentes que lutam contra a doença hemato-oncológica e seus familiares, a Associação Portuguesa contra a Leucemia tem estendido a sua atividade para lá do apoio social. Além do desenvolvimento do registo de dadores de medula óssea, a APCL tem vindo a incentivar a investigação e contribuído para a literacia nesta área da oncologia. “É por demais importante que os doentes e seus cuidadores, estejam informados acerca da sua doença, novos tratamento e medicamentos”, refere Carlos Horta e Costa, vice-presidente da APCL, em entrevista ao Atlas da Saúde.

Fundada há quase 20 anos, qual o balanço que faz destas duas décadas de atividade da Associação Portuguesa contra a Leucemia?

 A APCL foi criada em janeiro de 2002, por médicos e ex-doentes do IPO. O balanço destes 19 anos é bastante positivo, tendo em conta os objetivos já alcançados. Da progressão realizada no registo de dadores de medula óssea, do investimento no apoio à Investigação Científica, dos apoios sociais concedidos, da informação prestada a doentes e seus cuidadores, à Casa de Acolhimento – a Casa Porto Seguro, são realidades que demonstram a necessidade e a utilidade da existência de uma Associação como a APCL.

Qual o motor que impulsionou a sua criação?

O 1º grande objetivo da APCL foi, sem dúvida, incrementar de uma forma rápida, o registo de dadores de medula óssea, que falarei à frente. Outro objetivo importante foi a concessão de apoios sociais a doentes e familiares financeiramente carenciados. Deparámo-nos, por diversas ocasiões, com familiares de doentes, que se deslocavam a Lisboa, vindos de todas as zonas do país, para o, tão importante, acompanhamento do doente, a não terem onde pernoitar, fazendo-o na viatura no parque de estacionamento dos hospitais, e limitando-se a uma refeição diária, a que o próprio hospital fornecia. Estas situações deixaram-nos com a angústia de algo ter de fazer para ultrapassar tão delicada situação.

A concessão de apoio financeiro, e perspetivando já a construção de uma Casa de Acolhimento, foram os instrumentos que tivemos ao nosso alcance para minimizar tão difícil situação.

Um dos marcos da sua presença foi o desenvolvimento do Registo de Dadores Voluntários de Medula Óssea em Portugal. O CEDACE passou de último lugar nos rankings mundial e europeu (no final de 2002, o registo tinha 1.625 dadores inscritos) para o lugar de 3º maior registo da Europa e 5º maior do Mundo, tendo finalizado o ano de 2011 com 277.938 dadores tipados. O que isto significa?

E se formos ver os números atuais, são francamente superiores aos verificados em 2011. Conforme referi, este foi o 1º objetivo da APCL. Sem um registo de dadores robusto dificilmente um doente que não tenha um familiar compatível, conseguirá encontrar um dador que lhe permita equacionar um transplante.

O registo português em 2002 era demasiado incipiente, e de facto, com o esforço da APCL e do CEDACE, foi possível chegar onde se chegou, e hoje é um motivo de satisfação sabermos que este esforço serviu para a doação de medula a doentes sem dador familiar compatível, tanto em Portugal, como no estrangeiro.

Para além disso, ao longo destes anos a APCL tem contribuído para a investigação em Portugal. Que projetos destaca neste âmbito? Quais os grandes parceiros nesta área?

A APCL tem incentivado ao longos dos anos, o aparecimento de oportunidades de investigação na área da hemato-oncologia em Portugal. Todos os projetos que beneficiam de Bolsas promovidas pela APCL são selecionados de forma criteriosa através de um júri isento e qualificado. Todos os projetos são selecionados por terem qualidade e viabilidade, e por permitirem a sua continuidade após o término da Bolsa. Os grandes parceiros que nos têm apoiado são a Sociedade Portuguesa de Hematologia e empresas que têm investido nesta área, não só da indústria farmacêutica, como de outros ramos empresarias, o que muito nos satisfaz, pois significa a utilidade deste investimento.

Qual a importância da atribuição de bolsas de investigação, por exemplo? E quantas bolsas já foram atribuídas pela APCL?

É importante que se dê, aos nossos médicos e investigadores a possibilidade de fazerem investigação em Portugal, e é também importante contribuirmos para o desenvolvimento da ciência na área da Hemato-oncologia.

Desde 2003 até 2020 a APCL atribuiu 23 bolsas de investigação científica, o que revela a apetência dos investigadores para estas bolsas e a sua importância para a investigação no nosso País.

No âmbito da sua missão de apoio aos doentes com leucemia, a APCL colocou ainda o desafio de criar uma Casa de Acolhimento para doentes hemato-oncológicos e seus familiares. Em que consiste o projeto Casa Porto Seguro?

A Casa Porto Seguro é uma casa de acolhimento para doentes e familiares financeiramente carenciados. Conforme atrás referi, desde cedo nos deparámos com uma lacuna nesta área, levando a que familiares de doentes pernoitassem nas suas viaturas no parque de estacionamento dos hospitais, e que doentes que vem de longe, tenham de ficar a residir em quartos e pensões, sem o ambiente e conforto tão necessários a quem passa por situações de saúde tão difíceis. Desde cedo que a APCL procurou um espaço que pudesse vir a ser a Casa que desse esse ambiente e conforto.

