Doença neurodegenerativa progressiva

Complicações respiratórias são a principal causa de morbilidade e mortalidade na Esclerose Lateral Amiotrófica

Atualizado: 
21/06/2023 - 15:47
Sem causa conhecida, a Esclerose Lateral Amiotrófica “constitui a forma mais comum de doença adquirida do neurónio motor”, estimando-se que em cerca de 10% dos casos possa ter um envolvimento genético. Tratando-se de uma doença neurodegenerativa progressiva que compromete a inervação motora, a paralisia, incluindo dos músculos que asseguram a respiração, torna-se inevitável. Isabel Martins tem 37 anos e há três que é totalmente dependente de ventilação mecânica, contanto com o apoio de uma equipa de cuidados respiratórios domiciliários. “Estes profissionais fazem a ponte com médicos e cuidados paliativos, garantindo um apoio fundamental na gestão da doença”, revela a mãe e cuidadora informal, Angelina de 62 anos.

Estimando-se uma prevalência, “na Europa e América do Norte, entre 2.7 e 7.4 por 100.000 habitantes, discretamente mais elevada no género masculino”, a Esclerose Lateral Amiotrófica é, como explica Bárbara Ramos, especialista em pneumologia e responsável pela consulta de Ventilação Não Invasiva da Unidade Local de Saúde do Alto Minho (ULSAM), “uma doença neurodegenerativa progressiva, que causa fraqueza muscular, incapacidade e insuficiência respiratória grave levando, eventualmente, à morte”.

De acordo com a especialista, “a manifestação clínica inicial da ELA pode ocorrer em qualquer segmento do corpo”, sendo a fadiga e a fraqueza assimétrica dos membros a apresentação mais comum, atingindo entre 80 a 90% dos casos. “Uma percentagem menor pode apresentar perturbação na fala (disartria) ou na deglutição (disfagia), sendo menos comum a fraqueza dos músculos respiratórios, como forma de apresentação da doença”, adianta.

“O sistema respiratório é constituído pelos músculos inspiratórios, que são os que mais contribuem para a ventilação, pelos músculos expiratórios, que contribuem para a expiração forçada e para os esforços/reflexos expulsivos, como a tosse e, por último, pelo sistema bulbar, que protege a via aérea”, começa por explicar a médica sobre o impacto da doença na função pulmonar.

Segundo Bárbara Ramos, a fraqueza dos músculos implicados na respiração levam a uma “falta de ar (dispneia) progressiva ou a uma respiração superficial rápida (taquipneia), podendo resultar na incapacidade em permanecer deitado (ortopneia) e contribuir para distúrbios respiratórios do sono”. “Ao exame objetivo podemos constatar a utilização da musculatura respiratória acessória e a presença de respiração paradoxal (movimento para dentro do abdómen durante a inspiração)”, acrescenta revelando que entre os sintomas hipoventilação noturna estão “as cefaleias matinais, a sonolência diurna excessiva, a fadiga, as alterações de memória, entre outras”, que resultam da obstrução das vias aéreas superiores e da diminuição da atividade muscular inspiratória.

“Quando há acumulação de dióxido de carbono (hipercapnia), podemos constatar alterações do comportamento, como confusão mental ou letargia”, alerta.

Por outro lado, explica a médica, também a tosse pode estar comprometida por fraqueza das vias aéreas superiores e dos músculos inspiratórios/expiratórios. “A afetação da capacidade de tossir e a disfagia, para líquidos, sólidos ou mesmo com as secreções, aumentam o risco de infeções respiratórias por aspiração e contribuem para a desnutrição/desidratação do doente”, revela afirmando ainda que “a disfunção bulbar pode ainda manifestar-se por hipersalivação, disartria, fraqueza facial, entre outras”.

Deste modo, avança ser essencial a avaliação da capacidade vital, com recurso a provas de função pulmonar. “Sabemos que uma diminuição na capacidade vital está frequentemente associada a sintomas respiratórios e que valores abaixo do previsto estão relacionados com risco de insuficiência respiratória”, justifica.

