Causa mais frequente de insucesso escolar

Dislexia uma realidade…

Atualizado: 
12/09/2014 - 17:33
A dislexia é talvez a causa mais frequente de baixo rendimento e de insucesso escolar. Na grande maioria dos casos não é identificada, nem corretamente tratada. A família e a escola têm um papel de grande importância, e devem conhecer as características do disléxico.

A intervenção é um desafio que se coloca a todos os responsáveis pela saúde e desenvolvimento infantil. É importante sinalizar, encaminhar e intervir nas crianças precocemente. Trata-se de uma área tão determinante na capacidade de aprendizagem e consequentemente no percurso de suas vidas. É essencial a intervenção terapêutica adequada para o desenvolvimento de estratégias de leitura, realizadas com a ajuda do Terapeuta da Fala especializado. A família e a escola têm um papel de grande importância, e devem conhecer as características do disléxico.

 

O que é a dislexia

A dislexia é talvez a causa mais frequente de baixo rendimento e de insucesso escolar. Na grande maioria dos casos não é identificada, nem corretamente tratada. Esta dificuldade de aprendizagem é uma realidade dos nossos dias, já muito falada, mas adormecida novamente e abafada por outros diagnósticos nomeadamente pelo da hiperatividade.

Dar a conhecer os conceitos básicos desta perturbação, de modo a permitir a qualquer pessoa, a identificação dos sinais de risco e de alerta, levando a uma procura rápida de ajuda e por isso uma intervenção atempada, evitando-se consequências mais graves, é essencial.

Colocar a hipótese do seu diagnóstico e encaminhar para uma avaliação e intervenção especializada precocemente poderá evitar o sofrimento da criança e da família, tal como trazer mais qualidade de vida e aumento do rendimento escolar.

A dislexia é uma incapacidade específica de aprendizagem, de origem neurobiológica, caracterizada por dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita. A leitura é uma das aprendizagens mais importantes, porque é a chave que permite o acesso a todos os outros saberes e às vivências na sociedade. Aprender a ler embora seja uma competência complexa, é relativamente fácil para a maioria das pessoas. Contudo um número significativo de pessoas, embora possuindo um nível de inteligência médio ou superior, manifesta dificuldades na sua aprendizagem.

Até há poucos anos a origem desta dificuldade era desconhecida, era uma incapacidade invisível, um mistério, que gerou mitos e preconceitos estigmatizando as crianças, os jovens e os adultos que não conseguiam ultrapassar esta dificuldade. Imensas vezes as crianças foram rotuladas de “preguiçosas”, “com falta de inteligência”, “distraídas”, “desmotivadas”, “com falta de concentração”, entre outras conotações.

Nos últimos anos, os estudos realizados por neurocientistas utilizando a Ressonância Magnética Funcional, permitiram observar o funcionamento do cérebro durante as atividades de leitura e escrita, levando a um conjunto consistente de conclusões sobre as seguintes questões: Como funciona o cérebro durante as atividades de leitura? Quais as competências necessárias a essa aprendizagem? Quais os défices que a dificultam? Quais as componentes dos métodos educativos que conduzem a um maior sucesso?

Os Estados Unidos têm sido pioneiros na investigação científica, na legislação educativa e na orientação sobre os métodos de ensino, que provaram ser os mais eficientes. Na Europa não existe uma base legal comum que apoie as crianças disléxicas. A grande maioria continua sem ser diagnosticada e sem beneficiar de uma intervenção especializada.

 

Sinais e sintomas de alerta

Sendo a dislexia como uma perturbação da linguagem, que tem na sua origem dificuldades a nível do processamento fonológico, podem observar-se algumas manifestações antes do início da aprendizagem da leitura. Existem alguns sinais de alerta que podem indiciar dificuldades futuras. Se esses sinais forem observados e se persistirem ao longo de vários meses os pais devem procurar uma avaliação especializada. Não se pretende ser alarmista, mas sim estar consciente de que se uma criança mais tarde tiver problemas, os anos perdidos não podem ser recuperados. A intervenção precoce é provavelmente o fator mais importante na recuperação dos leitores disléxicos.

Sally Shaywitz (2003) refere alguns sinais de alerta:

  • Os disléxicos manifestam evidentes dificuldades em automatizar a descodificação das palavras, em realizar uma leitura fluente, correta e compreensível;
  • As pessoas com dislexia, possuem baixa sensibilidade face a estímulos com pouco contraste, com baixas frequências espaciais ou altas-frequências temporais;
  • No Jardim-de-infância e Pré-primária a linguagem de “bebé” é persistente;
  • A criança forma frases curtas, palavras mal pronunciadas, com omissões e substituições de sílabas e fonemas;
  • Têm dificuldade em aprender: nomes: de cores (verde, vermelho), de pessoas, de objetos, de lugares...
  • Têm dificuldade em memorizar canções e lengalengas;
  • Têm dificuldade na aquisição dos conceitos temporais e espaciais básicos: ontem/amanhã; manhã/a manhã; direita/esquerda; depois / antes...
  • Têm dificuldade em aperceber-se de que as frases são formadas por palavras e que as palavras se podem segmentar em sílabas;
  • Durante a leitura soletram as palavras em vez de uma leitura fluente;
  • Não sabem as letras do seu nome próprio;
  • Têm dificuldade em aprender e recordar os nomes e os sons das letras;
  • Apresentam tendência para adivinhar as palavras, apoiando-se no desenho e no contexto, em vez de as descodificar.

