XII Simpósio Internacional de Aleitamento Materno

Verdades e mentiras sobre o leite humano e o aleitamento materno

Atualizado: 
12/04/2017 - 15:38
Realizou este fim-de-semana em Florença (Itália) o XII Simpósio Internacional de Aleitamento Materno. Este congresso contou com a participação dos principais investigadores em temas de aleitamento e leite humano a nível mundial. Durante estes dois dias, mais de 400 pediatras, neonatólogos, enfermeiros especialistas e responsáveis das Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais de todo o mundo conheceram novas contribuições científicas relacionadas com os benefícios do leite humano.

O encontro esteve centrado em três eixos principais: os componentes únicos e diferenciais do leite materno, a sua importância nos bebés prematuros e os resultados recentes de estudos de investigação básica realizados sobre o leite materno. As diferentes palestras responderam a muitas das dúvidas que mães, pais e profissionais da saúde têm sobre o leite humano e o aleitamento materno. Com base nos últimos avanços no âmbito da investigação nestes campos, desmentiram ou confirmaram muitos dos paradigmas que se utilizam na sociedade atual em torno desta prática.

Com os principais temas tratados no XII Simpósio Internacional de Aleitamento Materno, foi elaborado o seguinte decálogo de verdades e mentiras sobre o leite humano e aleitamento materno:

1. Cerca de 80% dos bebés em todo o mundo são alimentados exclusivamente com leite humano durante os primeiros seis meses de vida.

Falso. Segundo afirmou a Dra. Diane Spatz, professora do Perinatal Nursing e professora de Nutrição Helen M. Shearer da Faculdade de Enfermaria da Universidade da Pensilvânia (Estados Unidos), apesar das sucessivas recomendações de instituições e especialistas sobre os benefícios do leite humano, menos de 40% dos bebés no mundo são alimentados exclusivamente com leite humano. Além disso, Diane Spatz explicou na sua apresentação, “Increasing capacity for the provision of evidence-based human milk and breastfeeding support”, os diferentes projetos que se têm desenvolvido nos Estados Unidos, Tailândia e na Índia com o objetivo de valorizar os benefícios do leite humano e aumentar as taxas de amamentação.

2. Impedir aos pais o acesso à sala de prematuros traduz-se em menores taxas de aleitamento materno, menor desenvolvimento do bebé e aumento da insegurança e ansiedade dos pais.

Certo. Incorporar o contacto e cuidado dos pais ao programa neonatal ensina-lhes como cuidar melhor dos seus bebés prematuros. O médico Shoo Lee, da Universidade de Toronto e do Hospital Mount Sinai de Toronto (Canadá), explicou o funcionamento do Modelo de Atenção Integrada da Família, um estudo multicêntrico aplicado no Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Este modelo permitiu que os pais participem, desde o nascimento, de forma plena no cuidado do bebé prematuro, graças tanto ao seu envolvimento pessoal como ao da equipa da Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN).

3. O leite humano pasteurizado com o método Holder conserva todas as suas propriedades bioativas.

Falso. Caso o leite humano seja administrado ao bebé nas 24 horas seguintes à extração, não requere um tratamento térmico prévio, nem que se realize um cultivo de rotina. No caso dos bancos de leite materno, o leite humano é submetido a um processo de pasteurização (aquecer o leite a 62,5°C, durante 30 minutos), mediante o método conhecido como Holder, que garante a segurança microbiológica mas que destrói numerosas propriedades nutricionais e bioativas do leite humano.

O médico Guido E. Moro, da Associação Italiana de Bancos de Leite Humano, transmitiu na sua apresentação, “Processing of donor human milk: is there something better than Holder pasteurization?“, as investigações que estão a ser desenvolvidas para superar as limitações que o método Holder de pasteurização pressupõe. Uma alternativa que parece melhorar este processo é a pasteurização rápida: aquecer o leite humano a 72°C, entre 5 e 15 segundos. Este método, denominado High-Temperature Short-Time (HTST), já está estabelecido na indústria alimentar e começou a ser testado no leite humano. De facto, a equipa de Moro utilizou um dispositivo (HTST) desenhado especificamente para os bancos de leite humano. Na sua avaliação não se detetou crescimento de microrganismos patogénicos ou bactérias depois da pasteurização, comparativamente ao método Holder. Além disso, o conteúdo de imunoglobulina A secretória (anticorpo que evita que agentes patogénicos entrem no corpo), lisozima e lípase (enzimas) foram significativamente maiores no leite pasteurizado com HTST. Como tal, este método demonstrou ser mais eficaz, para manter as ditas propriedades, do que o método Holder.

