Todos nós já experienciamos uma birra do filho ou de uma outra criança. Estes episódios mais ou menos frequentes, imprevisíveis e de difícil controlo, apesar de fazerem parte de um desenvolvimento psicoafectivo normal e saudável, devido ao pensamento egocêntrico da criança, podem tornar-se numa fonte de preocupação e angústia para os pais.
As birras são uma expressão de uma multiplicidade de sentimentos, caracterizadas por uma grande variedade de comportamentos, como o choro, gritos, grande agitação motora, sapatear, lançar objetos ou rebolar-se no chão e são sempre a manifestação de um episódio emocional.
Episódios que podem ocorrer em qualquer lugar e em qualquer contexto que a criança esteja.
As birras podem ser definidas como episódios extremos de angústia e/ou raiva1 ou como episódios emocionais breves, mas intensos e são caraterizadas por serem explosivas, impulsivas e por demonstrarem emoções descontroladas2. São sempre reações emoções desajustadas e temporárias a determinadas situações e surgem quando a criança não consegue controlar os seus impulsos, resultando numa perda de controlo e desrespeito por regras comportamentais previamente aceites.
As birras surgem em igual proporção nos dois sexos e em crianças com idades compreendidas entre o ano e meio e os quatro anos, havendo autores que defendem que pode ir até aos cinco anos de idade, com um pico entre os dois e os três anos3. Estas birras são típicas do período de desenvolvimento em que a criança está a adquirir autonomia e a dominar o meio ambiente, razão pela qual é por vezes considerada a primeira infância4. Assim entre os dois e os três anos de idade cerca de 1/5 das crianças fazem birras pelo menos uma vez por dia e mais de metade pelo menos uma vez por semana3.
Relativamente à duração das birras, a maioria dos autores defende que ela dura um geral entre um e quatro minutos, havendo quem considere que podem durar até dezasseis minutos.
As birras envolvem duas emoções independentes, mas sobrepostas, a raiva e a angústia e surgem sempre após um evento precipitante (perder algo, não alcançar o que deseja, pretender um brinquedo, entre outros). A probabilidade de ocorrerem expressões físicas de raiva são na fase inicial e vão diminuindo.
Para melhor compreender a raiva quanto à sua intensidade, podemos dividi-la em três níveis. O nível mais elevado manifesta-se por gritos e pontapés, enquanto o bater e o adotar uma postura rígida são elementos mais variáveis5. Por outro lado, atirar objetos, empurrar, enquadram-se no nível intermédio, enquanto bater o pé e agitar as mãos definem o nível mais baixo5.
Quanto à angústia está associada ao choramingar, ao chorar, ao procurar conforto e ao deixar-se cair no chão5. Estes últimos dois tendem a aumentar ao longo da birra.
Pode-se concluir que as emoções estão associadas às cognições, ou seja, quando a criança percebe que irá ser contrariada pelos pais sente raiva, mas continua com a esperança de conseguir o que pretende. Quando percebe que não obtém os resultados pretendidos com raiva surge a angústia5.
Este tipo de comportamento de oposição desempenha um papel essencial na distinção e afirmação do “eu” em relação aos outros, desenvolvendo assim a autonomia2.
As birras nestas idades são a consequência lógica da falta de mecanismos para lidar com a frustração, associada a uma linguagem verbal ainda escassa, dificuldade no processamento da informação, incapacidade para entender o futuro e adiar as suas vontades e pouca capacidade de coping para lidar com os problemas e saber resolve-los.
As birras inicialmente são utilizadas com o intuito de atraírem sobre si a atenção dos pais/adultos e, posteriormente, quando já dominam melhor a linguagem falada, a partir dos três anos, como forma de manipulação dos adultos4.
De entre os diversos fatores que favorecem o aparecimento das birras destacam-se o cansaço, o sono, a fome e certas situações como a refeição, a hora de deitar, as idas ao supermercado ou a falta de atenção3.
Como foi referido as birras fazem parte do desenvolvimento psicoafectivo considerado normal da criança, onde a sua total ausência traduz um sinal de alarme, por ser o reflexo da existência de dificuldades a nível do processo de separação/individuação da criança. Assim, os pais devem ainda pedir ajuda a profissionais quando as birras aumentam de frequência, duração e intensidade e o seu controlo não é possível; sempre que durante a mesma a criança se magoe ou magoe alguém, destrua objetos/brinquedos, ocorra na escola e empeça a sua aprendizagem ou ainda quando os pais reagem com agressividade às birras4.
Quando as birras persistem para além da idade considerada habitual podem acompanhar alguma perturbação do neurodesenvolvimento. Nomeadamente o défice cognitivo, perturbação da linguagem, perturbações do espetro do autismo, perturbação de défice de atenção e hiperatividade, perturbações da visão e audição e as dificuldades escolares6. Podem ainda fazer parte do quadro clínico de algumas síndromes de causa genética, como a síndrome de Prader-Willi ou Síndrome do X Frágil7.
As birras causam enorme constrangimento aos pais, sobretudo quando acontecem em lugares públicos. O que faz a diferença é o modo como estes lidam com elas, podendo transformar birras esporádicas em frequente, pelo que devem ser aconselhados no sentido de adquirirem ferramentas para as saber controlar ou evitar. Sendo assim a melhor maneira de lidar com as crianças que fazem birras é evitar que elas surjam, para tal é essencial conhecer os fatores que as desencadeiam para os evitar.
Neste contexto deve ser respeitado as necessidades do sono da criança e se for caso disso devem fazer a sesta; evitar que sinta fome, respeitando os horários; os brinquedos/objetos “proibidos” não devem estar ao alcance da sua visão e devem ser adequados à sua idade, para não provocarem frustração; dar a possibilidade de escolha à criança, sempre que possível, a roupa, sapatos ou o tipo de alimentos e impor limites/regras, ou seja, avisar previamente que assim que termine o jogo, o programa de televisão ou a leitura da história vai para a cama dormir.
No início da birra, sempre que for possível, é essencial desviar a atenção da criança, deslocando-a para outro local (sair do supermercado ou ir para outra divisão da casa), para evitar o seu descontrolo emocional e sempre que esta tem tendência para bater com cabeça, evitar que tal aconteça para não se magoar, contendo-a3.
Uma vez iniciada a birra, existem alguns procedimentos básicos. Assim, é essencial manter a calma, afastar-se e ignorar esse mau comportamento, pois só assim ela vai entender que essa atitude não lhe confere qualquer privilégio. Evite ainda chamá-la à razão, castigá-la ou recompensá-la, pois tal facto vai exponeciar o seu descontrolo. Só uma vez a birra terminada explique com clareza que tal comportamento não a vai beneficiar em nada e como é importante haver regras pré-estabelecidas, não ameace, deve manter-se firme e aplicar o devido castigo e de imediato, para que esta associe o comportamento ao castigo.
Crianças que fazem birras difíceis, com o intuito de melhor planear a sua prevenção e controle, deve-se fazer um diário de ocorrências, onde será registado os fatores que as desencadeiam, o local onde ocorreu, a duração, a descrição de cada birra, as estratégias utilizadas no controlo e respetiva eficácia e o que ocorreu após a mesma.
Bibliografia:
1DANIELS, E; MANDLECO, B & LUTHY, BE (2012). Assessment, management and prevention of childhood temper tantrums. J Am Acad Nurse Pract; 24 (10): 569-73
2CORDEIRO, M (2011). O grande livro dos medos e das birras. Lisboa: Esfera dos livros.
3POTEGAL, M & DAVIDSON, RJ (2003). Temper tantrums in young children: 1. Behavioral composition. J Develop Behav Pediat. 24 (3): 140-7.
4HARRINGTON, RG. Temper tantrums: guidelines for parents. NASPResources, 2004. Disponível em. http://ww.nasponline.org [1] [acedido em 25/10/2018].
5POTEGAL, M [et al.] (2009). Rages or temper tantrums? The behavioral organizational, temporal característics and clinical significance of abgry-agitated outbursts in child psychiatry inpayients. Child Psy Hum Develop; 40: 621-636
6KASTNER, T & WALSH, K (2005). Mental Retardation: behavioral problems. In: PARKER, S; ZUCKERMAN, B & AUGUSTYN, M. Developmental and Behavioral Pediatrics: a handbook for primary care. Philadelphia, PA: Lippincott Williams and Wilkins. 52: 234-7.
7CASSIDY, SB & DRISCOLL, DJ (2008). Prader-Willi syndrome. Eur J Hum Genet. 17 (1): 3-13.
Ligações
[1] http://ww.nasponline.org
[2] https://www.atlasdasaude.pt/artigos/um-bom-colchao-ajuda-reduzir-insonia-na-infancia
[3] https://www.atlasdasaude.pt/publico/content/ha-uma-geracao-que-nao-desliga-dependencia-pela-tecnologia-esta-aumentar
[4] https://www.atlasdasaude.pt/artigos/sono-do-bebe
[5] https://www.atlasdasaude.pt/foto/pixabay
[6] https://www.atlasdasaude.pt/taxo-categories/artigos-de-opiniao
[7] https://www.atlasdasaude.pt/taxo-categories/artigos-complementares
[8] https://www.atlasdasaude.pt/taxo-categories/saude-infantil
[9] https://www.atlasdasaude.pt/autores/mario-oliveira-enfermeiro