Entrevista

Cancro do Pâncreas: “A população não está consciencializada para este cancro e há ainda muito a fazer”

Atualizado: 
19/02/2018 - 16:37
Na Europa, o cancro do pâncreas é o sétimo mais frequente, estimando-se que só em Portugal sejam diagnosticados cerca de 1300 casos todos os anos. Esta é também a neoplasia que apresenta a menor taxa de sobrevivência. Em entrevista ao Atlas da Saúde, Vitor Neves, presidente da Europacolon, afirma que são necessárias “novas soluções de diagnóstico precoce e tratamento mais eficazes” para mudar as estatísticas.

AdS: De acordo com um estudo, cerca de 60% da população desconhece a sintomatologia associada ao cancro do Pâncreas. Quais os principais sintomas da doença?

O cancro do pâncreas é uma doença que evolui normalmente de forma silenciosa, não apresentando sintomas específicos, o que dificulta o diagnóstico precoce. Alguns dos sintomas mais frequentes são, na realidade, inespecíficos e que podem-se confundir com outras doenças menos graves.

A sintomatologia mais comum são a iterícia (cor amarelada da pele), náuseas, dor abdominal e da coluna dorsal, perda de peso inexplicável e alterações nos hábitos intestinais.

AdS: No entanto, uma vez que esta é, maioritariamante, uma doença silenciosa quais os sinais a que devemos estar atentos?

Esta doença é silenciosa pelo que os sinais podem ser vagos e pouco específicos e surgir apenas num estadio mais avançado de cancro do pâncreas. Alguns dos sinais são perda de apetite e de peso, a falta de força e, por vezes, a diarreia, sendo facilmente confundido com outras patologias, o que aumenta a dificuldade do diagnóstico por doentes ou mesmo profissionais de saúde que podem não associar de imediato o conjunto dos sintomas a este tipo de cancro.

AdS: Como é feito o seu diagnóstico?

Em 60% dos casos o diagnóstico é feito numa fase tardia e avançada da doença. Para além das manifestações clínicas, há análises de sangue que podem fazer suspeitar da doença e a confirmação passa por métodos de imagem que identificam a lesão. Habitualmente a ecografia abdominal, a TAC abdominal, ressonância magnética e a ecoendoscopia são os métodos mais utilizados.

No que diz respeito ao diagnóstico muito ainda necessita de ser feito. Há vários anos que os investigadores estudam o desenvolvimento de métodos de diagnóstico do cancro pancreático mais eficazes e que possam detetar a doença mais cedo.

Ads: Quanto aos testes genéticos, na prática qual a sua utilidade e quem pode ou deve realizá-los?

Qualquer inovação que possa haver no campo do diagnóstico é muito bem-vinda e, se o desenvolvimento dos testes genéticos for uma solução para o diagnóstico mais precoce, a Europacolon Portugal está completamente de acordo e entusiasta para que estes métodos sejam aplicados em Portugal. Existe uma investigação do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (IPATIMUP), que demonstra que o cancro do pâncreas produz, no sangue dos doentes, uma “assinatura biológica” da sua presença, podendo estar presente nos doentes bem antes do seu cancro ser detetável por métodos convencionais. O teste genético permite vislumbrar uma possível forma de detetar este cancro para o conseguir tratar antes que se torne letal. É um teste altamente sensível na determinação de cistos pancreáticos que podem evoluir para cancros agressivos do pâncreas. Encontra-se já disponível nos EUA.

AdS: Quais as causas ou fatores de risco para este tipo de cancro?

Existem diversos fatores de risco que influenciam a uma maior ou menor predisposição para o desenvolvimento do Cancro do Pâncreas. Esta doença está muito associada a hábitos como alimentação rica em gorduras, tabagismo, ingestão de álcool, peso elevado, diabetes, pancreatite crónica, idade e história familiar.

AdS: Apesar de alguns autores afirmarem que a doença tanto afeta homens como mulheres, alguns estudos mostram que o cancro do Pâncreas é duas vezes mais frequente no sexo masculino. Existe alguma explicação?

A incidência do cancro do pâncreas em Portugal é de cerca de 1300 pessoas, existindo de facto uma ligeira maioria da população masculina, o que em parte pode resultar do consumo de tabaco ser maior nos homens. O risco de aparecimento deste cancro aumenta com envelhecimento, aparecendo a partir dos 55 anos, mas com mais frequência a partir dos 65 anos.

AdS: Qual a incidência do Cancro do Pâncreas e quais os números da doença no nosso país? 

