Medicina Dentária Neurofocal ou Integrativa: que é?

A nossa boca diz-nos muito sobre a nossa saúde

Atualizado: 
20/03/2018 - 15:06
A boca é a porta de entrada para dentro do nosso corpo e os dentes estão totalmente conectados com o resto do organismo. Esta é a base do que é conhecido como a Medicina Dentária Neurofocal ou Integrativa, uma abordagem que considera a pessoa como um todo, e, por esta razão, um problema dentário, um tratamento efetuado, um material utilizado na boca podem ser causa ou influenciar fortemente problemas de saúde geral.

Os meridianos são como canais que passam no nosso corpo e que conectam vários órgãos incluíndo os dentes.  Desta forma, ao tratarmos um dente estamos a contribuir também para uma melhor saúde do órgão correspondente. Por exemplo, os incisivos superiores e inferiores estão relacionados com o rim e bexiga, os caninos com o fígado, os pré-molares com o pulmão e intestino grosso e, por fim, os  molares com o estômago, baço e pâncreas.

Frequentemente, encontramos pessoas com problemas recorrentes sempre no mesmo dente e que se arrastam ao longo de anos. Na maioria das vezes já recorreram a vários tratamentos e acabaram até por ter que extrair o dente. Nestes casos, devemos suspeitar se existe alguma disfunção em alguns dos órgãos correspondentes e idealmente trabalhar sempre de forma articulada com as outras áreas da medicina e da medicina não convencional.  

O contrário também acontece. Recebemos muitas vezes um doente que sabemos que sofre do estomâgo de uma forma crónica. Nestes casos, devemos avaliar bem os dentes correspondentes. Por vezes apresentam uma desvitalização que nos pode fazer suspeitar que aquele dente é interferente e que pode estar a bloquear o meridiano do estômago e fazer com que órgão não funcione na sua plenitude.  

Desta forma, a medicina dentária integrativa não é uma nova área da medicina dentária mas sim um conceito baseado em príncipios muito bem estudados e que nos apontam para uma visão completamente integral do doente onde a boca e os dentes não só estão conectados com todo o corpo como são o principal e primeiro contacto permanente do exterior com o interior podendo ser responsável por desiquilibros provocados em zonas à distância. Esta atitude leva-nos muitas vezes a alterar a tomada de decisão relativamente a determinadas situações na boca que de outra forma poderiam passar despercebidas.

É verdade que todos os procedimentos que fazemos e os materiais que colocamos têm sempre um certo nível de toxicidade para a pessoa. No entanto, devemos ter sempre presente que a escolha dos materiais que utilizamos deve ser cuidada e atenta e de preferencia a mais adequada para cada pessoa. Deve optar-se sempre que possível por procedimentos minimamente invasivos e que tenham o menor impacto para o paciente.  Manter e conservar a estrutura do dente, apostar na prevenção, não utilizar materiais tóxicos como as amálgamas (“o chumbo nos dentes”) e apoiar a sua substituição utilizando protocolos rigorosos de segurança, são algumas das medidas que devemos adoptar. A International Academy of Oral Medicine and Toxicology (IAOMT) desenvolveu um protocolo muito exigente para a remoção das amálgamas em segurança e dedica-se bastante ao estudo das consequências para a saúde da acumulação de mercúrio proveniente destes materiais dentários ao longo dos anos. Doenças degenerativas, auto-imunes e depressão são algumas das principais doenças que podem ter como um dos factores agravantes a intoxicação por mercúrio. 

Na medicina dentária integrativa e biológica utiliza fortes aliados como ferramentas fundamentais. A terapia neural, uma técnica com muitas bases ciêntificas que actua a nível do sistema nervoso provocando uma desprogramação a nível celular e promovendo uma neuromodelação.

A ozonoterapia é outra técnica de grande interesse como acção antifúngica, antibacteriana e cicatrizante, bem como a utilização de óleos essenciais quimiotipados, com um potencial de acção terapeutica supreendente em inúmeras situações clínicas. Fungos, aftas, gengivite, periodontite e cicatrização pós-cirurgica são alguns dos exemplos onde os óleos quando devidamente seleccionados são altamente eficazes.

