Entrevista

Imunoterapia: a arma mais eficaz no tratamento do cancro de bexiga avançado

Atualizado: 
08/05/2018 - 15:35
É um dos 10 tipos de cancros mais comuns em todo o mundo, estimando-se que atinja, todos os anos, cerca de dois mil portugueses. No âmbito do Mês de Sensibilização do Cancro da Bexiga, o Atlas da Saúde esteve à conversa com Joana Febra, oncologista do Centro Hospitalar do Porto, que descreve a imunoterapia como a opção terapêutica mais eficaz no tratamento do cancro da bexiga em estado avançado, alertando ainda para a importância do diagnóstico precoce.

O que é o carcinoma urotelial e qual a sua incidência na população portuguesa?

O carcinoma urotelial é reconhecido genericamente como tumor maligno da bexiga. No entanto, a terminologia de carcinoma urotelial pode ser aplicada não só à bexiga como também à pélvis renal, ureteres e uretra.  

O cancro da bexiga constitui um dos 10 tipos de cancro mais comuns em todo o mundo e o 5º a nível europeu. Em Portugal, estima-se que sejam diagnosticados anualmente 1.900 novos casos de cancro da bexiga. Segundo dados do Registo do Programa Nacional para as Doenças Oncológicas (2014), a incidência do cancro da bexiga, em Portugal, situou-se em 17,6 por cada 100.000 habitantes – e este valor sobe para 29 em cada 100.000 habitantes considerando apenas o sexo masculino.

Quais os principais sintomas ou sinas de alerta?

A neoplasia da bexiga pode ter sintomas semelhantes a outras doenças, como por exemplo uma infeção.

O sintoma mais frequente e que deve constituir um sinal de alerta é o aparecimento de sangue na urina (hematúria), que ocorre em cerca de 85% dos casos. Este sinal pode aparecer isolado ou acompanhado de outros sintomas, como ardor ou dor miccional, sensação de esvaziamento incompleto e aumento da frequência miccional. Para além disto, podem aparecer sintomas mais gerais como dor lombar, dor abdominal ou perda de peso inexplicável.

Existem fatores de risco?

As causas para o desenvolvimento de Cancro da Bexiga não estão totalmente esclarecidas. No entanto, há diversos fatores relacionados com o aparecimento desta patologia, sendo o principal o tabagismo. Sabe-se que os fumadores apresentam 3 vezes mais probabilidade de vir a desenvolver cancro da bexiga. Além do tabaco, a idade também parece estar relacionada, com aumento do aparecimento da doença em idades superiores a 65 anos (em 70% dos casos), assim como o sexo masculino (3 a 4 vezes mais frequente do que no sexo feminino), a raça caucasiana (2 vezes mais frequente do que na raça negra) e a exposição a agentes químicos (como tintas, borracha, petróleo). Outros fatores que se podem considerar: a história familiar/genética de cancro da bexiga, história de infeções crónicas da bexiga, alterações congénitas, assim como radioterapia prévia com atingimento pélvico.

É possível determinar a sua causa e explicar o porquê desta neoplasia atingir maioritariamente o sexo masculino?

A neoplasia da bexiga é 3 a 4 vezes mais frequente no sexo masculino. Considerando a frequência de todas as formas de cancro, nos homens ocupa o 7º lugar e nas mulheres ocupa o 15º. As razões para isso são multifatoriais, incluindo predisposição genética e maior exposição pelos homens aos fatores de risco (incluindo tabagismo).

Tendo em conta que alguns sintomas são comuns a outras patologias – como é caso da urgência urinária presente na bexiga hiperativa, por exemplo – como é feito o seu diagnóstico?

