Entrevista

«Em 2020 haverá quase 80 milhões de doentes com glaucoma»

Atualizado: 
28/03/2018 - 11:06
Considerado o “assassino” silencioso da visão, estima-se que o Glaucoma afete 60 milhões de pessoas em todo o mundo. 100 mil são portugueses. Em entrevista ao Atlas da Saúde, Pedro Faria, Oftalmologista da Unidade de Glaucoma do Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, afirma que diagnóstico precoce é essencial para travar a progressão da doença e suas consequências. Verificar a pressão ocular e avaliar o estado do nervo óptico é a principal recomendação a partir dos 40 anos, sobretudo quando existem antecedentes familiares.

O que é o Glaucoma? E qual a sua incidência?

O glaucoma é uma doença neurodegenerativa em que o nervo ótico se encontra lesado, sendo, geralmente, associada a um aumento da pressão intraocular. É uma doença que, de forma geral, evolui de forma lenta e progressiva, provocando lesões irreversíveis no nervo ótico. O facto de o glaucoma ser assintomático nas fases iniciais contribui para que o seu diagnóstico precoce seja pouco frequente. Estima-se que mais de 100 mil pessoas sofram de glaucoma em Portugal, afirmando-se igualmente como a segunda causa de cegueira no mundo, segundo a OMS.

Quais as causas ou fatores de risco?

O glaucoma surge, em muitos casos, na sequência do aumento da tensão ocular, que pode ter origem em diversas causas. Pode ser devido ao aumento de produção de humor aquoso, o líquido que hidrata a córnea e o cristalino e que regula a pressão interna do olho. Por outro lado, pode haver uma drenagem insuficiente do mesmo, provocando assim uma pressão elevada na câmara anterior do olho.

Raramente, o glaucoma pode ser congénito, sendo esta forma especialmente difícil de tratar requerendo, quase sempre, cirurgia.

O glaucoma pode também ser secundário a algumas doenças, destacando-se a diabetes, doença que provoca lesões na retina, conhecidas como a retinopatia diabética, que, se não forem tratadas na sua fase inicial, provocam glaucoma neovascular, um dos mais difíceis tipos desta doença.

Como se manifesta esta doença?

Ao contrário do que é habitualmente veiculado, o olho com glaucoma não vê manchas escuras nem se assemelha a um túnel. O que acontece verdadeiramente é que as lesões no nervo ótico farão com que o olho não consiga percecionar determinadas áreas do nosso campo de visão.

No entanto, o cérebro, devido à sua elasticidade, preenche esses espaços com informação semelhante àquela que está a receber em seu redor, não existindo qualquer indicação de dor ou inflamação. Assim, a título de exemplo, o doente com glaucoma que vá a passear na rua poderá não ver um sinal de trânsito, uma vez que essa área do seu olho se encontra danificada. No entanto, no lugar do sinal de trânsito, não verá uma mancha negra, mas sim uma continuação da paisagem envolvente, como a continuação do chão ou um muro.

É por esta razão que o glaucoma é assintomático na sua fase inicial: o doente com glaucoma só se aperceberá de que está a ver mal quando tiver uma perceção tão distorcida da realidade que comece a embater contra obstáculos físicos ou não veja elementos que são por demais evidentes, pondo em risco a sua segurança e a dos outros.

Existem diferentes tipos de glaucoma? O que os distingue e qual o mais comum?

O glaucoma de ângulo aberto é o mais comum, pautando-se por um aumento da pressão intraocular e consequente perda progressiva da visão e de campo visual.

O glaucoma neovascular destaca-se pelas pressões intraoculares muito elevadas, que provocam uma evolução muito rápida da doença. Alguns dos seus sintomas são inflamatórios, causando olho vermelho doloroso, sendo a principal causa a retinopatia diabética avançada.

O glaucoma congénito acompanha o doente desde a sua nascença, encontrando-se associado a alterações genéticas que podem ser hereditárias. Nestes casos há aumento da pressão intraocular durante a gestação e nos primeiros meses de vida. A sua deteção é rápida, uma vez que, geralmente, a córnea se encontra efetivamente edemaciada e turva, além de que é comum estes doentes terem fotofobia e olhos vermelhos e lacrimejantes.

No glaucoma de ângulo fechado, a pressão intraocular pode sofrer um aumento abrupto, dando origem a sintomas como a hipovisão, olhos vermelhos e dor ocular intensa, chegando a originar náuseas e vómitos. Estas crises assumem-se como uma urgência clínica que, caso não seja tratada por um médico nas primeiras horas, pode dar origem a cegueira de forma irreversível.

Como é feito o diagnóstico do glaucoma? Tratando-se de uma doença assintomática a que sinais devemos estar atentos?

É muito difícil detetar a doença na sua primeira fase, uma vez que é silenciosa em termos de sintomas. Quando surgem os primeiros sinais evidentes, como olhos vermelhos, dor, produção de lágrima em excesso e sensibilidade à luz, entre outros, é já muito difícil conseguir abrandar a progressão da doença.

