Doença afeta mais de 8 mil portugueses

Esclerose Múltipla: “a nossa luta é diária mas podemos ser felizes com tão pouco”

Atualizado: 
03/10/2018 - 11:10
A fraqueza muscular, dormência ou formigueiro, a par de alterações no equilíbrio, são alguns dos principais sintomas que atingem os doentes com Esclerose Múltipla. Uma doença crónica, inflamatória e degenerativa que afeta o Sistema Nervoso Central e que apresenta um prognóstico bastante imprevisível. Telma Salsinha soube que sofria da doença quando tinha 32 anos. “O meu maior medo era não poder acompanhar o crescimento da minha filha”, diz.

“Após 48h do nascimento da minha filha fiquei com formigueiro nas pernas e as mesmas rastejavam…era como se estas, ao andar, se encaixassem e desencaixassem dos ossos da anca”, começa por contar Telma Salsinha, a protagonista portuguesa da campanha internacional #ExigeMais que pretende alertar as pessoas com Esclerose Múltipla a tomar uma atitude positiva perante a vida. “Porém, nesta altura, associou-se estes sintomas ao parto, visto que foi efetuado a ferros e levei epidural”, acrescenta.

Um ano depois, no entanto, passou a ter dores na coluna e mostrava dificuldade em movimentar a perna. “Fui ao médico e fiz uma ressonância magnética que não acusou nada. O tratamento que me deram, na altura, consistia apenas em injeções de cortisona para as dores”, recorda.

A perda de sensibilidade nos dedos da mão esquerda e fortes dores no pulso fizeram, mais tarde, soar o alerta. “O formigueiro passou para «agulhadas» e estendeu-se a todo o braço e à omoplata esquerda, evoluindo para a parte interna da perna esquerda e a dois dedos do pé”, afirma acrescentando que depois de observada nas urgências do Hospital de Faro o diagnóstico mostrou-se inconclusivo. “Indicaram-me que, caso não melhorasse, deveria ir ao meu médico de família”, refere.

Por indicação do especialista em Medicina Geral e Familiar realizou vários exames para despistar tendinite e Síndrome do Túnel Cárpico. “Andei, inclusivamente, a fazer fisioterapia até que fiz uma ressonância magnética à cervical e, posteriormente, ao crânio”, tendo obtido o diagnóstico da doença no segundo semestre de 2015. Tinha 32 anos e uma filha pequena.

“Recebi esta notícia como se o mundo tivesse acabado naquele instante… Sabia que havia uma doença que se chamava esclerose múltipla mas tinha um profundo desconhecimento sobre a mesma…”, recorda admitindo que pensava que esta patologia e a Esclerose Lateral Amiotrófica eram exatamente a mesma coisa.

Foi o médico que a apaziguou, esclarecendo as inúmeras dúvidas que a tomaram de assalto. “Mesmo assim, andei em modo «automático» durante muito tempo”, confessa.

«É extremamente importante educar, informar e consciencializar para a nossa patologia»

Estima-se que, em todo o mundo, esta patologia afete cerca de 2,5 milhões de pessoas. Em Portugal são mais oito mil os que convivem com uma doença inflamatória degenerativa crónica, de origem autoimune, que afeta o Sistema Nervoso Central.

De causa desconhecida, sabe-se apenas que é consequência da destruição da substância lipídica – a mielina - que reveste as fibras nervosas do cérebro e medula espinhal, atingindo sobretudo o sexo feminino e com um pico de incidência entre os 20 e os 40 anos de idade.

Há, no entanto, algumas evidências científicas que relacionam o seu desenvolvimento com a genética e algumas infeções desenvolvidas durante a infância.

Os sintomas podem variar consoante a sua gravidade, indo desde a fraqueza muscular, dormência ou formigueiro, às alterações da visão e do equilíbrio ou às dificuldades cognitivas, como a falha de memória.

De acordo com os especialistas, a imprevisibilidade das suas manifestações clínicas é um dos principais problemas no que diz respeito à gestão da doença.

O tipo mais comum da EM caracteriza-se por surtos seguidos de remissão com recuperação total ou parcial dos efeitos sentidos. Na sua forma Secundária Progressiva, a doença manifesta-se inicialmente com surtos mas, à medida que o tempo passa, instala-se a perda gradual das funções, sendo a sua recuperação incompleta.

A Esclerose Múltipla Primária Progressiva não apresenta surtos mas, como se pode ler na página da Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla, “num período de anos vai-se instalando uma perda gradual e insidiosa das funções do corpo”. Quando a doença se mostra “praticamente inexistente ou muito reduzida” anos depois do surto-remissão que levou ao seu diagnóstico, classifica-se como benigna.

