A gravidez está associada a alterações, quase sempre normais e reversíveis, quer do doseamento de hormonas tiroideias, quer das dimensões da glândula. Estima-se, aliás, que esta esteja aumentada em 10 a 30% das mulheres grávidas, sem que seja comprometida a sua função. No entanto, em certos casos podem surgir alterações ao seu funcionamento.
“O hipotiroidismo (défice na produção de hormonas tiroideias) é a disfunção mais frequentemente encontrada na população em geral, e também na gravidez. A causa mais frequente de hipotiroidismo nesta idade é a inflamação crónica da tiroide, de etiologia autoimune – a tiroidite crónica autoimune (ou linfocítica ou de Hashimoto), na qual se desenvolvem anticorpos contra o tecido tiroideu e conduzem à sua destruição progressiva, limitando a sua capacidade de produção das hormonas tiroideias”, começa por explicar Helena Alves, especialista em Endocrinologia. Por outro lado, acrescenta a médica, os níveis baixos de iodo podem originar na mulher grávida aquilo a que se chama hipotiroidismo subclínico – uma forma mais ligeira da doença -, daí que seja tão importante recorrer à suplementação desde o início da gravidez.
Segundo a especialista, as mulheres grávidas podem não notar os sintomas clássicos da doença, porque muitos destes sintomas aparecem associados também à gravidez normal. São eles: “aumento de peso, falta de forças, cansaço, obstipação”, e, em alguns casos, aumento do volume da glândula tiroideia, conhecido por bócio.
Embora ocorra com menos frequência – em menos de 1% de todas as gestações –, o hipertiroidismo é outra das disfunções da tiroide que podem afetar a mulher grávida. De acordo com Helena Alves, “se (o hipertiroidismo) existir previamente à gravidez e se for severo, conduz a abortamento precoce (no primeiro trimestre de gestação)”. Contudo, e embora a gravidez possa “causar sintomas similares aos do hipertiroidismo”, “se a grávida experienciar sintomas como palpitações, perda de peso ou vómitos persistentes, deve contactar o seu médico assistente, alerta a especialista.
“A avaliação da função da tiroide na grávida (sem alteração da função da tiroide conhecida antes da gravidez) deverá ser realizada assim que houver confirmação da gravidez (durante o primeiro trimestre)”, chama a atenção a endocrinologista, uma vez que, quando não tratada, qualquer disfunção pode ser prejudicial tanto para a mãe, como para o bebé.
“O hipotiroidismo se não estiver devidamente controlado, conduz geralmente a infertilidade ou dificuldade em engravidar. A presença de anticorpos anti-tiroideus (tiroidite crónica autoimune), por si só, aumenta o risco de aborto precoce”, começa por explicar Helena Alves.
A verdade é que, os níveis adequados de hormonas da tiroide são fundamentais para que a gravidez se desenvolva de forma normal, sobretudo para que ocorra o desenvolvimento fetal adequado, em especial ao nível do desenvolvimento neurológico do feto.
De acordo com a especialista, “vários estudos mostram que filhos cujas mães apresentaram hipotiroidismo não compensado durante a gravidez podem ter, mais tarde, dificuldades de aprendizagem, e ainda que, o hipotiroidismo severo materno pode conduzir a défices cognitivos graves nas crianças”.
Por outro lado, o hipotiroidismo pode ainda conduzir a hipertensão arterial na mãe, “pode levar a alterações no volume de líquido amniótico e a placenta abrupta (deslocamento prematuro de placenta)”. Existe ainda evidência de maior incidência de malformações fetais, nomeadamente fissura anal, comunicação intra-auricular (canal entre as duas aurículas do coração do feto), palato pequeno, polidactilia (dedos dos pés e/ou das mãos a mais) e atrésia biliar (falta de desenvolvimento dos canais biliares).
Quanto ao hipertiroidismo, como já foi referido, este “associa-se a aumento da incidência de abortamento”, e ainda à prematuridade e baixo peso ao nascer, pré-eclâmpsia, insuficiência cardíaca materna e morte fetal intrauterina.
“O tratamento do hipotiroidismo consiste na toma diária da hormona levotiroxina (T4), uma vez por dia, em jejum, dado que os alimentos, alguns medicamentos e suplementos interferem com a sua absorção” e não tem qualquer contraindicação durante a gravidez.
No caso do hipertiroidismo, o tratamento com iodo radioativo está absolutamente contraindicado durante a gravidez e “as cirurgias eletivas da tiroide (por exemplo, por nódulos), deverão ser adiadas para depois do parto”.
De entre as mulheres que apresentam maior predisposição para o desenvolvimento destas disfunções, durante a gravidez, estão “as mulheres com hipotiroidismo previamente conhecido e as mulheres com tiroidite crónica autoimune”.
“Se a mulher já tem doença tiroideia conhecida, a função da tiroide deverá estar controlada antes de planear a conceção. Deverá ser feito o doseamento das hormonas da tiroide (TSH, T4 livre) no sangue, em análises antes da conceção, para assegurar que estas se encontram nos níveis adequados para uma gravidez”, reforça a especialista em endocrinologia, sublinhando que “tendo em conta que os valores de referência para as hormonas tiroideias durante a gravidez são diferentes daqueles para a população em geral, as mulheres grávidas com disfunção tiroideia (estas) devem ser acompanhadas por um médico especialista”.
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[2] https://www.atlasdasaude.pt/taxo-categories/sistema-endocrino
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[6] https://www.atlasdasaude.pt/autores/sofia-esteves-dos-santos