O exame oftalmológico regular em que é feita a medição da pressão intraocular, e nos casos suspeitos, a campimetria e a tomografia ótica (OCT), são os exames de diagnóstico mais eficazes na deteção do glaucoma, especialmente em adultos com mais de 40 anos.

O glaucoma pode afetar crianças e jovens ou é uma doença exclusiva dos mais velhos?

O glaucoma é uma doença predominante dos adultos, com especialmente incidência acima dos 60 anos de idade. No entanto, pode também afetar crianças e jovens, em especial crianças com diabetes ou jovens com antecedentes na família.

A partir de que idade devemos procurar o conselho médico? Qual a importância da realização de exames periódicos?

Por ser uma doença predominante nos adultos, é essencial que todas as pessoas com mais de 40 anos façam consultas de oftalmologia de forma regular, para medir e verificar a pressão ocular e avaliar o estado do nervo ótico, especialmente nas pessoas com antecedentes familiares de glaucoma e nas pessoas com mais de 60 anos, grupo em que o risco é ainda mais elevado.

Quais são as principais complicações da doença?

No caso do glaucoma de ângulo aberto, o tipo mais comum da doença, inicialmente, não causa complicações ao doente, uma vez que o cérebro consegue encontrar soluções de substituição para as áreas danificadas do campo de visão.

No entanto, com a progressiva lesão do nervo ótico, a capacidade de resposta eficiente por parte da rede neuronal diminui e o paciente começa a sentir um forte impacto negativo, que passa pelo risco de cegueira. As primeiras complicações são sentidas nas tarefas banais do dia-a-dia, como conduzir, caminhar, trabalhar e outras ações, que, além da sua execução se tornar mais difícil, pela falta de informação visual, é também cada vez menos seguro, pois o risco de choque, colisão e acidente é superior.

É possível prevenir o Glaucoma? Quais os cuidados a ter?

Infelizmente, ainda não é possível prevenir o glaucoma, apesar dos grandes avanços científicos que têm sido levados a cabo nos últimos anos. O que é efetivamente possível prevenir com sucesso é a progressão da doença para formas graves que comprometem a visão. Para tal, é vital a realização de um diagnóstico precoce para dar início, desde logo, ao tratamento correto.

E tem cura? É possível reverter a sua evolução?

O glaucoma não tem cura nem é possível reverter a sua evolução. No entanto, é possível controlar de forma bastante eficaz a doença, para que o doente com glaucoma possa ter uma vida perfeitamente normal. Quanto mais precoce for o diagnóstico, maior será a taxa de eficácia no controlo de danos.

Qual o tratamento?  Atualmente, existem novas opções terapêuticas?

Existem várias opções para o tratamento farmacológico, sob a forma de colírio, com uma ou duas substâncias ativas na sua formulação. Geralmente, começa-se com uma monoterapia e, caso não seja suficiente, pode acrescentar-se um segundo ou até mesmo um terceiro fármaco. Estão disponíveis várias classes terapêuticas, como as prostaglandinas, betabloqueadores, inibidores da anidrase carbónica, etc.

Uma das mais recentes inovações no tratamento farmacológico do glaucoma é o Taptiqom da Santen, que combina Tafluprost e Timolol. Graças à combinação de duas substâncias ativas, consegue-se uma redução da pressão intraocular até 40% em doentes cuja pressão intraocular é muito elevada – na ordem dos 31 mmHg. Entre as vantagens deste novo fármaco aprovado pelo INFARMED, destaca-se a ausência de conservantes, pelo que Taptiqom não só é eficaz na prevenção do agravamento da lesão do nervo ótico, mas também evita os efeitos associados aos conservantes.

A cirurgia é sempre necessária? Qual o risco desta opção terapêutica?

A cirurgia é o último recurso, sendo necessária quando não se consegue controlar a pressão intraocular e visa aumentar a drenagem do humor aquoso. No entanto, a cirurgia poderá ter de ser complementada com tratamento medicamentoso, uma vez que o glaucoma pode sofrer agravamentos mesmo após o procedimento.

No âmbito da importância do diagnóstico precoce, que mensagem gostaria de reforçar?

Atualmente estima-se que 70 milhões de pessoas sofram de glaucoma em todo o mundo. Este número aumenta em 2,4 milhões a cada ano, pelo que em 2020 haverá quase 80 milhões de doentes com glaucoma. Estes são números assustadores que vêm alertar e dar força à importância da deteção precoce e do tratamento adequado. É, portanto, essencial a consciencialização da população para a criação de uma rotina de consulta oftalmológica a partir dos 40 anos, idade com maior risco, de forma a fazer o despiste regular e, nos casos que têm a doença, dar início ao tratamento mais adequado e, assim, não deixar a doença progredir, mantendo uma boa qualidade de vida do paciente.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.