 

Atualmente sabe-se que a dislexia é uma perturbação parcialmente herdada, com manifestações clínicas complexas, incluindo dificuldades na leitura, no processamento fonológico (do som), na memória de trabalho, na capacidade de nomeação rápida, na coordenação sensoriomotora, na automatização e no processamento sensorial precoce. Diversos estudos têm demonstrado a hereditariedade da dislexia.

No nosso país em relação à distribuição por sexos tem-se verificado que o número de rapazes com dislexia é, pelo menos, duas vezes superior ao das raparigas.

Tem sido considerado que o défice cognitivo que está na origem da dislexia persiste ao longo da vida, ainda que as suas consequências e expressão variem sensivelmente.

 

Como funciona o apoio no nosso país

No nosso país o Decreto-lei 319/91, aplicado às crianças com necessidades educativas especiais, não fazia qualquer referência em relação à metodologia reeducativa a adotar, em 2008 surge o decreto-lei n.º 3/2008 com diretrizes específicas de atuação com as crianças com necessidades educativas especiais. Todas as crianças têm o direito fundamental à educação. A revisão do decreto-lei n.º 3/2008 e substituído decreto-lei n.º 21/2008, veio enquadrar as respostas educativas a desenvolver no âmbito da adequação do processo educativo às necessidades educativas especiais dos alunos, com limitações significativas ao nível da atividade e participação, num ou vários domínios da vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais de permanente e das quais resultam dificuldades continuadas ao nível da comunicação, da aprendizagem, da mobilidade, da autonomia, do relacionamento interpessoal e da participação social.

Em Portugal a avaliação/diagnóstico da Dislexia, faz-se apoiada num instrumento de avaliação designado por CIF - Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, da Organização Mundial de Saúde, servindo de base à elaboração do programa educativo individual.

Os pais podem recorrer ao apoio da APPDAE – Associação Portuguesa de Pessoas com dificuldades de Aprendizagem Específicas.

Uma situação preocupante é a deficiente formação não só dos professores, mas o que é ainda mais grave, é a deficiente formação dos responsáveis pela formação dos professores.

Um sinal muito positivo é o interesse crescente que este tema tem suscitado, nos últimos anos tendo sido realizados diversos congressos, seminários, jornadas, entre outros... Contudo ainda não é suficiente.

A Associação Internacional de Dislexia, promove ativamente a utilização dos métodos multissensoriais e indica os princípios e os conteúdos educativos a ensinar.

Atualmente existem conhecimentos que permitem avaliar e diagnosticar as crianças com dislexia. Existem provas específicas para avaliar as diferentes competências que integram o processo do leitor.

Neste momento estamos a assistir, com a situação económico-social a cortes na área da educação, nomeadamente no número de professores/horas disponíveis por criança no apoio especial, com a agravante que não tem havido investimento nas ajudas técnicas, nomeadamente para comunicação aumentativa ou alternativa em crianças com necessidades educativas especiais e que fariam toda a diferença no rendimento escolar destas crianças.

Será que o sistema educativo em Portugal tem respostas para esta nova geração de crianças? Com problemáticas diferentes e também com outras capacidades? Nos Estados Unidos e em alguns países da Europa, existem escolas específicas e adaptadas para crianças com dificuldades de aprendizagem, em que o mais importante são os alunos e não o sistema. O aluno é visto numa visão holística podendo fazer as suas escolhas e os professores possuem grande autonomia com os seus alunos. A Pedagogia faz abordagem a vários métodos de ensino, por exemplo o método Montessori, é um dos escolhidos para estas crianças nos Estados Unidos da América. A American Montessori Society (MAS) foi fundada em 1960 e tem como objetivo principal ajudar a criança a atingir a totalidade do seu potencial em várias áreas da vida. Também as escolas mundiais Waldorf existentes em vários países da Europa (Suíça, Alemanha, Holanda, Grã-Bretanha, Áustria) e na América do Norte, estão em expansão. O método Waldorf utiliza metodologias diferentes das tradicionais e defende a educação com base na Intelligent Heart colocando ênfase na vertente emocional. Atualmente existem diversos programas educativos a nível mundial, tais como: “Treino da percepção visual de Frostig”; “Treino da audição dicotómica de Tomátis”; “Treino de desenvolvimento motor de Delacato”; “Método Distema”, entre outros.

