Enfermeiros que nas mãos têm remédio para a dor oncológica

10 anos de Terapias Não Farmacológicas no Instituto Português de Oncologia de Coimbra Francisco Gentil

Atualizado: 
29/12/2015 - 15:39
Maria Lisete perdeu os dois seios, mas o mal continuou a alastrar. A Maria Albertina sofre com as metástases que já se disseminaram pela zona lombar. São duas das muitas, e muitos, doentes que diariamente aí procuram a redenção do cancro. São também duas histórias de pessoas cujas vidas melhoraram graças à ousadia e persistência de um pequeno grupo de enfermeiras e um enfermeiro.

Em 2005 começaram a praticar a massagem terapêutica para aliviar colegas das dores do corpo e da alma geradas por um quotidiano de chumbo a melhorar vidas desoladas.

A massagem resultava em colegas. Porque não com ela amansar as dores oncológicas, a dor emocional e a dor da doença? O sucesso chegou, nos resultados sentidos pelos pacientes. O toque, o movimento e a pressão de mãos sabedoras conseguiam iludir as fortíssimas dores resultantes da doença, que até potentes fármacos não conseguiam dissipar.

Maria Lisete e Maria Albertina recuperaram a alegria de viver
Maria Lisete e Maria Albertina recuperaram a alegria de viver, e de estar com os outros, graças a esse tratamento não farmacológico de alívio da dor. No seu infortúnio sentem-se hoje bafejadas pela fortuna, por terem sido integradas em programas dessas terapias. 

No início eram poucas enfermeiras e enfermeiros. Hoje já chegam à dezena. De projeto experimental, em 2011 passou a Grupo de Terapias Não Farmacológicas da Unidade da Dor. Os resultados paulatinamente aferidos, e os testemunhos e evidências dos doentes, foram confirmando que consorciando-se as duas terapias, a farmacológica e a não farmacológica, o alívio da dor atinge níveis não antes alcançáveis.

Atualmente o grupo de dez enfermeiros consegue atender cinco doentes em cada um dos dois dias da semana que lhes estão reservados, a terça e quarta-feira. A expetativa é aumentar, paulatinamente. É já prática terapêutica consolidada no Instituto Português de Oncologia de Coimbra, a única instituição pública de saúde do país que a integrou entre os serviços que presta à comunidade.

"O intuito é alargar. O benefício tem sido muito grande e o feedback muito positivo com os nossos doentes. Quero crer que dentro de algum tempo isso seja possível, e alargado aos cinco dias da semana", revela a enfermeira Dulce Helena, Chefe do Serviço de Cirurgia do IPO e coordenadora do grupo.

O conhecimento dos seus benefícios tem feito crescer a procura por doentes, e o número de pacientes encaminhados pelos médicos tem também aumentado, mas muitas vezes não é possível integra-los nos programas de 8 semanas pré-estabelecidos para cada um.

Maria Albertina há 14 anos é adepta das denominadas medicinas complementares, mas desde que está integrada neste programa de terapias não farmacológicas não tem dúvidas de que elas deveriam fazer parte dos cuidados oferecidos em todos os hospitais e centros de saúde.

"Dão-nos uma força interior que não sabemos onde vamos buscar"
"Realmente acalmam-nos. Dão-nos uma força interior que não sabemos onde vamos buscar. Estou sempre bem comigo mesmo. Deram-me essa possibilidade e achei fantástico, e tenho usufruído dela com alma e coração, e tem-me feito muito bem", afirma. Teve conhecimento dessa via de alívio da dor numa altura em que andava a receber radioterapia.

 

Maria Lisete teve cancro da mama. Em 2007 realizou a mastectomia à direita, e em 2008 à esquerda. Em 2009 teve "a sorte" de ser remetida à Consulta da Dor, numa altura de "dores terríveis" que não cediam com nenhum dos medicamentos prescritos.

"Realmente, estar doente é muito mau, mas ter dor é muito pior. Dor que não cede a nada, dor que martiriza, dor que desgasta e nos tira até um bocado de dignidade, porque é brutal. A luz no meu caminho foi a Consulta da Dor. Não só a medicação da dor, mas o acompanhamento terapêutico da dor sob a forma de massagem, com mãos mágicas, solícitas, tranquilas, que apaziguavam as dores da alma e as dores do corpo", explica.

Ao olhar para trás, Maria Lisete afirma que isso foi o que a "salvou verdadeiramente", pois ajudou-a a cuidar de si, a reativar um papel na família, a lidar com o medo, a recuperar a autoestima, a mobilidade, a maneira de estar positiva na vida perante as adversidades.

"Os enfermeiros dão-nos tudo. Dão-nos o amor, o carinho. Ao fazerem-nos as massagens transmitem-nos aquilo que pensam. Isso é muito importante, porque nos transmitem confiança", observa Maria Albertina.

Doente quer oferecer Euromilhões para melhorar instalações
Ciente dos benefícios, Maria Lisete não se conforma que o IPO de Coimbra ainda não tenha conseguido encontrar instalações mais amplas para mais doentes poderem beneficiar das massagens e demais terapias não farmacológicas. Até já fez a promessa de doar uma parte do prémio do Euromilhões, se lhe sair.

