Cuidados a ter

Os antibióticos, as bactérias e as doenças

Atualizado: 
20/05/2019 - 10:34
De acordo com a Organização Mundial de Saúde, o aumento da resistência aos antibióticos representa um imenso perigo para a saúde mundial, estimando-se que milhões de pessoas possam morrer, durante as próximas décadas, por infeções resistentes a estes medicamentos. Neste artigo, Viriato Horta, especialista em Medicina Geral e Familiar, alerta para a escolha criteriosa e rigorosa desta arma terapêutica.
Antibióticos e bactérias

O termo “antibiótico” significa literalmente “substância que mata organismos vivos”, mas na linguagem médica apenas se aplica às substâncias que afectam bactérias e não às que são usadas para combater outros tipos de micro-organismos, como os vírus, os fungos e os parasitas (chama-se antimicrobianos ao conjunto dos antibióticos, antivirais, antifúngicos e antiparasitários).

Os antibióticos são substâncias químicas, de origem natural ou produzidas sinteticamente, capazes de destruir bactérias (antibióticos bactericidas) ou de impedir a sua multiplicação (antibióticos bacteriostáticos) sem afectar as células das pessoas, animais ou plantas aos quais são administrados.

Os antibióticos bacteriostáticos não matam directamente as bactérias, mas suspendem o seu crescimento ou a sua reprodução, dando tempo a que o organismo infectado tenha tempo para as destruir com os seus próprios sistemas de defesa, o que significa que só devem ser usados em doentes cujo sistema imunitário funcione correctamente .

Os antibióticos bactericidas matam directamente as bactérias, independentemente do funcionamento dos sistemas de defesa dos doentes, o que garante melhores resultados quando estes têm o sistema imunitário debilitado.

Existem centenas de antibióticos diferentes, que se dividem, conforme a sua estrutura química, em oito grandes grupos ou famílias e alguns grupos isolados. Os antibióticos actuam por diversos mecanismos, modificando a estrutura da parede das bactérias (o que promove a sua destruição) ou interfindo no seu metabolismo energético, na produção de proteínas ou na síntese do ADN bacteriano (o que condiciona a reprodução, o crescimento ou o funcionamento das bactérias, que se reproduzem muito depressa, quando estão activas).

Apesar da grande diversidade dos antibióticos e dos seus diferentes modos de acção, nem todos são eficazes contra todas as bactérias: os que são capazes de combater muitos tipos de bactérias designam-se por antibióticos de largo espectro, por oposição aos antibióticos de espectro reduzido, que atacam poucos tipos de bactérias.

Mesmo quando uma bactéria é naturalmente sensível a um dado antibiótico, ela pode desenvolver mecanismos de defesa contra a sua acção, tornando-se resistente. O problema da resistência das bactérias aos antibióticos é que estes mecanismos podem ser transmitidos à sua descendência e até a outras bactérias com as quais convivem, amplificando o processo e levando à criação de estirpes bacterianas multirresistentes, conhecidas como superbactérias o que constitui um grave problema de saúde pública e pode originar milhões de mortes.

Por outro lado, admite-se que as bactérias actualmente resistentes aos antibióticos conhecidos possam ser mortas ou inactivadas por outras substâncias (antibióticos naturais) que ainda desconhecemos ou que havemos de criar em laboratório, havendo um longo caminho a percorrer para se compreender melhor as bactérias e a forma de as combater, no pressuposto que a grande maioria das espécies bacterianas não provoca doenças. Sabe-se hoje que o nosso corpo aloja triliões de bactérias (ao todo pesam entre 2 e 3 Kg), que vivem em simbiose connosco, sobretudo na pele, no tubo digestivo e nas vias aéreas e são fundamentais para a nossa saúde. Em geral, apenas provocam doenças quando o nosso sistema imunitário falha e deixa de as controlar e/ou quando as bactérias acedem a órgãos sensíveis, como sucede nas queimaduras, nas feridas, nas cirurgias ou no uso de algálias, sondas, cateteres e tantos outros dispositivos médicos invasivos.

O primeiro antibiótico - a penicilina - foi descoberto em 1929 e usado pela primeira vez em 1942. Desde então, os antibióticos são largamente utilizados para tratar ou prevenir infecções bacterianas, tendo servido para salvar milhões de pessoas da morte provocada por pneumonias, tuberculose, difteria, meningites, septicémias, infecções de feridas e queimaduras e tantas outras infecções graves.

Tal como na medicina humana, os antibióticos são usados em veterinária para tratar ou prevenir infecções bacterianas em animais. Em ambos os casos, é importante que se faça um uso criterioso e rigoroso destas importantes armas terapêuticas, o que passa pela correcta identificação das doenças a tratar (não usar em infecções provocadas por vírus, fungos ou parasitas), pela escolha do antibiótico mais adequado a cada infecção (o de espectro de acção mais reduzido possível, que não ataque as bactérias que não provocam essas doenças), e pelo rigor na escolha e no cumprimento do esquema terapêutico (menor duração possível, tomas em horários certos, interacção com alimentos, álcool e outros medicamentos, etc.), de modo a reduzir o aparecimento de resistências.

O uso mais controverso dos antibióticos, e que muito tem contribuído para o aparecimento e desenvolvimento de estirpes bacterianas resistentes, é na agricultura (como pesticidas, para controlar infecções bacterianas de algumas plantas cultivadas) e sobretudo na produção animal (para prevenção indiscriminada de infecções, nomeadamente em aquacultura, e como promotores de crescimento na pecuária, ao adicionar antibióticos à ração de vacas, porcos ou galinhas). A dimensão deste fenómeno é tão grande que, apesar de estas práticas não serem permitidas na Europa, se calcula que cerca de 80% de todos os antibióticos produzidos mundialmente sejam destinados a estes fins e não para uso em medicina humana e veterinária.

Se queremos continuar a beneficiar dos antibióticos temos de reduzir ao mínimo o seu uso, promovendo a nossa saúde, prevenindo as doenças infeciosas, construindo um sistema imunitário robusto e, em caso de doença bacteriana, cumprir escrupulosamente os esquemas de tratamento que a ciência médica tenha como mais convenientes. Será necessário abolir o uso indevido dos antibióticos na agricultura e na produção animal e será preciso desenvolver novos antibióticos e talvez outras armas terapêuticas não químicas, como os vírus bacteriófagos, especialmente desenhados para atacar determinadas bactérias. O futuro é incerto, mas com certeza não queremos perder esta guerra!

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Autor: 
Dr. Viriato Horta - Medicina Geral e Familiar Clínica Europa Carcavelos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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