Entrevista

Infertilidade atinge 15% dos casais em idade reprodutiva

Atualizado: 
16/04/2019 - 11:30
De acordo com as estimativas, em Portugal, cerca de 15% dos casais em idade reprodutiva quanto tentam ter um filho são com confrontados com a impossibilidade de engravidar. Em entrevista ao Atlas da Saúde, José Cunha, Diretor Clinico na AVA Clinic Lisboa, especialista em Medicina da Reprodução, revela quais as principais causas da infertilidade alertando para o facto de fatores como o sedentarismo ou obesidade condicionarem a capacidade reprodutiva de jovens adultos.

De acordo com a Associação Portuguesa de Infertilidade, estima-se que, em Portugal, 15 a 20% dos casais em idade reprodutiva (cerca de 300 mil) sofra de infertilidade. No entanto, calcula-se que exista uma percentagem elevada de casos desconhecida, uma vez que nem todos procuram ajuda médica. Neste sentido, começo por lhe perguntar quais as principais causas da infertilidade e quando se deve procurar ajuda médica? Quais os “sinais de alerta”?

Causas principais da infertilidade e sua distribuição:

  • 30-35% fatores femininos: disfunção ovulatória, lesão ou obstrução nas trompas uterinas, endometriose, patologia e anomalias no útero e colo, menopausa precoce.
  • 30-35% fatores masculinos: alterações na qualidade do esperma, patologias do testículo, dutos, epidídimo e próstata, disfunções na ereção e ejaculação.
  • 20% fatores mistos: os dois elementos do casal são responsáveis.
  • 15-20% causa inexplicada: não se consegue determinar o motivo da infertilidade.

O principal “sinal de alerta” que deve levar a procurar ajuda médica é quando um casal (com a mulher ≤ 36 anos), com vida sexual regular sem contracepção há pelo menos 1 ano, não consegue obter uma gravidez. Quando a mulher tem 37 ou mais anos de idade é recomendável que a procura de orientação médica ocorra ao final de 6 a 8 meses de tentativas. Outros sinais de alerta importantes são a existência de sintomas que estejam relacionados com os principais fatores femininos e masculinos causadores de infertilidade, como por exemplo na mulher a ocorrência de menstruações muito irregulares ou ausência de menstruação durante alguns meses ou no homem a existência de uma tumefacção dolorosa num testículo ou alterações na ejaculação e ereção. 

A infertilidade, ao contrário do que se pensa, não é contudo sinónimo de esterilidade, sendo que a infertilidade pode manifestar-se já depois do nascimento de um filho. Para melhor compreendermos esta questão, pedia-lhe que nos explicasse em que consiste um conceito e outro. O que os distingue?

Na realidade não são sinónimos, a infertilidade significa dificuldade em engravidar (quando um casal sem usar métodos contraceptivos e com vida sexual regular há pelo menos um ano não consegue obter uma gravidez) ou de conseguir que uma gestação chegue ao seu termo.

A esterilidade é a incapacidade de um indivíduo ou de um casal obter uma gravidez.

Que tipos de tratamento de PMA existem? E qual a taxa de sucesso associada?

Existem vários tipos de tratamento de PMA:

  • Inseminação artificial (IA) ou inseminação intrauterina (IIU) intraconjugal ou com esperma de dador. As taxas de gravidez por inseminação realizada situam-se entre 12-14% para a intraconjugal e entre 23-26% para a inseminação com esperma de dador.
  • Fertilização in Vitro (FIV) intraconjugal, com esperma de dador e a FIV com recurso a ovócitos de dadora. As taxas de sucesso para os 2 tipos de FIV sem ovodoação são semelhantes e são de 35-40%, enquanto a FIV com utilização de ovócitos de dadora tem taxas de gravidez mais elevadas de 50-55%.
  • Injeção intracitoplasmática de espermatozoide (ICSI) intraconjugal, com esperma de dador e a ICSI com recurso a ovócitos de dadora. As taxas de gravidez da ICSI sem ovodoação situam-se entre 32-35%, e as das ICSI com recurso a ovócitos de dadora entre 50-55%. 
  • Transferência de embriões criopreservados (TEC) com taxas de sucesso sobreponíveis às da FIV e ICSI.

Qual a percentagem de nascimentos por PMA em Portugal?

Os nascimentos por PMA correspondem a aproximadamente 3% do número total de nascimentos ocorridos em Portugal.

Quanto ao tratamento, há a ideia generalizada de que este não é um processo fácil, podendo ser demasiado longo. Neste sentido, qual a duração média de um tratamento, desde a primeira consulta até à gravidez efetiva. Existem “efeitos adversos”?