A esclerose múltipla não tem cura e os medicamentos disponíveis podem somente “modificar” ou retardar a sua evolução, reduzir a frequência e a gravidade dos surtos, reduzir a acumulação de zonas lesadas no sistema nervoso e ajudar os pacientes a lidarem com os sintomas.

Telma começou o seu tratamento com “injetáveis dia sim, dia não”, no entanto, sem reação. “Após uma avaliação com a neurologista, optámos por experimentar uma outra medicação oral que, até há data, está a funcionar”, explica acrescentando que, atualmente, já existem outras alternativas de tratamento que permitem ao doente viver com a maior qualidade possível.

“Aceitar a patologia foi a fase mais complicada (…) não sabia se ia ficar paralisada, se podia ter uma boa qualidade de vida, não sabia rigorosamente nada. O meu maior medo era não poder acompanhar o crescimento da minha filha!”, revela reforçando a necessidade de manter a população, em geral, devidamente informada e sensibilizada para esta patologia.

Doentes com mobilidade reduzida lutam contra barreiras físicas e emocionais

Aceitar a doença é sempre o mais difícil. Telma admite que essa foi, aliás, a fase mais complicada da sua jornada. “Mas após perceber que a vida é bastante curta e que tenho de aproveitar enquanto estou cá, vou vivendo sempre um dia de cada vez”, afirma admitindo que a fadiga e o cansaço são o seu grande calcanhar de Aquiles. “Tento controlar com a prática de exercício físico controlado. Tenho sempre em atenção ao meu cansaço para não levar o corpo ao limite uma vez que, dessa forma estará a provocar o efeito contrário, mesmo praticando Crossboxing”, explica.

Apesar de ter sido “obrigada” a fazer pequenas alterações no seu dia-a-dia, como é o caso da alimentação, a doença não a impediu de trabalhar. Por opção, decidiu não renovar um contrato numa empresa de telecomunicações onde trabalhava como gestora comercial e abraçou um novo desafio no Município de Olhão. “Felizmente, no aspeto social, se eu não disser nada, não sinto qualquer tipo de constrangimento. Isto porque aparento ser uma pessoa saudável”, revela quando confrontada com a questão da discriminação. No entanto, admite que quando refere que é portadora desta doença as reações nem sempre são simpáticas. “Por vezes ouvimos frases que nos incomodam, como por exemplo: «tão nova e já com a vida desgraçada» ”, comenta.

“Porém, há portadores de EM que sofrem muito preconceito”, afiança. “Há portadores que têm o equilíbrio afetado e são intitulados na rua como alcoólicos, outros que têm a mobilidade reduzida lutam, diariamente, contra as barreiras físicas e emocionais que a sociedade lhe coloca”, acrescenta.

Já no meio laboral, considera que a falta de informação gera preconceito, levando a que muitos portadores decidam omitir o seu estado de saúde com medo de “represálias”. “Devemos ter em atenção que estamos a falar de pessoas em idade ativa e que são tão capazes como as outras… Simplesmente têm de ir mais vezes ao hospital (para ir buscar medicação) ou, às vezes, têm uma quebra de fadiga e cansaço”, explica.

Por tudo isto considera importante falar da doença. “A nossa luta é diária. Temos de ter cuidado com a alimentação, praticar exercício físico ou fisioterapia, mas acima de tudo, e o mais importante, é aceitar a doença”, acrescenta referindo que muita da força que transmite vem de quem a rodeia. “Sei que não é fácil lidar com alguém que tem Esclerose Múltipla. As diferenças de humor por vezes são enormes, principalmente na altura em que se descobre a patologia…”, justifica.

No seu caso, agradece sobretudo ao marido e à filha por não a deixarem cruzar os braços. “Foram inúmeras as vezes que me obrigaram a reagir, que me questionaram se não havia alternativa, que me confrontaram e me perguntaram se me ia entregar ou lutar”, explica.

“Foram eles que me deram o «clique» para passar a #ExigirMais hoje porque amanhã pode ser tarde demais”, conclui fazendo referência à campanha internacional que apela aos portadores da doença a reagir e da qual diz, com orgulho, ter feito parte. “Nós somos uns guerreiros por natureza porque aguentamos todas as condicionantes que a doença nos impinge (…) depois de aceitar a doença temos de agradecer porque estamos vivos e ainda podemos ser felizes”, conclui.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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