Não foi fácil, batemos a muitas portas, até que finalmente após anos de espera, a Câmara Municipal de Lisboa, cedeu à APCL um pequeno prédio, muito perto do IPO e de Santa Maria, para aí ser criada a 1ª Casa de Acolhimento para doentes hemato-oncológicos e seus familiares financeiramente carenciados.

O espaço terá 8 quartos, todos com casa de banho, uma zona de convívio, uma cozinha comunitária, e um pequeno espaço exterior. É intenção da APCL que o único custo que os residentes venham a ter de suportar, seja o das suas refeições, que serão por eles cozinhadas. Tudo o resto será encargo da APCL.

A obra de remodelação total do edifício teve o seu início em novembro de 2020, prevendo-se a sua conclusão em novembro deste ano de 2021, quando esperamos receber os primeiros residentes.

Agora falta o recheio da Casa Porto Seguro, com as mais diversas necessidades, de camas, a colchões, roupa de cama e de banho, utensílios de cozinha, mesas de apoio aos quartos, mesas de casa de jantar, iluminação, etc. tudo um mundo de coisas para as quais vamos ter de procurar junto de empresas beneméritas, que se queiram associar a este tão importante empreendimento.

A APCL disponibiliza ainda apoio social a doentes. Quem pode requerer a este apoio e como pode formalizar o pedido?

O apoio social a doentes é uma área que tem vindo a crescer nos últimos anos. Tal facto deve-se, mais recentemente à pandemia provocada pelo SARS COV 2, sobretudo à situação económica em que as famílias vivem.

Não esquecer que, quando alguém é diagnosticado com uma doença hemato-oncológica, necessita de fazer tratamentos prolongados, com os efeitos imediatos no seu bem-estar, o que implica ter de pôr de parte a sua situação laboral, ficando indisponível para o trabalho. Igualmente o seu cuidador tem de o acompanhar, com os reflexos na sua atividade profissional também.

Para minorar esta dificuldade, a APCL apoia financeiramente estes doentes. O pedido de apoio tem de ser dirigido à Assistência Social do hospital que segue o doente, que analisa a situação proposta, elabora um relatório que envia à APCL, com a indicação do montante e da duração do apoio.

O conselho de administração da APCL analisa e, sendo o caso, aprova.

Para além disso, a APCL está desde o início empenhada em contribuir para a literacia na área da hemato-oncologia com a promoção de campanhas de informação e sensibilização e até worshops sobre as diversas patologias e temas ligados a esta área. Qual o balanço que faz desta atividade?

A APCL desenvolve muita atividade nesta área da informação e literacia. É por demais importante que os doentes e seus cuidadores, estejam informados acerca da sua doença, novos tratamento e medicamentos. Esta informação, por motivos vários, nem sempre é transmitida nas consultas de acompanhamento da doença, daí a necessidade que associações de doentes, como é a APCL, o façam.

A APCL tem produzido muito material de informação, quer em termos físicos, quer alojada no seu site. Temos realizado seminários sobre as diversas patologias, com a presença de médicos, enfermeiros, técnicos, nutricionistas, com esse objetivo de prestar informação atual. De início fizemo-lo de forma presencial, mas nestes últimos tempos temos vindo a realizá-los de forma telemática, recorrendo aos “webinares”. Nos últimos 6 meses realizámos 6 sessões destas.

Igualmente levámos a cabo as 1ªs Jornadas Nacionais da APCL. Num fim de semana, durante um dia e meio juntámos doentes cuidadores e familiares, para assistirem e debaterem com especialistas de diversas áreas, temas de importância relevante e atual, podendo colocar questões sobre as suas preocupações, e obter da parte desses especialistas a resposta às mesmas. Foi um marco importante, e queremos que estas jornadas sejam uma referência anual para toda esta comunidade.

Paralelamente, a APCL realiza workshops temáticos como por exemplo de maquilhagem e nutrição, os quais foram interrompidos por força da situação pandémica. Neles pretende-se transmitir aos doentes e seus cuidadores informação, no caso da maquilhagem, o que utilizar, como utilizar produtos que não sejam tóxicos para a pele, por exemplo, e no caso da nutrição informar que tipo de alimentos, a que temperaturas e em que fases, se podem usar no percurso por que passa a doença. Vamos ter de puxar pela imaginação para os continuar a realizar, mesmo de uma forma virtual.

No âmbito das doenças hemato-oncológicas, e uma vez que recentemente se assinalou o Dia Mundial das Doenças Raras, qual o posicionamento da APCL quanto a estas patologias, nomeadamente na área dos Linfomas?

Estamos agora a dar os primeiros passos para a criação de mais informação para disponibilizar aos doentes e cuidadores no que diz respeito aos Linfoma Cutâneo das Células T, reconhecendo a importância de dar apoio a esta comunidade de doentes.

Os primeiros conteúdos serão disponibilizados no website da APCL.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
APCL