O Cancro Pancreático é uma doença oncológica cuja incidência em Portugal é de 1.300 casos, anuais, com uma mortalidade associada de 1.328/Ano (Globocan 2012). Atualmente, o cancro do pâncreas é a 7ª maior causa de morte por cancro. Sem melhorias no diagnóstico, prevê-se que venha a tornar-se a 4ª principal causa de morte por cancro em 2020, dos quais cerca de 700 pessoas em Portugal em estadio IV no momento do diagnóstico.

AdS: Tratanto-se de um tumor de difícil controlo, qual o prognóstico da doença?

Todos os dias a nível mundial, morrem 900 pessoas com a doença e 1000 novos casos surgem. Os tumores da cabeça do pâncreas que são detetados precocemente, submetidos a cirurgia curativa têm uma sobrevivência de cerca de 48% a 87% aos 5 anos na Europa. Revela-se muito importante a existência de um diagnóstico precoce para que seja possível uma intervenção cirúrgica. A investigação demonstra que os doentes diagnosticados a tempo de uma intervenção cirúrgica têm mais hipóteses de sobrevivência a cinco ou mais anos.

AdS: Quais as opções de tratamento disponíveis? E o que pode condicionar a escolha terapêutica?

Dependendo da particularidade de cada doente, são apresentadas quatro opções de tratamento: cirurgia, quimioterapia, radioterapia e as terapias inovadoras. A cirurgia para pacientes com cancro pancreático é realizada com o objetivo de remover completamente o tumor, contudo apenas 20% dos cancros pancreáticos são diagnosticados em tempo útil de forma a ser possível a remoção através de cirurgia. O aparecimento de novas terapias dirigidas podem ser uma interessante opção para o tratamento.

Ads: De acordo com os dados, de um universo de 100 doentes diagnosticados, estima-se que apenas 6 possam ser operados. O que falta fazer para que este tipo de cancro seja diagnosticado cada vez mais cedo, aumentando assim as hipóteses de tratamento destes doentes?

A investigação demonstra que os doentes diagnosticados a tempo de uma intervenção cirúrgica têm muitas mais hipóteses de sobrevivência a cinco ou mais anos. À medida que os médicos foram adquirindo novas informações sobre o que torna as células cancerígenas pancreáticas diferentes das células normais, novos fármacos podem ser desenvolvidos para atacar apenas aspetos específicos das células cancerígenas. Uma vez que as células normais não são atacadas da mesma maneira que em quimioterapia, os efeitos colaterais associados podem ser reduzidos com essas terapêuticas.

AdS: Considera que há falta de informação?

A população não está consciencializada para este cancro e há ainda muito a fazer para que mais informação chegue às pessoas através dos médicos de família e especialistas. É neste aspeto que a Europacolon Portugal e o trabalho internacional tem contribuído para uma melhoria da sensibilização da população e dos profissionais de saúde sobre esta patologia, promovendo uma melhoria da informação e um diagnóstico mais atempado da doença.

A Europacolon Portugal vai realizar em 2018 um estudo a nível nacional que visa aumentar a perceção dos médicos de medicina geral e familiar sobre o cancro do pâncreas, a fim de melhorar o diagnóstico precoce da doença.

Ads: Que avanços têm existido nos últimos anos no que diz respeito às terapêuticas e métodos de deteção?

Do financiamento em investigação, na área oncológica, só 2% se aplica ao cancro pancreático, número este que se tem mantido nos últimos 40 anos, pelo que é necessário desenvolverem-se mais oportunidades e ações na procura de novas soluções de diagnóstico precoce e tratamento mais eficazes, para além daqueles que existem atualmente. É necessário um trabalho urgente de divulgação da doença e dos seus possíveis sinais de alarme, junto da população em geral e dos médicos de família, e a Europacolon Portugal tem vindo a trabalha arduamente neste sentido.

AdS: Para terminar, que mensagem gostaria de deixar?

A Europacolon é membro fundador da World Pancreatic Coalition e único representante de Portugal nas iniciativas nacionais e internacionais desenvolvidas na área do cancro do pâncreas. É nosso foco apoiar os pacientes de cancro digestivo, os seus familiares e cuidados, pretendendo aumentar a sensibilização destas doenças e aumento da literacia em saúde através de maior conhecimento da população dos sintomas, fatores de risco e outras informações relevantes para a Saúde em geral.

A todos que precisem, disponibilizamos, gratuitamente, vários serviços como consultas de psicologia e nutrição, apoio social, apoio jurídico, segundas opiniões médicas, linha de apoio permanente (808 200 199) e realizamos diversas ações de sensibilização e prevenção primárias assim como participação nos mais variados eventos nacionais e internacionais sobre Saúde.

Autor: 
Sofia Esteves dos Santos
Nota: 
As informações e conselhos disponibilizados no Atlas da Saúde não substituem o parecer/opinião do seu Médico, Enfermeiro, Farmacêutico e/ou Nutricionista.
Foto: 
Europacolon