Doença hereditária rara

«Quando a minha mãe engravidou não sabia que eu podia herdar a mutação da XLH»

Atualizado: 
11/07/2023 - 13:43
Com uma expressão clínica muito variável, “podendo ser diferente entre doentes da mesma família”, a XLH é uma doença hereditária rara que resulta de mutações no gene PHEX que prejudicam a reabsorção renal de fosfato. De acordo com a especialista em Endocrinologia, Olga Gutu, “o défice do fósforo impede a adequada mineralização óssea, ou seja, a formação normal do osso”. “Maria” e “Laura”, mãe e filha, sofrem ambas de raquitismo hipofosfatémico e contam como lidam com uma patologia que já lhes roubou vários sonhos: “não quero ter filhos, porque não quero que um filho meu tenha as mesmas limitações que eu tenho”, revela “Laura”.

A XLH é uma doença multissistémica crónica, progressiva e debilitante, com prejuízo das funções físicas e da qualidade de vida. Segundo a endocrinologista do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, na maior parte dos casos, a XLH manifesta-se “durante o processo da aquisição da marcha, sendo particularmente evidente entre o primeiro e o segundo ano de vida”. O encurvamento progressivo dos membros inferiores é, como explica a médica, o primeiro sinal de alerta.

Outros sinais e sintomas pediátricos incluem “bossa frontal por fusão prematura de suturas cranianas, atraso da erupção dentária, dores ósseas, fraqueza muscular, atraso da aquisição da capacidade de marcha e marcha defeituosa”.

No entanto, alerta que, embora o diagnóstico seja feito quase sempre em idade pediátrica, não é raro que surjam casos cujo diagnóstico aconteça em fases mais tardias. Tudo depende da gravidade da doença. “Existem formas graves diagnosticadas na infância e formas menos graves com, por exemplo, apenas presença de baixa estatura sem deformidades ósseas que levam ao diagnóstico na idade adulta”, explica a médica.

Nos adultos, a clínica inclui, além de deformidades ósseas também dor óssea crónica ao nível das articulações, dor e fraqueza muscular, osteoartrites, pseudofraturas e fraturas recorrentes. Segundo Olga Gutu, é ainda frequente a ocorrência de abcessos (infeções) dentários espontâneos e alguns doentes podem desenvolver uma diminuição da acuidade auditiva.

Para além de condicionar a mobilidade dos doentes, esta patologia acarreta ainda um elevado impacto psicológico. “A incapacidade pode levar à depressão e influenciar a habilidade de trabalho e de executar as tarefas do dia-a-dia”, acrescenta a médica.

“Laura”, atualmente com 46 anos, conta que, no seu caso, a suspeita de sofrer de raquitismo chegou quando tinha apenas três meses de idade. “A minha mãe ficou desesperada com a notícia”, comenta recordando que foi imediatamente encaminhada para consulta no Hospital de Santa Maria, onde foi feito o diagnóstico de XLH. 

“Desde os dois anos, fui submetida a análises ao sangue, de três em três meses, para aferir os níveis de fósforo, cálcio, vitamina D, fosfatase alcalina, creatinina, no sangue. Os médicos sempre afirmaram que era uma doença ligada ao X”, adianta explicando que aos dois anos a curvatura das pernas tornava demasiado evidente o problema de que sofria.

“A minha mãe foi diagnosticada com raquitismo em criança, por ter as pernas arqueadas. Aconselhavam-na a ir para a praia e a tomar óleo de fígado de bacalhau…”, começa por contar quanto à hereditariedade da doença. “Quando a minha mãe estava grávida, informou os médicos de que tinha raquitismo, tendo-lhe sido transmitido que essa doença não passava de pais para filhos”, acrescenta.

“Maria” estava já grávida da segunda filha, quando “Laura” recebe o diagnóstico de XLH. Felizmente, o segundo bebé não herdou a mutação que está na origem desta patologia.

“Apenas quando eu tinha dois anos, se soube, que, tal como eu, também a minha mãe tinha raquitismo hipofosfatémico. Ela tinha 22 anos”, recorda “Laura”.

Após este diagnóstico deu início ao tratamento. Entre os 4 e os 5 anos, foi operada para endireitar as pernas. “Com o passar do tempo, voltaram a arquear, e voltei a ser operada aos 14, 16 e 18 anos, para realinhamento tibial”, explica “Laura” admitindo, no entanto, que desenvolveu, ao longo dos anos, algumas limitações ao nível da mobilidade. “Dificuldade em dobrar os joelhos, pouca força nas pernas, falta de elasticidade, mas vou-me adaptando. Faço o que posso e não faço o que não consigo”, comenta.

“Tenho problemas dentários, porque, com o passar do tempo, alguns dentes começam a abanar, até caírem de todo. Tenho 8 dentes em falta, substituídos por prótese. Dois estão a abanar e espero que não caiam tão cedo”, acrescenta, admitindo, no entanto, que é a mãe quem sofre com mais complicações. “A minha mãe tem ainda mais limitações do que eu e muitas dores no corpo todo, sobretudo nas articulações. Muitas vezes não pode andar durante muito tempo, devido às dores. Apenas possui meia dúzia de dentes originais, porque os outros caíram e usa placa, revela.

“Maria”, também foi operada: “aos 8 e aos 14 para endireitar as pernas, que estavam arqueadas. Aos 31, foi operada à anca, para corrigir a posição dos ossos”.

Para além do impacto físico, ambas admitem que o impacto psicológico desta doença nem sempre foi fácil de gerir.

“Sempre tive consciência de ter uma doença sem cura e de ter limitações que os meus colegas não tinham. Nas aulas de Educação Física sempre tive mais dificuldades do que eles”, recorda “Laura” acrescentando que apesar de nunca se ter sentido “propriamente mal” por isso, na adolescência sentia-se diferente. Em virtude das várias cirurgias, atualmente não usa saias, “para não mostrar as cicatrizes nas pernas”. E tomou a decisão de não ter filhos. “Não quero ter filhos, porque não quero que um filho meu tenha as mesmas limitações que eu tenho. Esta doença é causa de sofrimento e não quero que se perpetue na minha família. Quero que termine aqui”, afirma recordando o desespero que a mãe sentiu quando soube do seu diagnóstico.

Conhecer a doença é essencial para um diagnóstico precoce

“O raquitismo hipofosfatémico ligado ao X é uma doença multissistémica que se manifesta em idade precoce. Contudo, devido à sua raridade, existe muito desconhecimento da mesma por parte dos prestadores de cuidados de saúde o qual, acoplado à inespecificidade das suas primeiras manifestações, determina atrasos significativos no seu diagnóstico que condicionam pior prognóstico”, afirma Olga Gutu, a médica especialista do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central.

De acordo com a especialista “existem várias plataformas que visam aumentar o conhecimento sobre a doença, a importância do diagnóstico atempado, do tratamento adequado e do seguimento a longo prazo” que importa conhecer.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
ANDO Portugal — Associação Nacional de Displasias Ósseas