Como já referido anteriormente, o cancro da bexiga pode ter sintomas semelhantes a outras doenças. Por este motivo, o diagnóstico requer uma história clínica detalhada, exame físico completo e a realização de exames complementares de diagnóstico apropriados. A citologia urinária, uma cistoscopia, uma biópsia e exames de imagem como ecografia, TAC ou ressonância magnética são, geralmente, os exames mais indicados. Num doente com história clínica e exame clínico suspeitos de neoplasia da bexiga devem ser pedidas análises gerais e à urina, uma ecografia pélvica, assim como a realização de uma cistoscopia. Esta técnica permite observar a mucosa e fazer uma biopsia, cujo material é observado ao microscópio pela Anatomia Patológica. Só assim é possível confirmar o diagnóstico de cancro da bexiga.

Sendo que nem todos tumores invadem o músculo da bexiga, como se classificam e qual o seu sistema de estadiamento?

O cancro da bexiga é geralmente classificado de acordo com a profundidade da invasão tumoral: cancro da bexiga não invasivo (≈70%, onde as células cancerígenas se encontram apenas no revestimento interno da bexiga); cancro da bexiga que invade o músculo (≈30%, o tumor avança até ou para além da camada de músculo da bexiga); cancro da bexiga metastizado (≈4%, já existem células tumorais fora da bexiga).

A classificação anatomopatológica dos tumores de bexiga tem em conta o tipo de células que dão origem ao tumor, sendo possível distinguir diversos tipos de cancro da bexiga: carcinoma de células de transição (o mais frequente, ≈90%); carcinoma de células escamosas; adenocarcinoma e carcinoma de pequenas células. Além disso, de acordo com o aspecto das células, existem três graus de malignidade, que indicam a rapidez com que o tumor pode crescer e espalhar-se: Baixo Grau; Grau Intermédio; e Alto Grau (são os mais agressivos e invasivos).

Dado que as opções terapêuticas são diferentes de acordo com a fase em que o tumor se encontra, o seu correto estadiamento ajuda a perceber o tamanho do tumor, a invasão de outros órgãos e a decidir estão qual o tratamento mais adequado para cada caso. A forma mais utilizada para o estadiamento do cancro da bexiga avançado é o sistema de estadiamento TNM, que se baseia na profundidade com que o tumor penetra na parede da bexiga: T (tumor) – descreve o tamanho do tumor; N (nódulos) – descreve o atingimento dos nódulos linfáticos; M (metástases) – descreve se o cancro se espalhou para outras partes do corpo.

Quais as opções terapêuticas disponíveis para o tratamento do cancro da Bexiga?

O tratamento do cancro da bexiga é diferente em função da fase em que a doença se encontra e, dependendo disso, podem utilizar-se como opções terapêuticas: a cirurgia, tratamentos intravesicais (dentro da bexiga), quimioterapia sistémica, radioterapia e imuno-oncologia (imunoterapia).

Quando o tumor se diagnostica precocemente as opções terapêuticas têm intenção curativa, no entanto, quando a doença já é metastizada a sobrevivência é menor e o tratamento é apenas paliativo.

De uma forma geral: para tumores não invasivos o tratamento passa por cirurgia, com ou sem tratamentos intravesicais; para tumores que invadem o músculo, cirurgia, eventualmente tratamentos intravesicais e quimioterapia sistémica; para tumores metastizados, quimioterapia sistémica, imuno-oncologia (imunoterapia) e eventualmente radioterapia.

É fundamental ter sempre em conta que o tipo de tratamento varia também de acordo com estado geral do doente, idade, estadio do tumor, preferência do doente e possíveis efeitos secundários.

Atualmente, a imunoterapia tem demonstrado ser mais eficaz do que a quimioterapia no tratamento do cancro da bexiga em estado avançado. Em que consiste e o que representa esta opção de tratamento, depois de tantos anos sem qualquer avanço terapêutico?

