Entrevista

Neurofibromatose: primeiros sinais clínicos surgem na infância

Atualizado: 
19/03/2019 - 11:27
Maggie João, Medical Coach, entrevista Ana Elisabete Pires, Bióloga, Professora universitária e atualmente a Vice-Presidente da direção da Associação Portuguesa de Neurofibromatose (APNF) e mostra porque é importante falar sobre doenças raras. Em Portugal, estima-se que existam cerca de 3 mil pessoas com Neurofibromatose, uma doença rara e genética que predispõe para o aparecimento de tumores no sistema nervoso periférico ou central.

O que é a neurofibromatose (NF)?

A Neurofibromatose inclui 3 doenças distintas, tanto em termos de causas como de manifestações clínicas:

  • Neurofibromatose tipo 1 (NF1), 
  • Neurofibromatose tipo 2 (NF2) e
  • Schawannomatose.

São doenças de origem genética, raras (varia entre 1/3.000 a 1/40.000 pessoas). Em 50% dos casos, as mutações podem também ser espontâneas (não herdadas dos progenitores) e predispõem os seus portadores para o aparecimento de tumores no sistema nervoso periférico ou central. Os tumores são em geral benignos, mas dependendo da sua localização e tamanho podem comprometer a vida.

Os sinais clínicos de cada uma destas doenças variam. No caso da NF1 os sinais clínicos aparecem na infância e são muito variáveis - desde a ocorrência de manchas café com leite na pele até neurofibromas plexiformes, gliomas das vias ópticas de baixo grau e displasias esqueléticas (entre outros).

Na NF2 e na Schawannomatose os sintomas aparecem mais tarde, em geral na terceira década de vida, e incluem surdez  (NF2) e dor neuropática (Schwannomatose). São doenças atualmente sem cura e, portanto, crónicas.

Quantos casos de NF existem atualmente em Portugal?

Estima-se  que existam cerca de 3.000 pessoas com NF1, ~250 com NF2 e ~250 com Schwannomatose.

Conte-nos sobre a história e a missão da APNF?

A APNF é uma associação sem fins lucrativos, uma Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS) que nasceu em 2000 e pretende ser um ponto de informação privilegiada, assim como contribuir para reduzir o mais possível o impacto da neurofibromatose na vida das pessoas que sofrem desta doença.

Desde 2004 que tem organizado anualmente um encontro com uma vertente clínica, científica (investigação) e social. Em 2007 organizou o 12º Encontro Europeu NF - Ciência e Cuidados, os Factos e em 2018 a então direção quis cessar funções. Havendo o risco de a APNF terminar, preparámos uma lista com um memorando de acordo com a missão da APNF e atualmente faço parte da Direção como vice-Presidente.

Quais são os objetivos desta direção para estes 4 anos?

Os objetivos desta direção são:

 Apoiar pacientes, familiares e amigos 

• Apoio caso-a-caso às pessoas que procuram a ajuda da APNF
• Dinamizar fortemente o website da APNF de modo a que tenha sempre informação atualizada e relevante

Divulgar a NF na sociedade

• Alertar a comunidade médica, docente e científica para esta doença rara e mobilizar os investigadores para desenvolver estratégias/produtos de cura para esta doença
• Minimizar o estigma associado à NF
• Desenvolver campanhas para contexto escolar

Contribuir para a descoberta de uma cura para a NF

• Convocação de empresas/ associações / hospitais / unidades de investigação para a causa da APNF
• Promoção da investigação para a cura da NF
• Promoção de projetos que melhorem a qualidade de vida dos pacientes.

Criar um centro multidisciplinar de NF em PT

• Curto prazo: ter um local onde médicos voluntários possam dar consultas/orientações
• Longo prazo: contribuir para criação de um centro multi-disciplinar onde os pacientes possam ser acompanhados e haja muito conhecimento prático disponível

A que projetos de investigação científica a APNF está ligada?

Queremos dinamizar a investigação e, atualmente, procuramos fundos para um projeto a ser desenvolvido pelo INSA-Porto, no grupo de Doenças Lisossomais de Sobrecarga liderado pela Doutora Sandra Alves. O projeto pretende ser uma prova de conceito de que a eliminação de uma parte do gene que tem uma determinada mutação patogénica pode resultar num melhor estado de saúde. De forma simplificada seria como tirar algumas palavras de uma frase, mas de modo a que a frase não perdesse o sentido inicial.

Qual a relação entre a APNF e outras associações similares estrangeiras?

A APNF faz parte da Associação NFPU - NeuroFibromatosis Patients United, recentemente criada. Quatro membros da direcção da APNF pertencem aos grupos de trabalho:

1 - Joint Materials (Theo Fernandes – Secretário da APNF),
2 - Organization of Care (Marta Amorim – Vogal da APNF),
3 - Awareness and Fundraising (Alexandre Vaz – Presidente da APNF) e
4 - Research (Ana Elisabete Pires - Presidente da APNF). 

Já passaram cerca de 10 meses desde que a vossa direção foi eleita. O que já se concretizou?

