Curso base e formação avançada

Formação na área da Enfermagem

Atualizado: 
09/04/2015 - 12:39
Não será a formação o único aspecto que leva os profissionais de enfermagem ao ponto de ruptura e desmotivação que apresentam neste momento com a profissão. Este importante aspecto não é facilmente visível e acessível, mesmo aos mais atentos sectores da sociedade. Mas se a juntarmos com a remuneração aferida e a imagem que um qualquer cidadão tem dum enfermeiro, pode retractar uma considerável justificação da fase que os enfermeiros atravessam.

Será necessário logo à partida dividir a formação em duas grandes áreas, o curso base e a formação avançada (não digo pós-graduada para não ser confundida com as populares pós graduações pelos mais simplistas). Assistimos, há bem pouco tempo, à fusão de diversos estabelecimentos de ensino, medida económica de elevada poupança para o ensino público, algo que faz todo o sentido tendo em conta a fase que o país atravessa e atravessou. Mas isso não mudou os conceitos base que minam um ensino que poderia ser de excelência. As escolas e professores preocupados com os seus doutoramentos meramente teóricos, para cumprir rácios, focam os alunos em aspectos por vezes pouco relevantes, no meu entender.

Veja-se a comparação com o curso de Medicina (quer muitos queiram, quer não), são pares nas equipas de saúde e muito bom exemplo nestas áreas. Os professores na área da medicina estão praticamente na totalidade “no activo”, não deixaram a prática há muitos anos. Não se trata apenas de estarem actualizados ou não a nível de conhecimentos teóricos, mas sim, a nível da realidade que se encontra no terreno, trata-se da posição de conforto principesca de quem apenas frequenta a sala de professores da faculdade, trata-se da prática do dia-a-dia.

Noutras profissões os alunos já nas faculdades são simultaneamente professores dos seus colegas mais novos, começa logo aí a ligação/apoio/coesão/união/interacção entre os elementos duma profissão. Não se mostra a altivez da estrutura educativa, tanto a nível dos recursos humanos como das burocracias desajustadas, para “parecer bom ensino”. O difícil nem sempre é o melhor. Não defendo com isto, de forma nenhuma, a aprendizagem não exigente, mas defendo um ensino equilibrado e descontraído, não opressivo, próprio dos cursos evoluídos.

No final do século passado a enfermagem evoluiu muito a nível de ensino, no entanto nas últimas décadas estagnou. As próprias actuais unidades curriculares das escolas (fundamentação de ECTS/disciplinas) são questionáveis, são muito fechadas “na enfermagem”, não preparando os alunos para todo o resto que vão enfrentar quando lutarem no “charco dos tubarões” que são as equipas de saúde ou mercados de trabalho.

Tudo isto leva a que, e entrando já na formação avançada, os alunos, depois jovens profissionais, optem também por pseudo-formações com pouca credenciação. Isso leva à proliferação de estabelecimentos de pós-graduações e cursos (quase exotéricos) de valor duvidoso, sem elementos de referência. Orgulhosamente colocam essas referências nos CV’s não se apercebendo que jogaram dinheiro fora. Esses estabelecimentos, institutos, centros de formação não são mais (na sua maioria) que uns aglomerados de elementos aproveitadores da infelicidade/necessidades dos enfermeiros. Não se vêem este tipo de proliferações nas áreas do direito, da medicina ou da engenharia, tendo estas áreas também bastantes sub-especificações.

Academicamente não têm valor, têm a sua importância quando usados cirurgicamente, específicos para uma muito singular necessidade. Mas fiquem cientes que quando uma empresa ou instituição pública olha para essa certificação não dá qualquer valor, mais que não seja pela sua diminuta carga horária/ECTS.

Ora, se nos cursos base e de E-learning as Faculdades de Enfermagem são quem tem responsabilidades sobre a mediocridade, aqui são os enfermeiros possidónios que não sabem escolher. Estão sedentos da rápida formação para se poderem evidenciar e ultrapassar um outro infeliz numa qualquer seriação (lamentavelmente utilizo a caracterização de infeliz). Uma formação avançada com grau académico, numa instituição de renome é sempre a melhor opção. A excepção a estas afirmações é o curso de especialização em enfermagem (especialidade), neste caso vejo com bons olhos a sua frequência. Muitos dirão neste momento que “não dá para nada”, não me compete a mim enunciar o Diário da República sobre o patamar de especialista para atingir outras posições, ou fazer futurismo duma realidade próxima onde o patamar de enfermeiro especialista vai novamente ter diferenciação monetária na carreira, apenas posso dizer que é indispensável à profissão se não se quiser regredir.

Nesta linha colocam-se questões importantíssimas sobre o número e as áreas dessas mesmas especialidades. Tenho largas reservas sobre o sistema actual, vejo que as especialidades deverão passar por uma aproximação à organização do sistema de saúde português, muito próximas às especialidades médicas onde assenta toda à organização do sistema de saúde. Não vale a pena forçar grandes áreas de especialidade ou afunilar áreas que nunca vão ter ”corpo” ou reconhecimento suficiente no sistema de saúde, seja ele público ou privado.

Tendo em vista a opinião pública, a imagem e a formação, na generalidade, são ainda pontos-chave a rever pela profissão. A investigação tem de ser real e robusta, o ensino tem de ser estrategicamente nivelado por uma visão/ambição internacional, olhando sempre à organização do sistema de saúde português. Existe ainda um largo percurso até a Enfermagem ser olhada como uma das profissões mais influentes do futuro.

 

Rui Cavaleiro, Licenciatura em Enfermagem, Especialista em Saúde Mental e Psiquiatria, Mestre em Cuidados Paliativos, Doutorando da Faculdade de Medicina de Lisboa em Doenças Metabólicas e do Comportamento Alimentar

 

Autor: 
Rui Cavaleiro
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro e/ou Farmacêutico.