Embora, a progressão da doença seja variável e o atingimento dos músculos respiratórios possa ocorrer meses ou anos após a fraqueza progressiva dos membros e/ou dos músculos bulbares, “mesmo na ausência de sintomatologia respiratória, este tópico deve ser alvo de discussão na consulta, com vista a alertar para os sintomas associados e permitir que o doente se familiarize com os exames complementares incluídos na vigilância”. Para Bárbara Ramos, é crucial que este conheça as opções de tratamento disponíveis, “como o suporte ventilatório ou, em fases mais avançadas, a traqueostomia, por forma a tomar decisões conscientes”.

O tratamento para a insuficiência respiratória no doente com ELA

Segundo a pneumologista, “a VNI constitui o tratamento de eleição na insuficiência respiratória no doente com ELA, com recurso a ventiladores em modo binível, complementada por outras terapias como os mecanismos de tosse assistida e a cinesioterapia respiratória”.

“Os modos ventilatórios disponíveis são vários, incluindo os controlados por pressão, controlados por volume ou volume assegurado, sendo que não existe evidência de benefício de um modo em detrimento do outro. O doente é ajustado a uma interface, normalmente facial para minimizar as fugas e garantir a ventilação adequada, que é conectada a um ventilador por meio de um tubo. São definidos os parâmetros para cada doente, avaliando a resposta clínica e em exames complementares às medidas instituídas. A ventilação pode ser ajustada ao longo do tempo, mediante resposta e necessidades”, explica.

Por outro lado, a traqueostomia pode ser considerada e proposta ao doente (se exequível), “sempre que existe dificuldade no manuseamento de secreções apesar das terapias adjuvantes, nos que requerem VNI contínua, mas tem alguma contraindicação como a disfunção bulbar grave, não toleram a terapia ou a mesma já não é suficiente ou, naqueles cujo desmame da ventilação mecânica invasiva não é possível”. “Importa destacar que, dependendo do suporte em ambulatório, o doente traqueostomizado pode ter alta para o seu domicílio, progredindo os cuidados no seu ambiente”, acrescenta.

“A avaliação da força da tosse é feita como parte da avaliação diagnóstica da fraqueza muscular respiratória, e monitorizada ao longo do tempo. A insuflação-exsuflação pode ser realizada com recurso a um dispositivo mecânico (dispositivo de tosse assistida). Durante a insuflação, é aplicada uma pressão positiva, que resulta num volume corrente inspirado. A pressão torna-se negativa e é suficiente para gerar um fluxo, com o objetivo de insuflar e esvaziar o pulmão, contribuindo para uma adequada limpeza das secreções”, acrescenta quanto às técnicas terapêuticas que a doença exige.

Neste sentido, e tratando-se de uma patologia que requer inúmeros cuidados diário é essencial o apoio de uma equipa especializada para acompanhar o doente e o seu cuidador.

“Os cuidados respiratórios domiciliários (CRD) surgem a partir do momento em que se identifica, na consulta de Pneumologia, a necessidade de implementar alguma das terapêuticas acima descritas. Desde o início do tratamento, seja com mecanismos de tosse assistida ou com ventilação, a equipa de CRD constitui um elemento fulcral no ajuste ao tratamento, monitorização da adesão e da resposta clínica, assim como na resolução de problemas”, revela a médica.

“A assistência é diária, mediante contacto efetuado pelo doente/cuidador ou de forma regular por parte dos profissionais de saúde que integram os CRD, com a periodicidade necessária. Esta pode diferir mediante a patologia, a fase da doença e as necessidades identificadas no doente ou seu cuidador. Toda a informação vital é transmitida ao Pneumologista assistente, como parte da vigilância em consulta ou com vista à resolução de problemas identificados”, comenta explicando que a equipa é constituída por “Enfermeiro, Técnico de Cardiopneumologia ou Fisioterapeuta”, que se encontra em total articulação com o Médico prescritor.

«Sempre que necessário, estas equipas dizem o que fazer, esclarecem dúvidas e agilizam consultas e exames»

Isabel, atualmente com 37 anos, sobrevive graças ao suporte ventilatório, contando com o apoio de uma equipa de cuidados respiratórios domiciliários “há cerca de três anos e meio”.

“Estes cuidados são fundamentais, porque sem o equipamento já não conseguia respirar sozinha. Além de eu ajudar com as máquinas, as equipas especializadas, compostas nomeadamente por enfermeiros, fazem visitas de dois em dois dias. Estes profissionais fazem a ponte com médicos e cuidados paliativos, garantindo um apoio fundamental na gestão da doença”, revela Angelina Fernandes, mãe e cuidadora informal de uma doente com Esclerose Lateral Amiotrófica.

Isabel tinha 31 anos quando foi diagnosticada com a doença. Na altura, recorda a mãe, “a primeira manifestação da doença foi essencialmente a falta de força num dos pés durante alguns meses”. Ao fim de um ano foi internada, dando-se início ao processo de diagnóstico. Um processo que revela, Angelina, não foi fácil: “só após um ano ter tido as primeiras manifestações, ser internada e fazer vários exames, é que se chegou ao diagnóstico”.

“Receber uma notícia destas é complicado. No início, a Isabel consultou uma psicóloga, para ter apoio na aceitação da doença. Foram poucas consultas, porque muito rapidamente deixou de se conseguir deslocar ao consultório e não podiam vir a casa”, recorda admitindo que sabendo pouco sobre a doença, recorreram à internet para saber mais. “Mais tarde, o médico dos cuidados paliativos explicou melhor a doença”, conta.

Angelina recorda que a progressão da doença tem sido rápida no caso da filha. “Numa fase inicial, as pernas começaram a falhar, tinha pouca força nas pernas e caía. Durante cerca de um ano (primeiro ano com a doença diagnosticada), a Isabel continuou a trabalhar e usava bengala. Depois, teve de começar a usar cadeira de rodas, uma vez que deixou de ter força para usar bengala. Nessa altura deixou de trabalhar e eu, enquanto cuidadora informal, deixei também o meu trabalho para poder estar e dar apoio à Isabel”, explica revelando que desde aí que tem vivido completamente dependente. “Desde essa altura está ligada a máquinas e recebe cuidados respiratórios domiciliários. Antes de ser eu a cuidar dela, era o companheiro na altura”, afirma admitindo que “sobreviver” e conviver com a ELA é muito “complicado”. “Tanto para a Isabel como para mim, enquanto mãe e cuidadora. É viver um dia de cada vez”.

Angelina lamenta que os apoios estatais a estes doentes e seus cuidadores sejam parcos. “A Isabel está reformada e recebe o valor da reforma. Eu, enquanto cuidadora informal, recebo um apoio de valor muito reduzido. É muito complicado, pois com o pouco que recebemos não é possível fazer frente às diversas despesas do dia a dia nem às despesas inerentes à doença, como por exemplo fraldas”, exemplifica.

Segundo esta mãe e cuidadora informal é preciso muita força, muita coragem e “principalmente, muito amor” para lidar com tudo o que esta doença implica e representa. “Não é fácil, mas enquanto cuidadores fazemos tudo o que está ao nosso alcance para apoiar e melhorar a qualidade de vida da pessoa que vive com a doença e pela qual temos um grande afeto”, diz.

Segundo Bárbara Ramos, “recorrer a uma associação de doentes com a mesma condição, onde são partilhadas experiências idênticas, pode constituir uma mais-valia. Importa reforçar a importância do apoio familiar ou de amigos próximos”.

Além disso, reforça que é essencial que o doente e familiares se aconselhem “acerca das fontes mais adequadas para obter informação adicional acerca da doença, evitando a ansiedade que a “desinformação” pode causar”.

“Ao conhecer os receios do doente e seus cuidadores, ao esclarecer as principais dúvidas e ao compreender os objetivos, o Médico pode ajudar nas decisões de tratamento que forem surgindo. Importa destacar que, em todas as fases da doença, o doente tem direito a recusar um tratamento, que tinha sido previamente aceite”, sublinha a especialista.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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