Nos últimos 30 anos, não existiram avanços significativos para o tratamento do cancro da bexiga avançado. A quimioterapia era o único tratamento disponível. Recentemente, a imunoterapia apareceu como uma excelente opção terapêutica para diversos tipos de cancro, inclusivamente o cancro de bexiga avançado, nos casos de doentes que não responderam à quimioterapia com Cisplatina ou que não possam fazer esta terapêutica. Estes tratamentos utilizam a capacidade do sistema imunitário para combater a doença, induzindo uma resposta imune no doente. Estas reações imunológicas podem ser por interação antígeno-anticorpo ou por mecanismos envolvidos na imunidade mediada por células. Os efeitos secundários deste tipo de tratamentos são substancialmente diferentes da toxicidade clássica da quimioterapia. São eventos mais inflamatórios, como por exemplo, tiroidites, hepatites, colites, entre outros, cujo tratamento é também diferente, com o uso de corticoterapia, e em casos mais graves, com imunossupressores específicos.

Qual a taxa de sobrevivência deste tipo de cancro?

O prognóstico do cancro da bexiga é variável, com taxas de sobrevivência que diminuem substancialmente com a progressão do tumor para além da bexiga.

A taxa de sobrevivência aos 5 anos varia com o estadio da doença à altura do diagnóstico. Nos casos de doença em estadios iniciais, a sobrevida poderá alcançar os 96% aos 5 anos. No entanto, um de cada 10 casos de cancro da bexiga já se disseminou à altura do diagnóstico, sendo a sobrevivência apenas de 5-6% aos 5 anos.

Neste sentido, qual a importância do diagnóstico precoce? Existem rastreios? Quando se deve investigar a doença?

Com base no anteriormente referido, é de facto importante diagnosticar precocemente esta patologia de forma a aumentar a sobrevida destes doentes. Na verdade, o cancro da bexiga, apesar de não ser uma doença rara, não é muito falado nem discutido. Não existem rastreios para este tipo de neoplasia, mas é muito importante estar alerta sobre os seus fatores de risco. O aparecimento de algum sinal de alerta deve levar o doente a consultar o médico assistente, para realização do exame físico completo, seguido de exames auxiliares e encaminhamento para a consulta de especialidade, se pertinente. 

Em que consiste a reabilitação após o tratamento e qual a sua importância?

Em função dos tratamentos realizados, a reabilitação será diferente, mas, sem dúvida, sempre muito importante. Além disso, os efeitos secundários e as sequelas não são iguais para todos os doentes. É, por isso, fundamental ter uma equipa multidisciplinar (médicos, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas) a trabalhar em prol do doente na recuperação do seu estado geral, da sua independência e vida quotidiana. É necessário tentar equilibrar a sua esfera emocional, física e também sexual. 

Muitas vezes o que acontece é a perda da função da bexiga, sexual, ou a construção de um estoma, e por isso uma necessidade emergente de aprender a cuidar do mesmo. Relativamente ao atingimento psicológico após o diagnóstico e tratamento do cancro da bexiga, a ansiedade, depressão reativa, dificuldade em dormir, aparecem com frequência. A quimioterapia contribui também para um mau estar geral, debilidade, um emagrecimento temporário, enquanto que a imunoterapia pode levar ao aparecimento de doenças autoimunes.

É então essencial o doente manter as consultas de seguimento para avaliar o seu estado geral, assim como o risco de reaparecimento do tumor. Isto acontece com maior frequência nos 2 primeiros anos, sendo que, após estes, a probabilidade da doença voltar a aparecer diminui bastante. Por este facto, as consultas de seguimento e os exames complementares são mais regulares nos 2 primeiros anos.

No âmbito do Mês de Sensibilização do Cancro da Bexiga, quais a principais recomendações?

O cancro da bexiga é um dos 10 tipos de cancro mais comuns em todo o mundo, mas ainda é muito desconhecido pela população geral. Além disso, os sinais de alarme são frequentemente desvalorizados, desconhecidos ou ocultados pelos doentes, maioritariamente homens. O mais importante é dar a conhecer quais os sintomas relacionados com esta patologia, para a população estar atenta, perder os preconceitos e agir precocemente. Só assim será possível diagnosticar esta doença em estadios iniciais, permitindo poupar vidas e alcançar melhores sobrevivências. 

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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