Eutanásia

Oncologista recusa debate religioso e estigma sobre médicos

Os médicos favoráveis à despenalização da eutanásia não devem ser estigmatizados, alerta o oncologista Jorge Espírito Santo, que avisa que o debate em torno da morte medicamente assistida não pode ser transformado numa questão religiosa.

“O pior que pode acontecer é quem entende que o doente tem direito a escolher, e se disponibiliza para o apoiar nessa escolha, ser transformado numa espécie de assassino sem escrúpulos e sem emoção”, afirmou Jorge Espírito Santo, médico que tem assumido a sua posição a favor da despenalização da morte assistida.

O clínico é perentório ao afirmar que “rejeita em absoluto” esses rótulos, sublinhando que são ainda piores quando são veiculados por médicos.

Jorge Espírito Santo participa hoje, no Porto, num debate sobre “Decisões sobre o fim de vida”, que é promovido pela Ordem dos Médicos.

O médico argumenta que a defesa da despenalização da eutanásia não vai contra a deontologia médica nem contra o juramento de Hipócrates.

“O nosso juramento não é uma tabela de lei, é um modelo de comportamento. Um modelo que tem espinhas dorsais e um ADN que não muda: pôr o interesse do doente em primeiro lugar. O interesse do meu doente é a minha primeira preocupação”, refere.

Em entrevista à agência Lusa, recorda que já foi abandonado o “modelo paternalista da prática médica” e insiste que ao colocar o interesse do doente em primeiro lugar nunca se estará a infringir o juramento médico.

“Percebo que haja médicos com interpretação diferente da minha. Ninguém pode é ser estigmatizado pela sua interpretação do código de comportamento. No essencial, no que é a determinante e a espinha dorsal da profissão, estamos todos de acordo: o médico tem de pôr o interesse do seu doente como primeiríssima das suas preocupações”, afirma.

Para o oncologista há outra questão essencial neste debate sobre a eutanásia que deve ser esclarecida: não estamos perante uma questão religiosa.

Trata-se, antes, de uma questão “de cidadania e de liberdade de escolha”.

“Quem acha que a sua doutrina o inibe de fazer essa escolha, não a fará. Não tem é a de impor. Vivemos num estado laico e de direito. Este é o nosso contexto e a questão não é e não pode ser religiosa”, argumenta.

Aliás, para o oncologista a defesa da despenalização da eutanásia existe precisamente porque as pessoas têm o direito de escolher: “Não é justo condenar alguém apenas pelas nossas convicções, a tolerar uma situação que para a própria pessoa não é tolerável. O que defendo é que haja direito de escolha”.

Jorge Espírito Santo lembra que a eutanásia não está prevista nem existirá apenas para o doente oncológico terminal, sendo abrangidas outras situações em que exista “sofrimento intolerável e irreversibilidade da situação clínica”.

Sobre o debate muitas vezes imposto “eutanásia versus cuidados paliativos”, o médico lembra que são situações que de forma alguma se excluem e que não pode ser confundida a necessidade de cuidados paliativos com a possibilidade de se optar por uma antecipação da morte.

“Todas as situações devem ter acesso a cuidados paliativos que, por definição, são os que aliviam sintomas e melhoram o bem-estar. Mas os cuidados paliativos têm o seu âmbito de ação e nem todas as situações podem ser manejadas a contento dos doentes com os cuidados paliativos”, defende.

O oncologista nota até que “dos 10 países em que a qualidade da morte é melhor, com efetivo acesso a cuidados paliativos, em cinco foi despenalizada a morte medicamente assistida”.

Espírito Santo assume que, “tal como quase todos os oncologistas”, conhece doentes que já manifestaram vontade de antecipar a sua morte.

Aliás, o médico refere que a sua posição sobre a morte assistida é muito fruto da sua experiência profissional e do contacto que foi tendo com situações “muito complicadas e que implicaram muito sofrimento”.

“Alguns doentes, mas muito poucos, foram capazes de verbalizar o pedido, que obviamente não pôde ter sequência”, indicou.

Apesar de reconhecer que o ato da eutanásia em si não é um ato médico, o especialista refere que “tudo o que está à sua volta é um ato médico”, todo o trabalho de avaliação do pedido, de acompanhamento, de preparação e até da escolha do método a utilizar para abreviar a morte.

Jorge Espírito Santo reconhece que “os médicos estão treinados para curar” e que muitas vezes encaram a morte “como uma derrota”, mas rejeita que só uma “pequena minoria” de clínicos seja favorável à despenalização da morte assistida

A este propósito, recordou um inquérito feito em Portugal a oncologistas em que quase 40% dos que responderam “manifestaram abertura” em relação à eutanásia.

O médico sublinha que o cunho tão penalizador da eutanásia está ainda muito ligado a experiências feitas por médicos nazis durante a Segunda Guerra Mundial. Contudo, lembra que mesmo etimologicamente a eutanásia significa “boa morte”.

“O que se pretende é exatamente isso. É que, na sua escolha final, cada pessoa tenha o direito de partir o mais tranquila e confortavelmente que seja possível”, concluiu.

 

Fonte: 
LUSA
Nota: 
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