De acordo com o psiquiatra das Clínicas Leite, João Cardoso, “a esquizofrenia é um síndrome complexo, que afeta o comportamento e a capacidade cognitiva dos doentes. Hoje sabemos que se deve a alterações do neurodesenvolvimento, em que participam causas genéticas e ambientais”. O consumo de canabinóides, stress, migração (“risco é maior na primeira e segunda geração”), meio socioeconómico baixo, fatores pré e perinatais, crescer e viver em meio urbano são apontados, pelo especialista, como alguns dos fatores que podem condicionar o seu desenvolvimento, embora admita que “ainda não se pode afirmar que exista um motivo em concreto que leve ao aparecimento da doença”.
Com apresentação inicial entre os 16 e os 30 anos, a esquizofrenia tende a desenvolver-se mais precocemente entre os jovens do sexo masculino – “ainda na adolescência início da idade adulta” – ao passo que, entre as mulheres, tem início mais perto dos 30. Como explica o psiquiatra, as principais manifestações clínicas desta síndrome podem dividir-se em três grandes grupos:
“Embora os sintomas positivos sejam os que a maioria da população identifica como parte da síndrome, são os sintomas negativos e cognitivos que têm um maior impacto na vida das pessoas com esquizofrenia”, esclarece o médico das Clínicas Leite.
Neste âmbito, pode afirmar-se que a falta de conhecimento geral sobre a patologia, bem como o estigma a ela associado, são os principais entraves a um diagnóstico precoce, e consequente intervenção terapêutica. “Como a doença tem normalmente início em idades jovens, muitos dos comportamentos iniciais mais bizarros são tidos como alterações próprias de personalidades que estão em desenvolvimento. É difícil para a pessoa que está doente ter crítica para a sua doença, no entanto, os familiares também adiam a ida à consulta porque assim terão que se confrontar com o facto de que os seus familiares têm uma doença mental”, adianta o especialista sem deixar de fazer referência ao facto de existirem “outras doenças que também se manifestam com sintomas psicóticos, ou seja, que têm uma apresentação clínica idêntica”, o que pode condicionar a sua identificação.
Quanto ao tratamento, o psiquiatra explica que este tem de se multidisciplinar, embora, na verdade, este não chegue a todos os doentes. “O tratamento tem que ser multidisciplinar. Tem de ter um acompanhamento médico especializado e intervenção farmacológica que é normalmente bastante eficaz no tratamento dos sintomas positivos. Mas há todo um trabalho que tem de ser de uma equipa multidisciplinar para que a pessoa com esquizofrenia possa ser um cidadão ativo e participante da sociedade como qualquer outra pessoa, dentro das limitações que a sua doença lhe possa condicionar”, esclarece acrescentando que existe uma enorme carência de recursos humanos nesta área.
“A maior barreira dos doentes às intervenções necessárias, é que os próprios serviços se encontram desfalcados dos meios necessários, e a fraca implementação no país de serviços verdadeiramente comunitários”, afirma.
Questionado sobre a eficácia das medidas propostas pelo Programa Nacional de Saúde Mental, João Cardoso é da opinião de que estas “seguem as diretivas daquilo que, hoje, são consideradas as melhores práticas em termos de organização das intervenções a nível de saúde mental”. No entanto, afirma que a implementação de algumas medidas se encontra limitada. “A título de exemplo, há ainda uma baixa implementação de estruturas comunitárias de saúde mental no país, havendo ainda um modelo centrado no hospital, longe das comunidades, suas estruturas e organizações”, diz sublinhando que as “pessoas com esquizofrenia podem ter vidas ricas e completas, que podem trabalhar, amar e ser amados e livres de tomarem as suas decisões. Tal como qualquer outra pessoa”. Para tal, é essencial que o diagnóstico e o tratamento possam ser facilmente acedidos por todos.