4. O leite humano é apenas uma fonte de nutrição para a criança em crescimento. A fórmula infantil substitui-o facilmente com os mesmos ingredientes.

Falso. O leite humano proporciona benefícios para a saúde do bebé a longo prazo, como: menos obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares. Estes benefícios não são fornecidos pelo leite de fórmula. O médico Bo Lönnerdal, do Departamento de Nutrição e Medicina Interna da Universidade da Califórnia (Estados Unidos), explicou na sua palestra,“Bioactive milk proteins and their impact on infant health and development”, que o leite humano tem proteínas fundamentais para o desenvolvimento do bebé, como a lactoferrina, a α-lactoalbumina, com propriedades fundamentais para o correto desenvolvimento e proteção do intestino delgado; proteínas da membrana dos glóbulos gordos do leite, com propriedades anti-infeciosas; e a osteopontina, implicada na função imunológica e, possivelmente, também no desenvolvimento do cérebro.

Além disso, Donna Geddes, professora associada da Faculdade de Ciências da Universidade de Western Austrália (Austrália), explicou que recentes investigações das crianças pré-termo alimentadas predominantemente com leite humano mostram um melhor crescimento do cérebro, maior coeficiente intelectual, memória, rendimento académico e função motora aos sete anos de idade. Estes benefícios provêm de propriedades do leite humano que não estão presentes no leite de fórmula, segundo expôs na sua palestra “Sucking dynamics of preterm infants in the NICU”.

5. O leite materno é igual em todos os mamíferos. O leite humano e o leite de vaca têm aproximadamente o mesmo número de oligossacáridos (açúcares).

Falso. A composição do leite materno raras vezes é a mesma para as distintas espécies, pelo que uma variação substancial entre os indivíduos parece influenciar a sobrevivência e bem-estar infantil, segundo afirmou a médica Katie Hinde, professora associada do Center for Evolution and Medicine da Universidade Estatal do Arizona (Estados Unidos), na sua apresentação “Species-specific features of primate milk”.

De facto, há variações substanciais. A seleção natural tem sido a encarregada de modelar uma “receita biológica” específica do leite materno nos mamíferos, de modo a apoiar as prioridades de desenvolvimento dentro do contexto socio-ecológico de cada espécie. No caso dos primatas, o papel do leite é substancialmente diferente em aspetos como a eliminação dos vírus, o perfil de glicanos e a proteoma do leite. No leite de vaca, até ao momento, os científicos identificaram aproximadamente 40 oligossacáridos (açúcares), ao passo que o leite humano tem mais de 200. Estes oligossacáridos servem como pré-bióticos, estimulando a digestão infantil, destruindo bactérias intestinais nocivas e ativando o sistema imunológico do bebé.

6. Os recém-nascidos prematuros carecem de uma estrutura craniofacial desenvolvida que lhes permita pegar no peito. Obrigá-los a amamentar pode provocar uma má-formação permanente da estrutura craniofacial.

Falso. Um bebé prematuro que desenvolva gradualmente a força do vácuo e a coordenação de chupar-engolir-respirar para amamentar pode ajudar a sua estrutura craniofacial a desenvolver-se ao longo de uma trajetória mais normal e saudável. Além disso, segundo afirmou a médica Geddes, a má oclusão reduz-se em cerca de 68% nos bebés que tenham sido amamentados.

7. Fomentar o contacto pele com pele entre as mães e os recém-nascidos na maternidade e na unidade de neonatologia reduz a morte súbita dos recém-nascidos nas primeiras horas e dias depois do parto.

Certo. O contacto pele com pele imediatamente depois do parto favorece a adaptação metabólica cardiorrespiratória e térmica além de propiciar a colonização da pele do trato gastrointestinal do recém-nascido com microorganismos não patogénicos da mãe.

