Envelhecer em pleno e com saúde, mantendo as capacidades, habilidades, funcionalidades e a satisfação pessoal é “desejo de todos mas sabedoria de poucos” e “saber envelhecer é um dos capítulos mais difíceis na grande arte de viver”, segundo Hermann Melville.
Como envelhecer sem ficar envelhecido? Aqui entra o papel da nutrição ortomolecular que significa usar os nutrientes ao serviço da saúde do indivíduo, como um método preventivo e eventualmente terapêutico, com a pretensão de estender qualidade de vida. Os dados demográficos do INE, relativamente à dinâmica da população portuguesa desde 1960 até à estimativa de 2055, mostram uma autêntica inversão da pirâmide demográfica, sendo o grupo etário dos 75 anos o que mais cresce.
O incremento da esperança média de vida confronta-nos com outro problema: o aumento da morbilidade e da malignidade. Como muitos dos mecanismos biológicos intrínsecos ao envelhecimento são comuns aos do cancro, promover o envelhecimento saudável é como prevenir o cancro. As estatísticas europeias dizem que ¼ dos idosos acumulam 5 ou mais doenças concomitantes, o que se traduz num envelhecimento com acumulação de farmacoterapia e baixa qualidade de vida.
Weinert e Timiras teorizaram o envelhecimento mas na prática este depende do equilíbrio oxidação versus proteção antioxidante já que são as espécies reativas do oxigénio as mediadoras dos danos celulares e moleculares que se acumulam aleatoriamente e progressivamente ao longo da vida do indivíduo. A célula tem as suas defesas naturais, as enzimas antioxidantes, todas elas dependentes de micronutrientes. Falamos da glutationa peroxidase, que contém selénio, e da superóxido dismutase, que contém zinco, cobre e manganês, entre outros exemplos.
A teoria dos radicais livres encaixa na teoria mitocondrial do envelhecimento: as mitocôndrias usam oxigénio para produzir adenosina trifosfato (ATP), mas produzem espécies reactivas do oxigénio. Estudos mostram que existe um ciclo vicioso entre a produção destes e as lesões no genoma mitocondrial. Estas lesões acumulam-se durante a vida do indivíduo, reduzindo a capacidade da mitocôndria produzir ATP, predispondo a célula ao envelhecimento e ao cancro.
O que caracteriza uma célula degenerada ou cancerosa em termos energéticos é a perda da capacidade aeróbica de produzir ATP na mitocôndria. Assim sendo, um dos segredos para um envelhecimento saudável e prevenção do cancro passa por manter saudáveis as nossas mitocôndrias, “centrais energéticas” ubiquitárias das células eucariotas, em maior abundância nos órgãos de maior exigência metabólica com por exemplo, o miocárdio.
Como pode a nutrição ortomolecular, com suplementação, favorecer um envelhecimento mais saudável? Seguem exemplos de nutrientes benéficos para um envelhecimento saudável, com suporte científico. A coenzima Q10 é o mais poderoso antioxidante da mitocôndria e potente protetor de todas as membranas celulares, evitando a sua lipoperoxidação. Estudos comprovam o benefício da suplementação com coenzima Q10 nos idosos, nas patologias crónicas associadas ao stress oxidativo
e nos doentes que tomam medicamentos inibidores da produção de Q10 (estatinas inibem a enzima HMG-CoA redutase, responsável pela síntese hepática de coenzima Q10).
Estudos mostram ainda que a coenzima Q10 protege da miopatia induzida pelas estatinas e ainda que o seu défice é um factor preditivo de mortalidade na insuficiência cardíaca congestiva. Adicionalmente, verifica-se que os sobreviventes do enfarte agudo do miocárdio têm concentrações mais elevadas de coenzima Q10. A coenzima Q10 tem um perfil de segurança altíssimo e sem efeitos adversos descritos, mesmo estudado com doses dez vezes superiores à dose terapêutica recomendada. A relação metabólica entre o Q10 e o selénio explica-se pelo ciclo de regeneração da molécula coenzima Q10 (Ubiquinona/Ubiquinol – forma oxidada/reduzida). Selénio e coenzima Q10 são nutrientes sinérgicos, intervenientes em robustos estudos com dupla suplementação.
Nos últimos 10 anos, a descoberta de polimorfismos associados aos genes das selenoproteínas deu mais relevância ao selénio como antioxidante e anti-inflamatório. O baixo status em selénio tem sido associado ao aumento do risco de mortalidade, baixa função imunológica, risco de doença autoimune da tiroide e ao declínio cognitivo. Um bom status em selénio é essencial para a reprodução bem-sucedida. O benefício da suplementação em selénio está comprovado, especialmente em casos de deficiência.
O KiSel-10 foi um interessante estudo realizado na área da saúde cardiovascular, envolvendo um grupo de 443 idosos suecos suplementados durante 4 anos com 200 µg de selénio e 200 mg de coenzima Q10, em conjunto. Este estudo prospectivo, randomizado, controlado e duplamente cego, resultou de um trabalho conjunto de universidades nórdicas. Demonstrou-se que a intervenção reduziu significativamente a mortalidade cardiovascular, melhorou a função cardíaca ecográfica e bioquímica, com redução do parâmetro NT-proBNT. Seguiu-se um período de follow up de 10 anos sem suplementação, para avaliar os efeitos tardios da intervenção. Para espanto dos investigadores veio-se a demonstrar que se manteve a redução da mortalidade, mesmo 10 anos depois de terminada a suplementação.
Noutras subanálises, foram estudados parâmetros de atividade fibrogénica, para explicar o mecanismo de ação da suplementação na melhoria da função cardíaca, e foram encontradas melhorias significativas na fibrose. Outros estudos confirmam os efeitos benéficos da suplementação com coenzima Q10 nos marcadores inflamatórios: PCR, IL-6 e TNF-α.
Pela sua versatilidade e a segurança, a coenzima Q10 torna-se um sério candidato à prevenção primária cardiovascular. Lembrando outros nutrientes que protegem dos efeitos do envelhecimento, dá-se ênfase aos efeitos da melatonina na homeostase redox e na dinâmica mitocondrial. A vitamina D será um dos mais importantes nutrientes envolvidos no envelhecimento estando descritos os seus efeitos na diferenciação celular, prevenção do cancro e regulação do telómero com efeito na longevidade. O status do magnésio decresce linearmente com a idade podendo predizer a capacidade funcional. Depois destas reflexões nutricionais, fica outra reflexão: quando envelhecer é inevitável, ficar velho será opcional?
O processo evolutivo do stress oxidativo depende da capacidade imune de fazer a clearence das células senescentes e degeneradas: pode evoluir para envelhecimento e cancro ou homeostase com regressão tumoral e rejuvenescimento. Como profissionais de saúde, sensibilizados para esta capacidade regenerativa e como educadores pró-saúde, temos obrigação de passar esta mensagem.
Um cenário ideal de prevenção ativa com nutrição ortomolecular inclui um padrão de alimentação saudável, prática de exercício regular, vigilância analítica regular e, por fim, uma eventual suplementação individual.
Dra. Ana Paula Marum - médica especialista em Nutrição Clínica e Funcional, Medicina Bioreguladora e Ortomolecular.
Referências: