Reconhecer os sintomas

Bexiga Hiperativa: “alguns médicos não estão familiarizados com este problema”

Atualizado: 
27/11/2019 - 10:19
Caracterizada por um aumento da frequência ou urgência urinária, muitas vezes acompanhada de noctúria, a Bexiga Hiperativa é uma síndrome que afeta mais de um milhão e meio de pessoas em Portugal, apresentando grande impacto na qualidade de vida de quem dela padece. Isolete Dias sofre desta condição desde criança. “Os meus pais sempre desvalorizaram. Diziam que as perdas urinárias se deviam a preguiça”.

Estima-se que 17% da população europeia com mais de 40 anos sofra de Bexiga Hiperativa, uma condição que afeta tanto homens quanto mulheres. Em Portugal, o número de casos ultrapassa um milhão de pessoas, apresentando um impacto bastante significativo em termos económicos e sociais.

De acordo com Miguel Silva Ramos, urologista no Centro Hospitalar do Porto e membro da direção da Associação Portuguesa de Urologia, a bexiga hiperativa consiste num conjunto de sintomas, caracterizando-se por uma urgência miccional provocada pela “contração involuntária e repentina do músculo da parede da bexiga, mesmo quando esta contém um volume reduzido de urina”.

“Na bexiga hiperativa, a bexiga trabalha excessivamente, contraindo-se com maior frequência do que o habitual e em alturas inapropriadas”, acrescenta referindo que o seu principal sintoma é a “necessidade imperiosa de urinar que por vezes é impossível de dominar e que pode causar incontinência”.

Entre os fatores de risco, destaca a idade, a diabetes, o sindrome metabólico, a obstrução infravesical, a disfunção do pavimento pélvico (como é o caso do prolapso) ou as doenças neurológicas. Quanto ao que está na sua origem, revela que nem sempre é possivel atribuir-lhe uma causa. “Na prática clínica é habitual distinguir a bexiga hiperativa em neurogénica – quando é possível atribuir claramente causas neurológicas – ou idiopática, quando não é possível atribuir uma etiologia, que é a mais frequente”, explica o especialista.

Isolete Dias viveu toda a sua infância com estes sintomas. Urgência em urinar e incontinência eram o “pão nosso de cada dia”. “Ia muitas vezes à casa de banho e, outras tantas, não conseguia aguentar a urgência em urinar. Na escola foi muito complicado”, recorda lamentando que, na época, todos tenham desvalorizado a situação. “Os meus pais diziam que era preguiça de criança, que não queria ir à casa de banho e que, eventualmente, um dia iria passar”, conta. Mas não passou!

Por isso, durante anos, Isolete acreditou que o problema estava dentro de si. “Eu cresci a pensar que o problema era eu! Pensava que tinha alguma disfunção”.

Depressão e isolamento social são algumas das consequências desta condição. “Este problema causa um grande constrangimento. As pessoas não entendem esta necessidade”, diz explicando que teve de se “ajustar” à doença. “Eu evitava beber líquidos, não ia para sítios onde sabia que não existia casa de banho... dei por mim a preferir não sair de casa”.  “Mesmo com o meu marido... a vida pessoal também sofre com estas coisas. Uma pessoa não se sente completamente à vontade”, lamenta.

A nível profissional, a situação não foi menos díficil. “Os patrões não entendem. Eu sempre fiz questão de explicar o que se passava comigo, mas no final quase todos achavam que eu não queria trabalhar. Que me servia das idas à casa de banho para fazer uma pausa”, recorda.

“O meu médico de família receitou-me calmantes”

O diagnóstico da Bexiga Hiperativa é baseado na história clínica, sendo necessário, tal como explica o especialista Miguel Silva Ramos, “realizar alguns exames para excluir outras patologias, como análises de urina e ecografia”. Em casos de dúvida, adianta, pode ser necessário realizar um exame urodinâmico.

Isolete começou a ouvir falar em incontinência urinária mais tarde, era já adulta. E decidida em obter um diagnóstico, consultou um urologista. “Fiz vários exames até descobrir que tinha Bexiga Hiperativa”, diz recordando que, na altura, tinha 28 anos.

Entre as várias possibilidades de tratamento, onde se inclui a terapia comportamental, a terapia farmacológica e a cirurgia, as opções terapêuticas são recomendadas caso a caso. “Habitualmente, nos casos mais ligeiros inicia-se pela terapêutica comportamental e se a resposta for insuficiente institui-se a terapêutica farmacológica. Os fármacos usados atuam na mucosa e no músculo da bexiga, fazendo com que a bexiga se contraia menos vezes e com volumes de urina maiores”, explica o urologista.

O tratamento com toxina botulínica tipo A, que “consiste na realização de várias injeções no detrusor”, foi a opção indicada no caso de Isolete, atualmente com 41 anos. “Uma vez por ano fazia uma injeção”, conta.

De acordo com Miguel Silva Ramos, “a toxina botulínica impede a libertação de neurotransmissores responsáveis pela contração do detrusor e pela mediação de sensações, fazendo com que a bexiga contraia apenas a volumes maiores e quando as contrações são voluntárias”.

“Ao fim de dois, três anos, por opção do médico, coloquei um neuroestimulador que não resultou. Tive de voltar à toxina botulínica e, quando esta começa a perder o seu efeito, faço medicação oral”, explica Isolete afirmando que agora consegue ter uma vida normal.

“Durante anos, achei que tinha alguma coisa errada”, admite reforçando a ideia de que nem todos os especialistas conhecem esta sindrome. “Alguns médicos, principalmente os médicos de família não estão familiarizados com este problema. Durante anos, o meu médico de família receitou-me calmantes porque, dizia, o que me estava a acontecer só podia ser do foro do sistema nervoso”, recorda. Por isso, apela a que se façam mais campanhas, a que se fale mais sobre o tema.

Aos doentes, pede ação: “não cruzem os braços. Se têm um problema procurem ajuda. Não se inibam de falar com alguém. E se por acaso é o vosso filho que passa por isto, tentem encontrar uma resposta. Se é difícil um adulto passar por isto, imaginem uma criança”, conclui emocionada.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
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