Na sua exposição, o médico Riccardo Davanzo, da Área de Pediatria e Neonatologia do Hospital Madonna delle Grazie de Matera (Itália) e da Área de Neonatologia do Instituto de Saúde Materno-Infantil do IRCCS Burgo Garofolo de Trieste, transcreveu os resultados do protocolo de melhores práticas implementado neste último centro, com o objetivo de prevenir o Colapso Neonatal Repentino e Inesperado (SUPC, pelas siglas em inglês), ou morte súbita. A morte súbita pode afetar os recém-nascidos nos primeiros sete dias e, particularmente, nas duas primeiras horas de vida.

Este protocolo inclui diferentes aspetos, como: informação oral e escrita pré-natal e pós-natal inicial aos pais; avaliação periódica (posição, cor e respiração) do recém-nascido aos 10, 30, 60, 90 e 120 minutos de vida pelos enfermeiros e/ou o pediatra no bloco partos; o desânimo de partilhar a cama, o estímulo do contacto pele com pele apenas quando as mães estão completamente despertas, para evitar o risco de morte súbita do bebé; e, finalmente, não deixar as mães sozinhas com o bebé nas primeiras horas depois do nascimento.

8. O aleitamento materno poderia prevenir a morte por cancro de até 25.000 a cada ano.

Certo. A médica Catharina Svanborg, responsável do departamento de Microbiologia, Imonulogia e Glicobiologia do Institute of Laboratory Medicine da Universidad de Lund (Suécia), que tem investigado durante mais de 15 anos os benefícios do leite humano contra o cancro de mama, explicou na sua apresentação, “HAMLET from serendipity to the clinic”, as características de HAMLET, um complexo anti tumoral formado por proteínas e lípidos (α-lactoalbumina e ácido oleico).

A sua potência contra o cancro provem do seu mecanismo de ação, já que induz a apoptose (morte celular programada) em células tumorais sem afetar as células saudáveis. Assim, HAMLET elimina mais de 40 linfomas e carcinomas diferentes in vitro. A nível mundial, morrem quase 100.000 crianças menores de 15 anos a cada ano. Cerca de 40% desses cancros são leucemia ou linfoma, e o aleitamento materno pode reduzir em 64% o risco desses cancros infantis. O leite humano também está associado a reduções dramáticas no risco de cancro de mama para as mães que amamentam.

9. Para um bebé nascido pré-termo o leite humano, seja doado ou materno, é a melhor opção.

Falso. Os bebés prematuros evoluem de forma mais satisfatória se ingerem leite da própria mãe fortificada. Se esta opção não é possível, o leite doado e o leite de fórmula são, por esta ordem, as melhores alternativas. Assim expôs o médico Luigi Corvaglia, professor associado da UCIN do Hospital S. Orsola Malpighi da Universidade de Bolonha (Itália), durante a sua intervenção no XII Simpósio Internacional de Aleitamento Materno.

Além disso, na sua palestra, “Human milk benefits for preterm infants in the NICU”, Corvaglia, frisou que os problemas de peso dos bebés prematuros podem ser abordados seguindo um protocolo individualizado de fortificação.

10. O aleitamento materno facilita a poupança de custos para os Serviços Nacionais de Saúde.

Certo. Embora apenas 10% da população neonatal anual nasça prematura, a nível mundial, o tratamento hospitalar dos neonatos prematuros representa cerca de 50% de todos os custos de atenção da saúde do recém-nascido. Segundo os dados do estudo “The Health economic value of feeding human milk to preterm infant”, elaborado pelo York Health Economics Consortium (YHEC), da poupança total estimada por criança que seja alimentada com leite materno, cerca de 64,5% (670,6€) aplica-se ao período durante o qual a criança permanece hospitalizada na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN) e os 35,5% restantes (369€) estariam vinculados à redução de doenças a longo prazo e complicações após alta hospitalar.

Segundo o relatório Euro-Peristat, Portugal é um dos países da Europa com maior taxa de bebés prematuros, na proporção de um a cada 13 nascimentos, pelo que nascem anualmente no nosso país cerca de 7.736 crianças prematuras. A poupança de custos estimada para Portugal, tendo por base as conclusões do estudo, ascenderia a 8,04 milhões de euros anuais.

Fonte: 
Duomo Comunicación
Nota: 
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