Nos centros privados o tempo médio decorrido desde a primeira consulta até ao diagnóstico da gravidez é de cerca de 2 a 3 meses. A duração do tratamento propriamente dito varia entre 15 a 18 dias. Podem existir efeitos adversos e os mais comuns são:

  • Dores de cabeça;
  • Desconforto mamário;
  • Alterações do humor, sonolência e por vezes sensação de cansaço;
  • Distúrbios digestivos: náuseas, obstipação e gases intestinais;
  • Distensão abdominal e edemas ligeiros.
  • Efeitos adversos mais raros:
  • Alterações da visão

Relacionados com a síndrome de hiperestimulação ovárica: dores pélvicas moderadas a intensas, distensão abdominal e edemas acentuados, vómitos, dispneia.

Quais os principais cuidados a ter durante um tratamento de PMA?

Existem vários cuidados a ter durante um tratamento de PMA a destacar entre outros:

  • Cumprimento rigoroso da medicação prescrita;
  • Uma alimentação equilibrada rica em proteínas e fibras;
  • Boa ingestão de líquidos;
  • Prevenção da obstipação (importante ajuda dos 2 pontos anteriores);
  • Ter um número de horas de sono adequado (7-8 horas);
  • Não consumir drogas, álcool e tabaco.

Quanto à prevenção, apesar das causas para infertilidade estarem associadas a alguma anomalia relacionada com o aparelho reprodutor, a verdade é que há alguns fatores relacionados com o estilo de vida que podem interferir na concepção. Neste sentido, quais os cuidados a ter?

Para além da idade da mulher e do homem não existem dúvidas que o estilo de vida e outras situações contribuem para uma diminuição da fertilidade como o sedentarismo e a obesidade, a exposição crescente a substâncias tóxicas (tabaco, álcool e drogas) e a poluentes, o aumento da incidência de doenças sexualmente transmissíveis e de doenças cancerígenas em idades cada vez mais jovens. Sendo assim as principais preocupações e cuidados a ter serão a tomada de medidas eficazes para prevenção e combate de todos estes fatores.

Neste âmbito, é aconselhado, por exemplo, que a mulher não adie a gravidez. No entanto, sabemos que em muitos casos isso não é possível. Que recursos existem para estas mulheres, tendo como objectivo a preservação da sua fertilidade?

Para as mulheres que têm que adiar a gravidez e que procuram preservar o melhor possível a sua fertilidade, os principais recursos a que devem recorrer são precisamente as alterações no estilo de vida, com o combate ao sedentarismo e à obesidade, evitar a exposição a substâncias tóxicas e poluentes, e prevenir as doenças sexualmente transmissíveis e as doenças cancerígenas. Existe também um outro recurso que pode e deve ser utilizado que é a criopreservação de ovócitos, que se recomenda ser efetuada, preferencialmente, antes dos 35 anos de idade.

Por outro lado, continua a associar-se a questão da infertilidade ao sexo feminino. Sabe-se, no entanto, que nem sempre a “culpa” é delas e que não existe praticamente tratamento para o fator masculino da infertilidade… Que estigma é este que continua a perseguir os homens, evitando que falem sobre este tema?

Como referi anteriormente, os fatores responsáveis pela infertilidade dividem-se igualmente entre causas masculinas e femininas, isto é a “culpa” é tanto do homem como da mulher. Contudo durante muito tempo a infertilidade masculina foi tratada como um assunto tabu. Esta realidade ainda a encontramos, atualmente, e o estigma que faz com que os homens evitem falar sobre este tema deve-se a razões de ordem social e cultural, relacionadas com o machismo, a figura do homem e o seu papel na sociedade e ainda a existência de alguns mitos sobre este tema, como por exemplo que a fertilidade e a virilidade estão relacionadas. Por lado, segundo a opinião de muitos especialistas da área da psicologia, o homem por motivos de personalidade tende a falar menos de si e das suas preocupações comparativamente com a mulher.

Para terminar, peço-lhe algumas recomendações sobre o tema em análise. Que mensagem gostaria de deixar?

As principais recomendações que faço sobre este tema são:

  1. Seguramente a forma mais eficaz de prevenir a infertilidade é a mulher não adiar o projeto da maternidade para depois dos 34 anos, sendo fundamental a educação da população e a divulgação das vantagens de uma gravidez na idade jovem.
  2. É igualmente fundamental que as pessoas desde cedo tenham um estilo de vida mais saudável, combatendo o sedentarismo e a obesidade, evitem a exposição a poluentes, o consumo de tabaco, álcool e drogas, e previnam eficazmente as doenças sexualmente transmissíveis.
  3. Não ignorar o peso do fator masculino na infertilidade, devendo-se sempre estudar o homem sistematicamente, visto que nas últimas décadas a qualidade do esperma tem claramente diminuído.
Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
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