  • Participámos na reunião mundial sobre Neurofibromatose que aconteceu em Paris (em nov 2018).
  • Promovemos a angariação de novos sócios. Até ao momento atraímos 16 novos sócios.
  • Procurámos donativos. Estamos atualmente a organizar o 16º Encontro Anual da APNF que será dia 4 de maio.
  • Estamos a desenvolver esforços para obter um espaço para uma nova sede. Através da Atribuição de Apoios pelo Município de Lisboa temos em vista um espaço novo.
  • Estamos também muito comprometidos na criação de uma nova imagem, na criação e dinamização do website (www.apnf.pt) assim como do Facebook.
  • Criámos também uma folha informativa que iremos começar a enviar aos sócios de forma regular.
  • Estabelecemos uma parceria para elaboração de peças de joalharia com o novo logotipo da APNF.
  • Criámos uma parceria com o Grupo Moneris para realização de uma auditoria anual, externa e independente às nossas contas.
  • Estamos a definir um protocolo com uma Sociedade de Advogados para prestarmos apoio legal aos nossos associados, dado tratarem-se de doenças raras e crónicas.
  • Estamos mais ativos nos media: fomos entrevistados pelo CanalS+ no início de 2019 e agora este artigo na Atlas da Sáude.

Quais os benefícios existentes em se ser membro da APNF?

Têm na APNF um ponto de contacto com outros pares, algo fundamental para perceberem que não estão sozinhos sendo mais fácil trocar experiências e dicas. Neste sentido, estamos a planear eventos que juntem as pessoas, tornando-as membros de uma verdadeira comunidade. Na APNF, podem ter acesso a informação, ali centralizada, de forma rápida. Uma das mais-valias consiste na obtenção de informação sobre os médicos especializados nesta patologia que lhes estão geograficamente mais próximos. Estamos também a trabalhar num conjunto de protocolos com entidades e serviços vários no sentido de proporcionar descontos aos nossos associados.

Porém, a APNF não se pode limitar a benefícios para os sócios. Estes têm de ter a noção que uma associação deste tipo não funciona sem eles. Podem contribuir para o bem comum, com as suas quotas, os seus donativos, o seu tempo e as suas ideias. Só assim a NF poderá um dia ser curada.

Qual o impacto que a APNF pode ter na vida de pessoas com esta doença e na dos seus cuidadores?

A APNF por vezes recebe telefonemas, contactos de pessoas desesperadas e penso que as orienta um pouco nessa fase de stress. Depois ao longo dos anos temos vários momentos de encontro nomeadamente um Encontro Anual onde se procura partilhar um pouco das últimas novidades relativamente a terapêuticas, investigação, anunciar iniciativas que facilitem a gestão da doença, etc... Obviamente, a nossa esperança é que a APNF contribua para que um dia, estas pessoas possam viver uma vida completamente normal, sem as agruras/desvantagens causadas pela doença.

Como ser membro?

Podem dirigir-se à nossa página institucional (www.apnf.pt ) ou à nossa página de facebook (https://www.facebook.com/APNFpt/) e preencher a nossa ficha de inscrição.

Como cuidadora de 1ª linha, que conselhos pode dar a outros cuidadores no que diz respeito a esta doença?

No meu caso a minha criança tem NF1 e foi detectada muito cedo, pelo aparecimento de sinais clínicos bem visíveis - manchas café com leite. O diagnóstico foi depois confirmado por análise molecular após consulta de genética no Hospital D. Estefânia. Ao 1º ano de idade já estavámos a fazer uma Ressonância Magnética que revelou um glioma óptico bilateral exuberante. Pouco tempo depois começou a fazer quimioterapia. Fez 3 protocolos durante 4 anos. Atualmente está com 6 anos, está medicado com um medicamento biológico, muito mais preciso e seletivo e a nossa qualidade de vida melhorou imenso, no entanto, sem alívio das preocupações. Aos 6 anos de idade ainda há grande risco de crescimento de tumores. Aconselho muita vigilância, informação, resiliência, boa estrutura familiar, disponibilidade, paciência e companhia. É muito importante sermos acompanhados por quem realmente conhece a doença e não há muitos profissionais de saúde que correspondam a essa descrição. É bom sentir todos os dias que se está a fazer bem feito, o melhor possível.

Olhando para trás, para todo o caminho que já percorreu, como cuidadora de 1ª linha, que mensagem positiva quer deixar aos nossos leitores e a todos os que de alguma forma são impactados pela NF?

Quero partilhar que receber um diagnóstico destes é muito duro, e pede-nos uma grande transformação. É muito exigente lidar com todos os sintomas da doença, tratamentos, consultas, e a sua evolução, e faz-nos sentir todos os dias a insegurança e a fragilidade. O alívio é sentir que se está a fazer o caminho bem feito, estamos bem acompanhados pelos profissionais de saúde e estamos a dar o nosso melhor. Ser cuidadora de uma criança, é saber que estou presente, tanto nos bons como nos mais duros momentos, para que ela se sinta acompanhada, segura e confiante.

Qual a melhor forma de vos contactar?

Através do email: [email protected]; telefone: 960 173 375 ou facebook: https://www.facebook.com/APNFpt/

Conheçam os nossos objectivos e iniciativas em www.apnf.pt

E quem vos quiser ajudar, como o pode fazer?

Quem nos quiser ajudar será muito bem-vindo. Pode contribuir de várias maneiras, contribuindo com donativos ou dando a mão: com ideias para promover a Associação, com a sua competência como profissional, com contactos institucionais, com a sua cara e voz pela causa da APNF. O nosso desde já Muito Obrigada.

Maggie João - Medical Coaching

Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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