Transplantação: números aquém das possibilidades

“Doação é um ato de generosidade”

Atualizado: 
19/02/2018 - 16:26
Apesar do número de transplantes ter aumentado nos últimos anos em Portugal, especialistas afirmam que o país está aquém do potencial de colheita e transplantação de órgãos. Susana Sampaio, Presidente da Sociedade Portuguesa de Transplantação, fala da importância da doação e do futuro da transplantação. “Existem muitos doentes à espera de um transplante”, relembra.

Os dados da doação e transplantação de órgãos em 2016 apontam para um aumento de 10% de órgãos colhidos de dador falecido face ao ano anterior, com uma taxa de utilização a atingir os 84%. Dois números bastante positivos e que colocam o país em destaque a nível mundial.

No entanto, e apesar do esforço de todos os profissionais envolvidos neste processo, especialistas concluem que é possível fazer mais e melhor.

“O número de doações, e portanto de colheita, tem aumentado nos últimos anos embora sem atingir os números de 2009. A doação por milhão de habitante foi de 32.6 em 2016, um número que nos pode orgulhar a nível mundial”, começa por dizer Susana Sampaio, Presidente da Sociedade Portuguesa de Transplantação (SPT).

“No entanto, temos a noção de que poderemos melhorar”, refere apontando alguns dos motivos que condicionam a otimização das colheitas. “Existem unidades de cuidados continuados (UCI) que não sinalizam aos coordenadores hospitalares todos os potenciais dadores. São vários os motivos para esta situação, nomeadamente o facto das equipas de saúde se encontrarem reduzidas, limitando os recursos para a manutenção dos potenciais dadores”, afirma.

O reforço destas equipas, bem como a realização de campanhas de sensibilização e formação dos profissionais de saúde envolvidos no processo de sinalização, são algumas das soluções apresentadas de modo a melhorar o rácio de colheitas.

De acordo com a presidente da SPT, importa perceber que obstáculos existem a nível das organizações, que estão “aquém das suas potencialidades”, e tentar melhorar os  aspetos assinalados. “A qualidade assistencial das UCI pode ser avaliada pelo número de potenciais dadores e o número que de facto são sinalizados”, explica.

Por lado, importa ainda melhorar a taxa de aproveitamento de órgãos. “O tipo de dadores, nos últimos anos, modificou-se. Ou seja, há uns anos, os dadores eram essencialmente devido a morte por trauma (acidentes), eram mais jovens e portanto os orgãos também”, afirma a especialista.

Atualmente, os dadores são mais velhos e com mais doenças associadas, cuja principal causa de morte é a doença cerebro vascular ou hemorragia cerebral, o que faz com que a “qualidade do órgão” necessite de ser avaliada. “Nestas situações realiza-se uma biópsia – geralmente, falamos de rim ou de fígado para decisão de transplantar ou não. Quando o órgão não reúne condições o transplante não avança”, explica.

Deste modo, de acordo com Susana Sampaio, não podemos falar em desperdício de órgãos, como muitos insistem. “Se os rejeitássemos à partida por serem de dadores mais idosos ou com outras patologias, aí sim, poderiam desperdiçar-se órgãos implantáveis”, justifica.

Poderá ser, então, a transplantação de dador vivo parte da solução? Para a presidente da SPT esta é, sim, uma forma de aumentar a doação permitindo que mais doentes possam ser transplantados.

“Dado que o transplante de cadáver, em Portugal, como em qualquer parte do mundo, não consegue suprir as necessidades, o transplante de dador vivo aumenta as possibilidades dos doentes serem transplantados. Neste tipo de doação falamos essencialmente de transplante de rim”, refere a especialista.

Em termos legais, não é necessário existirem laços familiares para se poder doar um rim. Basta ser saudável e efetuar exames específicos e pormenorizados que permitirão avaliar que não correrá riscos no futuro. “Também tem de ser avaliado do ponto de vista social e psicológico antes de se avançar com a doação”, acrescenta recordando que “existem muitos doentes à espera de um transplante”.  “A doação é um ato de generosidade que devemos manter e louvar”, reforça.

Outra possibilidade recai sobre a utilização de órgão de dadores em paragem cardiocirculatória. “A vítima que entra em paragem respiratória é reanimada e transportada ao hospital para continuar e manter as manobras de suporte avançado de vida. Para melhorar a chegada de oxigénio aos tecidos é ligado a uma máquina de oxigenação”, explica Susana Sampaio que adianta que se ao fim “de um tempo muito bem estabelecido” não houver recuperação considera-se que a vítima poderá ser potencial dadora, mantendo-se “a oxigenação para melhor preservar os órgãos passíveis de serem transplantados”.

Desde 1 de janeiro de 2016 que este tipo de transplante está a ser realizado no Centro Hospitalar de São João, permitindo o aumento do número de doações.

“Uma vida, Duas vidas...”, o livro que apoia a Investigação

No passado dia 26 de Maio chegou às livrarias a obra “Uma vida, Duas vidas”, escrito por 22 conceituados médicos especialistas em transplantação, que se espera não deixar ninguém indiferente.

“Este livro conta a história de 22 médicos da área do transplante, dos seus doentes e dos momentos que os moldaram. São histórias de esperança, de determinação e de coragem, de quem tem a vida por um fio nas mãos de um estranho...”, revela a presidente da STP.  

Os direitos do livro revertem a favor da Sociedade Portuguesa de Transplantação que “os irá utilizar para a Bolsa que a Sociedade atribui para projetos de Investigação”.

Melhorar as técnicas existentes que permitam ultrapassar a barreira imunológica, tratando eficazmente a rejeição por anticorpos e, quem sabe um dia, produzir órgãos para transplante são algumas das ambições da especialidade. “A investigação nesta área tem mostrado pequenos avanços que nos fazem ter esperança”, refere Susana Sampaio.


«Um livro comovente, cujos direitos revertem a favor da Sociedade Portuguesa de Transplantação»

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
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Foto: 
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