Revela que o bem-estar, a ausência de dor após as sessões é de tal ordem que dá para esquecer que se padece de doença oncológica.

"Eu costumava dizer: eu saio daqui com menos 20 anos e menos 20 quilos, porque saio nas nuvens, sem dor nenhuma. Parece incrível! Até a mim me parecia incrível, mas é a verdade. Dor zero, mobilidade toda. Claro que passados alguns dias a coisa vai e vem, mas nunca mais tive aquele quadro de dor, nem o quadro de atrofiamento psicológico à conta da dor", acentua.


Entre os serviços que o grupo oferece encontram-se a massagem, nas suas várias vertentes, a aromoterapia, a reflexologia, a aplicação de calor e frio e o relaxamento.

Quando um doente é encaminhado para o grupo de enfermeiros das terapias não farmacológicas de alívio da dor, este é avaliado sobre a sua adequação a elas, e depois elaborado um plano individual de tratamento. Na primeira sessão recebe os ensinos indicados para o seu caso, se possível em conjunto com membros da família.

Personalização dos cuidados
"Personalizamos os cuidados de enfermagem. Os doentes são únicos e os diagnósticos acabam por ser únicos, adaptados à pessoa", afirma a enfermeira Cristina Costeira, que integra o grupo há quatro anos.

O sucesso destas terapias no IPO, segundo a coordenadora do grupo, enfermeira Dulce Helena, muito se deve à preocupação que os enfermeiros têm tido em se atualizar, em investigar e produzir ciência.

Entre eles há quem se tenha já doutorado nessa área, outros já produziram trabalhos de mestrado. Esse esforço proporcionou ao grupo em 2013 a atribuição do Prémio Prof. Luís Raposo.

"Quando os doentes dizem ter uma dor de grau 6 ou 7, muito grande mesmo, e após a sessão e quando vêm à sessão seguinte com uma dor zero, não há nenhum cuidado de enfermagem que não valha a pena quando nós temos esta mais-valia do doente", acentua a enfermeira-chefe Dulce Helena.


As enfermeiras Cristina França e Ana Lúcia Morais e o enfermeiro Sérgio Santiago foram os pioneiros na criação deste grupo, há 10 anos, que foi crescendo, melhorando e ampliando a capacidade de resposta aos utentes. Além dos três, o Grupo de Terapias Não Farmacológicas integra agora as enfermeiras Anabela Nunes, Célia Moita, Carla Rato, Cristina Costeira, Raquel Nogueira, Dulce Helena e Mónica Duarte.

10 anos de Terapias não Farmacológicas

Enfermeira Diretora Soledade Neves

O IPO de Coimbra como instituição de referência em oncologia na Região Centro e no País, assenta num modelo de organização da sua atividade assistencial orientado para a Pessoa, numa abordagem multidisciplinar e multiprofissional da Pessoa com cancro. Esta abordagem, consubstancia-se numa equipa de colaboradores fortemente empenhada que exerce a sua atividade num permanente exercício de melhoria contínua da qualidade dos cuidados que presta.

Foi com base nestes pressupostos que sempre acreditámos que a massagem terapêutica acrescentaria valor aos cuidados de saúde a prestar ao doente com dor crónica.

Nem todos os doentes com cancro têm dor, mas no doente com dor, é ele o único juiz da sua dor e só a ele cabe avaliar a sua intensidade e o seu desconforto. Há múltiplos fatores que afetam o limiar da dor, e para alguns doentes com dor crónica oncológica a complementaridade de terapêuticas farmacológicas e terapêuticas não farmacológicas traduz-se num melhor controlo da dor do doente.

Ao longo dos 10 dez anos de atividade profissional, a equipa da Unidade da Dor, na qual se inclui o Grupo de Enfermeiros da Massagem Terapêutica, tem realizada a avaliação do trabalho desenvolvido, sendo esta avaliação muito positiva. Assim projetamos, logo que estejam reunidas as condições quer ao nível dos recursos humanos quer de espaço, aumentar a disponibilidade desta terapêutica para mais dias da semana.

Aumento da procura das terapias

Enfermeira Chefe Dulce Helena

Após concretização dos 10 anos de implementação de terapias não farmacológicas, a equipa tem-se defrontado com incitações desafiantes como sejam o aumento da procura destes cuidados de enfermagem, pelos doentes com dor, que gradualmente vão reconhecendo os benefícios destas terapias. Este facto tem fomentado nos elementos do grupo uma preocupação por atualização técnico-científica de forma a garantir segurança e qualidade de prestação de cuidados.

O reconhecimento nacional destas práticas tem contribuído para o aumento de solicitações a nível formativo e de troca de experiências de Enfermeiros de outras Instituições de Saúde, para tentarem reproduzir este modelo de complementaridade de cuidados, nas suas organizações.

O grupo reconhece que, apos 10 anos, o maior desafio que enfrenta é o aumento da oferta destes cuidados, de forma a garantir equidade dos mesmos, para todos os doentes nas mesmas condições e com as mesmas necessidades.

Autor: 
Francisco Fontes
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Enfermeiro José António Ferreira