 A acupuntura ou hipnose podem também ser utilizadas para o relaxamento e preparação dos doentes para as cirurgias permitindo também uma grande melhoria da sua recuperação no período pós-operatório.

Para mim enquanto médica dentista que se dedica muito à implantologia é uma grande mais valia poder trabalhar diariamente com o recurso a todas estas técnicas tendo sempre em mente as bases da medicina dentária integrativa. Este percurso dedicado à formação nesta área tem sido apaixonante e faz-me sentir realizada por ver que podemos fazer muito mais pelas pessoas ao tratarmos da saúde oral do que somente aquilo que aprendi na faculdade.

Está completamente ultrapassada a época em que os tratamentos de medicina dentária eram considerados um luxo não sendo acessíveis para a maioria das pessoas. É urgente mudar mentalidades. É urgente sensibilizar as pessoas para o impacto que a saúde da boca e dos dentes tem na saúde geral. A partir da saúde oral podemos previnir muitas doenças e melhorar tantas outras. A diabetes, as doenças cardiovasculares, digestivas e respiratórias são alguns simples exemplos.

Em Portugal, a maioria das pessoas tem falta de dentes. Muitos continuam ainda agarrados aos cuidados do passado onde não existiam as anestesias e os métodos de tratamento que temos actualmente. Muitos vivem carregados com medos e a transmitir, ainda que inconscientemente, o “monstro do dentista” geração após geração. E, por fim, fruto deste tenebroso medo continuam a deixar sempre para “a última” na esperança que a doença do dente não avance ou que deixe de doer.

Todos nós sabemos que se deixamos evoluir uma cárie o tratamento não só será mais doloroso para a pessoa como também para a sua carteira. Além do mais, um tratamento inicial de cárie é indolor. Quantas vezes ainda ouvimos no consultório dizer “Nunca mais vim, não tinha problema nenhum!”. Hoje em dia esta realidade não faz sentido. Nenhum médico dentista “arranca dentes com os joelhos ao peito”. Evoluímos, e muito! E, não somos bichos papões!

A cavidade oral é um local sagrado e cheio de mistérios. Deve ser tratada com carinho. Já pensou que durante 24h por dia, 365 dias por ano durante toda a nossa vida, a boca está constantemente a receber coisas do exterior e a absorver/enviar para o interior do nosso corpo?! Desde o ar que respiramos, a comida que ingerimos, as mãos sujas que colocamos na boca, etc. Se a isto juntarmos o elevado poder de absorção das mucosas da cavidade oral e da região sublingual então temos o “cocktail perfeito”. Além disso, os dentes são um sistema vivo compostos por vasos sanguíneos e terminações nervosas que comunicam diretamente com a mesma rede de vasos e nervos do corpo. Desta forma não é estranho pensarmos que as doenças orais possam influenciar a saúde geral.  

Acontece que, enquanto o papel da doença periodontal nas doenças cardiovasculares e diabetes já é muito bem aceite pela comunidade médica, o impacto na saúde de outras patologias dentárias, de desiquilibrios emocionais, bem como o perigo das amálgamas dentárias, ainda carece de algum reconhecimento/consenso.

Os problemas de saúde oral nas crianças também têm sido um tema de grande interesse para a comunidade ciêntifica, e,  já está bem demonstrado que as doenças orais podem contribuir para o défice de atenção, dificuldades na escola, distúrbios do sono, etc. Recentemente,  a Direcção Geral de Saúde assinou um protocolo com outras entidades, entre elas o Instituto Universitário Egas Moniz, para que a Saúde Oral seja integrada nos currículos escolares. Já no ano passado a entrada da medicina dentária no serviço nacional de saúde demonstra que aos poucos Portugal vai dando os primeiros passos para que a saúde oral seja valorizada pelos Portugueses e o acesso aos cuidados possa chegar a um maior número de pessoas.

Autor: 
Dra. Joana Vasconcelos Cruz - médica dentista e diretora clínica das Clínicas Viver
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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