À semelhança de outras doenças, o cancro do pâncreas é, frequentemente, uma doença silenciosa. Isto porque, quando os primeiros sintomas surgem, a doença já está, frequentemente, numa fase avançada. Também à semelhança de tantas outras doenças, a obesidade, uma dieta rica em gorduras sobretudo de origem animal, o tabaco, a diabetes mellitus não hereditária e a pancreatite crónica são factores de risco para o seu desenvolvimento. A incidência (número de novos casos por ano) deste tumor tem vindo a aumentar.
Segundo Manuela Machado, oncologista do IPO Porto, “tal facto poderá estar relacionado com esses factores de risco”, sublinhando que, “apesar de não haver nenhum método de prevenção do cancro do pâncreas, podemos inferir que hábitos de vida saudáveis como a evicção de consumo de tabaco e de bebidas alcoólicas em excesso, uma dieta equilibrada com ingestão reduzida de gorduras, privilegiando a ingestão de frutas e vegetais e a prática de exercício físico poderão reduzir o risco do aparecimento da doença”.
No pâncreas podem ocorrer tumores benignos ou malignos. O cancro (ou carcinoma) do pâncreas ocorre quando se formam células malignas no pâncreas. Os tumores malignos do pâncreas podem ser endócrinos ou exócrinos; 95% dos tumores malignos do pâncreas ocorrem no pâncreas exócrinos e, destes 95% são do tipo celular “adenocarcinoma”. Quando se fala em cancro do pâncreas, falamos do adenocarcinoma do pâncreas.
A doença, habitualmente, progride rapidamente e é bastante agressiva. Embora seja responsável apenas por 3% dos novos casos de cancro diagnosticados mundialmente, e representa, actualmente, a 4ª causa de morte por cancro no mundo. A sua incidência varia entre 1 a 10 casos/100.000 habitantes, sendo ligeiramente superior nos países desenvolvidos.
Actualmente, em Portugal, estimam-se que surjam 1225 novos casos por ano. Em 2008 a incidência e a mortalidade em ambos os sexos foi de 5,36 e de 6,8 por 100 mil habitantes, respectivamente. Já a sobrevivência global aos 5 anos, para todos os estadios é, actualmente, de 6%.
“Cerca de 5 a 10% dos cancros do pâncreas estão associados a síndrome hereditários, nomeadamente: síndrome de pancreatite crónica, cancro colorectal não polipoíde hereditário, síndrome hereditário atípico do melanoma mole múltiplo, cancro da mama e ovário hereditários, síndrome de Peutz Jeghers, ataxia telangiectasia, síndrome de lynch e cancro do pâncreas familiar”, explica a oncologista, sublinhando que esta última entidade - o cancro do pâncreas familiar - define-se como uma predisposição hereditária.
Manuela Machado disse ao Atlas da Saúde que “o cancro do pâncreas pode ocorrer em ambos os sexos e em todas as etnias, havendo, no entanto, um ligeiro predomínio no sexo masculino e na raça negra (versus a caucasiana). Esta é ainda uma doença cujo risco aumenta com a idade, sendo rara antes dos 40 anos de idade. A idade mediana ao diagnóstico é de 71 anos”.
Devido a este tipo de cancro ser, normalmente, assintomático durante muito tempo, o diagnóstico é feito, muitas vezes, tardiamente. Para além das manifestações clínicas, há análises de sangue, por exemplo, o doseamento dos marcadores tumorais (ca19,9 e cea), que podem ajudar no diagnóstico da doença. No entanto, a confirmação do diagnóstico implica a realização de vários exames, nomeadamente, “TAC abdominal com fase arterial e venosa, ressonância magnética, colangiopancreatografia retrógada endoscópica (técnica que utiliza simultaneamente a endoscopia digestiva e a imagem fluoroscópica) com biopsia se possível”.
Principais sintomas
O cancro do pâncreas é habitualmente uma doença silenciosa. Os sintomas surgem numa fase avançada da doença e variam com a localização do tumor, sendo que os mais frequentes são:
Os doentes com doença metastática apresentam, por vezes, sintomas relacionados com a localização das lesões metastáticas, sendo que os locais mais frequentes de metastização à distância são o fígado, o peritoneu e o pulmão.
Procedimentos terapêuticos
No cancro do pâncreas é fundamental uma abordagem multidisciplinar, em que participam a cirurgia, oncologia médica, a radioncologia, a imagiologia e, por vezes a radiologia de intervenção. “Sabemos que o único tratamento curativo é a cirurgia”, diz Manuela Machado, esclarecendo que, ao diagnóstico, apenas 10 a 20% dos doentes são candidatos ao tratamento cirúrgico. Isto porque a maioria dos doentes (60%) tem doença metastizada (cancro do pâncreas e metástases em outros órgãos) ou doença localmente avançada (doença apenas no pâncreas, mas que não é possível remover totalmente com a cirurgia; 20%).
De acordo com a oncologista, “a decisão de qual o esquema terapêutico a realizar deve ser muito bem ponderada, tendo em conta as características do doente e até com as suas expectativas em relação ao tratamento. Não podemos nunca esquecer que a terapêutica de cada doente deve ser individualizada e ajustada aos objectivos do próprio doente”, salienta.
Apesar dos cortes que têm sido aplicados ao Sistema Nacional de Saúde, e da afamada crise económico-financeira que o país atravessa, Manuela Machado refere que “os tratamentos aprovados para o cancro do pâncreas e comercializados em Portugal estão disponíveis para toda a população”. No caso de terapêuticas ainda não aprovadas pelo Infarmed, o tratamento para cancro do pâncreas também pode ser obtido através de Autorização de Utilização Excepcional (AUE). Este é o procedimento existente em Portugal”.
Na minha opinião, diz a especialista, “os profissionais de saúde trabalham todos os dias para que os seus doentes consigam aceder facilmente aos cuidados de saúde necessários, mesmo em fases económico-financeiras difíceis como a que vivemos actualmente”.
Como tal, a oncologista defende que a inclusão de doentes em ensaios clínicos é uma opção que deve, sempre que possível, ser equacionada e realizada em qualquer fase da doença. Actualmente decorrem vários estudos/ensaios clínicos com fármacos novos, ou com associações novas de fármacos, em que vários hospitais portugueses estão a participar e dos quais se aguardam resultados.
Por último, no que concerne ao tratamento, a especialista considera fundamental não esquecer o tratamento de suporte. Ou seja, não basta tratar a doença, devem ser tratados os sinais e sintomas. “Esta prática deve ser um contínuo em todos os doentes oncológicos, assumindo particular relevância no cancro do pâncreas uma vez que um elevado número de doentes se apresenta, em alguma fase da sua doença bastante sintomático”, alerta Manuela Machado. Assim, o tratamento de suporte deve iniciar-se no diagnóstico e continuar por toda a vida do doente.
Manuela Machado mostra-se esperançada nos avanços científicos e considera que “a investigação de novas terapêuticas para o cancro do pâncreas é uma realidade e, representa uma esperança para os doentes e para os médicos. Estou certa que com o desenvolvimento de mais ensaios clínicos e novas terapêuticas, será possível melhorar as respostas à doença ao longo do tempo”.
Dados e factos…
Ligações
[1] https://www.atlasdasaude.pt/foto/shutterstock
[2] https://www.atlasdasaude.pt/taxo-categories/tumores
[3] https://www.atlasdasaude.pt/taxo-categories/sistema-digestivo
[4] https://www.atlasdasaude.pt/taxo-categories/artigos-complementares
[5] https://www.atlasdasaude.pt/autores/celia-figueiredo