De acordo com João Carvalho, neurologista e neuropediatra do serviço de Neuropediatria, Centro de Desenvolvimento da Criança Torrado da Silva, do Hospital Garcia de Orta, as Doenças do Movimento “são doenças neurológicas que se caracterizam por anomalias na qualidade, timing e/ou quantidade de movimento. Podem associar-se a menos movimento que o normal (doenças hipocinéticas, como a doença de Parkinson) ou a mais movimento que o normal (doenças hipercinéticas)”. Tiques, estereotipias, distonia, tremores, mioclonias ou coreia, quadros clínicos caracterizados por movimentos anormais excessivos e difíceis de controlar, estão entre as doenças do movimento mais frequentes entre as crianças. No entanto, o especialista adverte: “apesar de muito raro, o parkinsonismo pode também surgir em idade pediátrica”.
“As complicações da gravidez ou parto e as causas genéticas podem estar na génese do problema mesmo não havendo ninguém na família com um problema semelhante”, explica João Carvalho quanto às causas.
Quanto ao início dos sintomas, o especialista revela que, embora seja muito variável, dependendo “da causa e tipo de doença do movimento”, “as primeiras manifestações podem surgir no primeiro ano de vida”. No entanto ressalva que “podem também haver movimentos anómalos nos primeiros meses ou anos de vida que se devem a imaturidade cerebral e que normalizam com o desenvolvimento da criança”.
Sendo estas as doenças do movimento mais frequentes em idade pediátrica, João Carvalho, chama a atenção para as principais características:
“É de referir que estes quatro tipos de movimentos involuntários raramente surgem durante o sono, o que pode ser uma pista importante para o diagnóstico”, sublinha o neurologista.
O diagnóstico é clínico, sendo essencial, para além da observação, uma boa descrição dos movimentos. “Por vezes a criança não faz esses movimentos durante a consulta, pelo que vídeos gravados previamente pelos pais podem ser muito úteis para o diagnóstico”, adianta o neuropediatra.
De acordo com o especialista, estas doenças podem apresentar um impacto negativo, nomeadamente, no que diz respeito à interação social. O constrangimento social, por exemplo, é a mais frequente consequência negativa dos tiques. “Ainda que em situações raras estes possam provocar lesões traumáticas. É, contudo, importante referir que os tiques e as estereotipias, na grande maioria dos casos, não causam qualquer incapacidade e não necessitam de tratamento”, esclarece João Carvalho.
“Já os outros grupos de doenças do movimento, como a distonia, a coreia, o tremor, as mioclonias e o parkinsonismo, são frequentemente responsáveis por incapacidade funcional significativa. Esta advém não só do constrangimento social que referiu, mas em muitos casos de maior gravidade associa-se a um compromisso significativo das capacidades motoras. Algumas destas crianças ou adolescentes necessitam do apoio de um cuidador para todas as atividades do dia-a-dia, podendo mesmo não conseguir caminhar, manipular objetos, falar ou engolir”, acrescenta o especialista alertando que, não raras as vezes, as doenças do movimento surgem associadas a outros problemas neurológicos, como “os défices cognitivos, problemas de comportamento e epilepsia”.
“Também não nos podemos esquecer das implicações que estas doenças, quando graves, têm nos pais e cuidadores, que muito frequentemente não têm o apoio social, psicológico e económico adequado”, adianta.
Além disso, sublinha que “as pessoas com certas doenças do movimento têm também um risco aumentado de problemas de outros tipos, como traumatismos (sobretudo associados a quedas), infeções respiratórias (particularmente quando há problemas de deglutição) e efeitos secundários de medicamentos, entre outros”.
Embora o tratamento indicado dependa do tipo de doença do movimento em causa e, muitas vezes, sirva apenas para tratar os sintomas, João Carvalho refere que são poucas as opções terapêuticas disponíveis.
“A terapia comportamental (nomeadamente, o treino de reversão de hábitos) é particularmente eficaz nas crianças com tiques, sendo esta uma das primeiras opções a considerar quando os tiques são incomodativos para o próprio doente. Não só os tiques, mas os outros movimentos hipercinéticos e o parkinsonismo podem ser tratados com medicamentos, ainda que em casos mais graves estes sejam frequentemente ineficazes. Sobretudo em alguns tipos de distonia, mas também em casos específicos de tremor, parkinsonismo, tiques e mioclonias, a cirurgia de estimulação cerebral profunda pode trazer grandes benefícios, sendo uma opção que tem vindo a ser progressivamente mais utilizada”, explica.
Sendo a maioria destas doenças largamente desconhecida da população em geral, João Carvalho chama a atenção para duas questões particularmente importantes: