Em Portugal há cerca de 250 doentes

Entender a Distrofia Muscular de Duchenne

Atualizado: 
10/09/2018 - 11:33
Para assinalar o dia para a sensibilização e Consciencialização da Distrofia Muscular de Duchenne, o especialista em neurologia pediátrica, José Pedro Vieira, descreve aquela que é uma “doença genética, degenerativa” que atinge cerca de 250 pessoas em Portugal.

A Distrofia Muscular de Duchenne (DMD) é uma doença genética, degenerativa que afecta os músculos.

A doença é conhecida de longa data (Guillaume Duchenne, 1861) contudo a identificação do gene responsável pela doença ocorreu apenas em 1986.

Resulta de um «erro» no gene DMD, localizado no cromossoma X. Este gene codifica uma proteína da membrana muscular chamada Distrofina.

A falta desta proteína na membrana do músculo causa disfunção e instabilidade das fibras musculares e um processo degenerativo longo e persistente nos músculos que leva finalmente a uma paralisia e extensas atrofias musculares.

Um indivíduo do sexo feminino tem dois cromossomas X e portanto duas cópias de todos os genes nele localizados. Ao ser afectado por uma mutação num gene codificador de uma proteína produz esta em apenas 50% (somente um de dois genes é funcional). Isso pode mesmo assim ser suficiente para manter a função das células e dos órgãos. Contudo um descendente do sexo masculino terá somente um dos cromossomas X maternos. No caso de «herdar» aquele que tem a mutação (o que acontece em 50% dos casos) a síntese da proteína será próximo de zero.

Estas regras de transmissão genética (ligada ao cromossoma X) aplicam-se ao gene DMD.

Trata-se portanto em termos gerais de uma doença que afecta rapazes portadores de uma mutação, frequentemente herdada da mãe (que não tem qualquer sintoma de doença muscular).

Deve salientar-se que cerca de 2/3 dos doentes com DMD herdaram uma mutação no gene da distrofina mas os restantes têm mutações «de novo» e nestes casos nenhum familiar colateral ou ascendente estará afectado ou será portador de uma mutação.

Em geral a doença manifesta-se na idade pré-escolar. Os rapazes podem andar ligeiramente mais tarde ou terem uns músculos posteriores das pernas (gémeos) volumosos e um pouco mais consistentes.

Um pouco mais tarde manifesta-se uma falta de força progressiva, inicialmente nos músculos de maior volume e força (ao nível dos ombros e das coxas). Uma progressiva paralisia e atrofia culmina próximo da adolescência na incapacidade para andar.

A paralisia irá mais tarde afectar também os músculos respiratórios, frequentemente agravada por escoliose.

A distrofina existe também nas células musculares do coração e na DMD este órgão está frequentemente também afectado contudo muitas vezes tardiamente e de forma menos expressiva.

O diagnóstico de DMD faz-se, perante um rapaz com os sintomas descritos, pelo doseamento no sangue dum enzima muscular chamado creatina quinase. Este enzima está aumentado, muito acima do normal. Neste contexto passa-se para a análise genética (do gene da distrofina). O estudo genético em geral confirma o diagnóstico, existindo contudo casos raros mais complexos que saem do âmbito da nossa descrição.

O tratamento baseia-se actualmente num programa regular de exercício físico moderado, na Fisioterapia e na administração de corticoides que inequivocamente atrasam a progressão da doença.

A ventilação não invasiva é uma técnica necessária bastante mais tarde para compensar a perturbação respiratória que a fraqueza muscular acaba por causar.

A cirurgia correctiva de escoliose irá também numa fase tardia melhorar a função cardiorrespiratória.

Existe actualmente grande interesse pelo desenvolvimento de tratamento baseado na modificação genética. Algumas destas intervenções são aplicáveis somente a um subgrupo de doentes com Duchenne que têm a mutação apropriada.

Os princípios em que se baseiam são:

Um vírus (vector adenoviral) funciona como «transportador» de uma molécula de distrofina de pequena dimensão com o objectivo de nas células do hospedeiro utilizar a «maquinaria» celular do hospedeiro para produzir distrofina

O processo de síntese de distrofina (proteína da membrana muscular) tem um passo intermédio de translação do DNA para o RNA. Aqui, certas mutações impedem a translação de um segmento do DNA mas ela prossegue formando-se uma proteína de menor dimensão (isto chama-se uma mutação «in-frame»). Outras mutações são pelo contrário «out-of-frame»: a translação não pode continuar. Cerca de 13% dos doentes DMD são portadores de uma mutação «out-of-frame» no exão 51. A intervenção chamada «exon skipping» permite «mascarar» esta mutação com pequenas sequências de oligonucleótidos (chamados «anti-sense»). Esta intervenção poderia restaurar a leitura do DNA e permitir a síntese de uma distrofina encurtada (truncada) mas ainda funcionante.

Em 10 a 15% dos doentes DMD a mutação no gene da distrofina causa uma paragem na translação do DNA para a produção de um RNA homólogo. Isto resulta numa proteína incompleta não funcionante. A intervenção chamada «supressão do nonsense» consiste em administrar um medicamento que promove a translação do gene «ignorando» a presença de um sinal stop causado pela mutação.

*este artigo não foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico, por opção do autor

Autor: 
Dr. José Pedro Vieira - Neurologista Pediátrico Hospital Lusíadas Lisboa
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
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