Doença genérica

Episódios de dor aguda afetam doente com Drepanocitose

Atualizado: 
23/05/2019 - 16:16
Também conhecida como anemia de células falciformes, a Drepanocitose é uma doença genética, sem cura, que afeta os glóbulos vermelhos do sangue. Em Portugal, estima-se que existam cerca de 600 doentes. Para chamar a atenção para esta patologia, a especialista em Hematologia Clínica, Daniela Alves, explica em que consiste.

A drepanocitose, também conhecida por anemia das células falciformes, é uma doença hereditária associada à produção anómala da molécula de hemoglobina, a chamada hemoglobina S.

A drepanocitose é mais frequente em indivíduos descendentes ou originários de países da região de África subsariana. Este diferencial de distribuição dos indivíduos afectados pela drepanocitose é explicado pela protecção que a presença de hemoglobina S confere contra a malária. Estima-se que esta doença afecte cerca de 4 a 5 milhões de pessoas em todo o mundo.

Sendo uma doença recessiva, esta só se manifesta na sua plenitude se o indivíduo herdar a alteração genética tanto do pai como da mãe.

Existem ainda pessoas que têm o chamado traço drepanocítico, ou seja, que herdaram a alteração genética só de um progenitor, sendo que do outro receberam o gene “normal” da hemoglobina.

As pessoas com traço drepanocítico têm uma variabilidade quanto às manifestações de doença, apresentado habitualmente uma ligeira anemia, sem outras manifestações de doença. Estes indivíduos têm, no entanto, de ser vigiados uma vez que, em algumas circunstâncias, podem desencadear sintomas idênticos aos das pessoas com a doença (sobretudo em contexto cirúrgico, requerendo especial atenção quando são operadas).

As pessoas com traço drepanocítico são também apelidadas de “portadoras”, podendo transmitir a alteração genética à descendência.

A hemoglobina é transportada no interior dos glóbulos vermelhos, responsáveis pelo transporte de oxigénio dos pulmões para os tecidos. No caso da presença de hemoglobina S, esta apresenta uma estrutura diferente do normal, que confere uma rigidez anormal ao glóbulo vermelho, dificultando a sua passagem dentro dos vasos sanguíneos de menor calibre (os capilares).

Consequentemente, os glóbulos vermelhos são mais susceptíveis a serem destruídos ao passarem pelos capilares, sendo esse o motivo pelo qual os indivíduos com drepanocitose sofrem de anemia.

Os glóbulos vermelhos, sendo menos flexíveis, terão tendência a provocar obstruções/oclusões dos pequenos vasos, presentes no interior de tecidos como os músculos, o baço, os ossos, os pulmões e o cérebro, sendo estes territórios os mais atingidos pelo fenómeno que se chama de vaso-oclusão. Este fenómeno é agravado em várias circunstâncias físico-químicas, sendo mais comum no contexto de infecção, exercício físico intenso, desidratação e alterações drásticas da temperatura corporal.

A oclusão dos capilares provoca dor recorrente, chamada de crise vaso-oclusiva, obrigando frequentemente a internamento para hidratação e terapêutica para a dor. Assim, os indivíduos com drepanocitose sofrem frequentemente de episódios agudos de dor, que pode surgir em várias localizações (mais frequentemente nos membros), que os obriga a recorrer ao hospital, sendo internados para hidratação e tratamento intensivo da dor.

Ao longo do tempo, estes episódios provocam alterações a nível dos vasos sanguíneos, facilitando complicações mais graves como acidentes vasculares cerebrais (AVC), insuficiência renal, enfartes do baço, necroses ósseas e alterações da circulação pulmonar que provocam hipertensão pulmonar.

Actualmente o tratamento dos doentes com drepanocitose começa logo na infância, sendo as manifestações da doença comuns a partir dos 6 meses, tratando as crises vaso-oclusivas e tentando prevenir as complicações mais graves.

Assim, os doentes em maior risco de complicações, como o AVC, são submetidos a transfusões sanguíneas regulares, que têm como objectivo a diminuição da percentagem de hemoglobina S no sangue. Esta é uma estratégia comum ao tratamento das complicações pulmonares agudas (a chamada síndrome torácica aguda).

Nos doentes com mais sintomatologia, maior frequência de crises vaso-oclusivas ou em risco de complicações mais graves também está indicado o início de medicação que permite aumentar um subtipo de hemoglobina presente durante a vida intra-uterina e à nascença, a hemoglobina fetal, que se sabe ser protectora contra as complicações da doença. Este medicamento é a hidroxiureia.

Devido aos fenómenos de oclusão dos vasos sanguíneos do baço (enfarte esplénico), os indivíduos com drepanocitose encontram-se em maior risco de desenvolver infecções bacterianas graves, pelo que a prevenção deste fenómeno passa por fazer antibióticos de forma preventiva (profilaxia) durante a infância e a vacinação contra a pneumonia e a meningite.

Nos adultos, o objectivo é minimizar as complicações tardias da doença, como o AVC, a insuficiência renal, a hipertensão pulmonar (que pode evoluir com insuficiência cardíaca), as alterações ósseas, sendo importante uma abordagem multidisciplinar entre várias especialidades de forma a manter o suporte necessário para atrasar a evolução das sequelas da doença.

Nas últimas décadas, graças às medidas preventivas e ao melhor tratamento das complicações, foi possível prolongar a esperança média de vida (actualmente perto dos 60 anos), com qualidade, dos indivíduos com drepanocitose.

Autor: 
Dra. Daniela Alves - Especialista em Hematologia Clínica Hospital Lusíadas Lisboa
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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