 

A importância de sinalizar e intervir precocemente

A intervenção é um desafio que se coloca a todos os responsáveis pela saúde e desenvolvimento infantil: médicos, enfermeiros, psicólogos, licenciados em ciências da educação, investigadores, professores das escolas superiores de educação, professores, pais e governantes.

Os resultados dos estudos recentemente publicados pela OCDE, sobre o nível de literacia e o sucesso escolar, colocam Portugal nos últimos lugares constituindo mais um sinal de alerta e preocupação.

A avaliação pode ser feita em qualquer idade porque os testes são selecionados de acordo com esta. Não existe um teste único, que possa ser usado para avaliar a dislexia, devem ser realizados testes que avaliem as competências fonológicas, a linguagem compreensiva e expressiva (a nível oral e escrito), o funcionamento intelectual, o processamento cognitivo e as aquisições escolares.

É importante sinalizar, encaminhar e intervir nas crianças precocemente, quer nas que estejam em risco, como nas que apresentam dificuldades. Torna-se imprescindível intervir nesta área que é tão determinante na capacidade de aprendizagem e consequentemente no percurso de suas vidas, uma vez que a capacidade de leitura é necessária para quase tudo no dia-a-dia.

É importante alertar e sensibilizar para os sinais indiciadores de futuras dificuldades, possibilitar a avaliação e intervenção precoce.

A intervenção terapêutica adequada para o desenvolvimento de estratégias de leitura, realizadas com a ajuda do Terapeuta da Fala especializado, é essencial para o êxito da aprendizagem.

A família tem um papel de grande importância, assim como a escola. Ambos devem conhecer as características do disléxico, respeitando os seus limites e valorizando muito o seu potencial.

É importante que a equipa escolar conheça os aspetos característicos da dislexia, o funcionamento leitor do disléxico e esteja pronta e disponível para atender a estas necessidades especiais. A escola bilingue não é indicada para uma criança com dificuldades de linguagem, pois ela deverá lidar com vários idiomas simultaneamente, com diferentes estruturas fonéticas e gramaticais, o que tornará mais complexa a aprendizagem da língua escrita.

O apoio educativo é uma estrutura de resposta que não tem serviço especializado. É evidente que não lhes vai fazer mal, mas não se estará sequer a tocar na génese do seu problema. No entanto, são estas crianças disléxicas que não ficam atingidas pela educação especial, que acabam nos apoios educativos. Como intervêm com elas? Naturalmente, trabalham para sistematizar conhecimentos. Mas as crianças disléxicas, prioritariamente não precisam disso. Precisam essencialmente desenvolver pré-competências de leitura, escrita e matemática que mesmo tendo a criança 8 ou 15 anos de idade, não estão desenvolvidas e deveriam estar adquiridas, muito antes do início das aprendizagens simbólicas (ler, escrever e calcular).

A identificação de um problema é a chave que permite a sua resolução. Quanto mais cedo um problema for identificado mais rapidamente se pode obter ajuda. A identificação, sinalização e avaliação das crianças que evidenciam sinais de futuras dificuldades antes do início da escolaridade, permite a implementação de programas de intervenção precoce que irão prevenir ou minimizar o insucesso.

Em síntese, prevenir o insucesso antes de acontecer, mas para isso é necessário investir na realização de formações para profissionais (educadores/professores), como para pais. Investir em meios de diagnóstico eficazes de uma forma precoce e na intervenção especializada e talvez introduzir mudanças efetivas no sistema educativo.

 

Referências Bibliográficas

1. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (1996).DSM IV: Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais. Climepsi Editores.

2. LYON R, Shaywitz S & B. (2003). A Definition of Dyslexia - Annals of Dyslexia. Vol. 53, pág. 1-14.

3. SHAYWITZ, Sally (2003).   Overcoming Dyslexia. Published by Alfred A. Knopf. Pág. 53-58.

4. MORAIS, J. (1997). A Arte de Ler, Psicologia Cognitiva da Leitura. O ensino da leitura. Edições Cosmos. Lisboa. Pág. 241-272.

5. SNOWLING, M. J.. (2001). Dislexia. Ajudando a Superar a Dislexia. Livraria Santos Editora Ltda. Pág. 177-297.

6. CARROLL, Lee e TOBER, Jan. (2005). As crianças índigo. Sinais de Fogo. Lisboa. ISBN 978-972-8541-66-8.

Andreia Eunice Pinto Magina, Enfermeira Especialista em Saúde Mental e Psiquiátrica, Licenciada em Ciências da Educação, Instrutora de Massagem Infantil certificada pela IAIM, Unidade de Cuidados na Comunidade de Oliveira de Azeméis, ACES EDV II – Aveiro Norte

Este texto foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

 

 

Autor: 
Andreia Eunice Pinto Magina - Enfermeira Especialista em Saúde Mental e Psiquiátrica na Unidade de Cuidados na Comunidade de Oliveira de Azeméis ACES EDV II
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico e/ou Farmacêutico.
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